Domingo VII da Páscoa (PDF)     TEXTO

Enquanto durar a situação de pandemia, fica suspensa a edição da Folha Informativa em papel.

 

Ascensão, Giacomo Cavedone

 

Também eu posso contagiar de céu e de natividades quem me é confiado.
Mas será tudo isto realmente possível?

É-o, a acreditar no versículo conclusivo: eles partiram e pregaram em todo o lado, enquanto que o Senhor agia juntamente com eles.
Verbo extraordinário, que chega também até mim, aqui e agora: o Senhor agia em sinergia com eles, inseparáveis a sua energia e a do Senhor, uma só força, uma só linfa, uma só vida. Nunca sós.

Jesus: energia que opera contigo para a vida.
Ermes Ronchi, in Avvenire

 

A vida futura

S. José Maria Escrivá

Ascension and Pentecost | Koninklijke Bibliotheek

A tarefa apostólica que Cristo atribuiu a todos os seus discípulos produz resultados concretos no âmbito social. Não é admissível pensar que, para se ser cristão, seja preciso voltar as costas ao mundo, ser um derrotista da natureza humana. Tudo, até o mais pequeno dos acontecimentos honestos, encerra um sentido humano e divino.
Cristo, perfeito homem, não veio destruir o que é humano, mas enobrecê-lo, assumindo a nossa natureza humana, excepto o pecado. Veio compartilhar todos os anseios do homem, menos a triste aventura do mal.
O cristão deve encontrar-se sempre disposto a santificar a sociedade a partir de dentro, estando plenamente no mundo. (…)

A festa da Ascensão do Senhor sugere-nos outra realidade: o Cristo que nos anima a esta tarefa no mundo espera-nos no Céu. Por outras palavras: a vida na terra, que amamos, não é a definitiva: porque não temos aqui cidade permanente, mas andamos em busca da futura cidade imutável.

Procuremos, no entanto, não interpretar a Palavra de Deus nos limites de horizontes estreitos. O Senhor não nos impele a sermos infelizes enquanto caminhamos, esperando só a consolação no além. Deus quer-nos felizes também aqui, embora anelando o cumprimento definitivo dessa outra felicidade, que só Ele pode preencher completa e abundantemente.

Nesta terra, a contemplação das realidades sobrenaturais, a acção da graça nas nossas almas, o amor ao próximo como fruto saboroso do amor a Deus, supõem já uma antecipação do Céu, um começo destinado a crescer dia a dia.
Nós, cristãos, não suportamos uma vida dupla: mantemos uma unidade de vida, simples e forte, na qual se fundamentam e compenetram todas as nossas acções.

Cristo espera-nos. Vivemos já como cidadãos do céu sendo plenamente cidadãos da Terra, no meio de dificuldades, de injustiças, de incompreensões, mas também no meio da alegria e da serenidade que dá saber-se filho amado de Deus.
Perseveremos no serviço do nosso Deus e veremos como aumenta em número e em santidade este exército cristão de paz, este povo de co-redenção. Sejamos almas contemplativas, com um diálogo constante, convivendo com o Senhor a toda a hora: desde o primeiro pensamento do dia ao último da noite, pondo continuamente o nosso coração em Jesus Cristo Senhor Nosso, chegando até junto d’Ele por intermédio da Nossa Mãe Santa Maria e, por Ele, ao Pai e ao Espírito Santo.

Se, apesar de tudo, a subida de Jesus aos Céus nos deixa na alma um amargo rasto de tristeza, acudamos a sua Mãe como fizeram os apóstolos: então, voltaram a Jerusalém… e oravam unanimemente… com Maria, a Mãe de Jesus.

 

O difícil silêncio de Deus

D. José Tolentino Mendonça, 2016

Na festa da Ascensão celebramos algo que também é misterioso: o facto de Jesus ser nosso companheiro de viagem, como acompanhou aqueles dois discípulos de Emaús, e ao mesmo tempo os nossos olhos não O verem, os nossos sentidos não O captarem.

Hoje celebramos esta coisa misteriosa que é arder-nos o coração e ao mesmo tempo sentirmos o vazio, sentirmos a ausência, sentirmos o silêncio de Deus e aceitarmos esse silêncio como necessário. Aceitarmos a ausência de Jesus como o desejo Dele, como a normalidade da história da própria salvação.

Aceitar significa não tentar truques de manga, não tentar iludir essa dificuldade. Porque é difícil, porque nós próprios gostaríamos de mostrar Deus, nós próprios gostaríamos de dizer: “Este é o meu Deus.”

Nós próprios gostaríamos de tocar, de sentir, de ver, de cheirar, de palpar o próprio Deus. Contudo, é no silêncio que nós acreditamos, é no vazio das imagens que nós prosseguimos. E às vezes a nossa tentação é de encontrar subterfúgios, consolos, oblívios que nos ajudem a suportar o difícil silêncio de Deus na vida dos crentes.

Para nós Deus não é fácil, não é claro, não é uma evidência, não é domesticado, não cabe nos nossos discursos, nas nossas imagens.
É importante que o caminho da fé seja um caminho desconfortável também, seja um caminho de luta, um caminho de combate. Acreditar não é ter resolvido tudo, acreditar é sentir-se em estado de pergunta, é sentir-se em nascimento, sentir-se no interior de um parto incessante, de uma sucessão de começos. Isso é a história da nossa fé.

Então, esta é a hora do Espirito Santo em nós, que vem até nós e dentro de nós nos conduz, progressivamente, à verdade plena. (…)
É interessante como isto constituiu um grande desafio para a primeira geração de cristãos. Eles esperavam que Jesus fosse e viesse. E os primeiros cristãos viviam na expectativa do regresso de Cristo. Por isso, viviam numa espécie de suspensão em relação à história, não se envolviam, não sujavam as mãos no combate, não faziam demasiados investimentos porque esperavam uma vinda iminente de Jesus.

Até que depois foram compreendendo, sem dúvida ajudados pelo Espírito Santo, que o mistério da fé é um mistério para viver no tempo e na espera. E esse é o lugar onde cada um de nós está, no tempo e na espera. Aceitando essa nuvem, aceitando essa espécie de cortina que não nos deixa ver tudo, aceitando que a nossa visão é incompleta, aceitando o vazio, aceitando a dificuldade da própria fé.

Entre um crente e um ateu, em muitos pontos, não há diferença nenhuma. Porque nenhum de nós vê, nenhum de nós tem o caminho facilitado, nenhum de nós tem uma via de acesso particular. É a nudez, o vazio, são as mãos vazias aquilo que nos liga.

Uma fé feita de consolos é uma fé muito infantil. É uma fé que é preciso amadurecer e que a própria vida vai pôr em causa de muitas maneiras, é uma fé que tem de ser purificada. Porque a dada altura nós estamos agarrados ao consolo, estamos agarrados ao rebuçado e não estamos a viver a verdadeira espera de Deus. Não estamos a viver a vida no mistério da sua dureza, a vida como paradoxo, a vida como aporia. O lugar dos crentes não é um lugar que falsifica a história – nós não estamos numa ilusão, não procuramos um estádio que não existe, não queremos falsas consolações. Não, não vemos.

Partimos daí, abraçamos, não temos medo de abraçar esse nada, esse silêncio.
Contudo, nós sabemos que o silêncio é lugar de plenitude do sentido.
E se com os olhos da carne nós não O vemos, somos chamados a compreender a vida com os olhos do coração, a aceitar que hoje o lugar que o Espírito Santo nos indica como o lugar para encontrar Deus é na vida, é na história, é antes de tudo na pessoa humana, antes de tudo na vulnerabilidade da pessoa humana.

É aí que encontramos Deus.

 

 

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