A página da Paróquia de São Francisco Xavier vai apresentar diariamente textos para reflexão neste período conturbado da pandemia.
O texto de hoje é de Ermes Ronchi.

Trindade, comunhão de amor, fluxo de vida divina

Ermes Ronchi, In “Avvenire”

O Espírito virá e anunciar-vos-á as coisas futuras. O Espírito permite aos meus olhos, tombados para o presente, ver longe, antecipar a rosa que hoje ainda está fechada, intuir já cores e perfumes onde agora só há um germe.

O Espírito é aquele que na proa do meu barco vê primeiro. Anuncia terras que eu ainda não vejo. Eu dou-lhe ouvidos e aponto o leme para o rumo que Ele indica, e posso agir certo de que o que tarda virá, comportar-me como se a rosa já estivesse em flor, como se o Reino já tivesse vindo.

O Espírito receberá do que é meu e vo-lo anunciará. Tudo aquilo que o Pai possui é meu. Neste intercâmbio de dons começamos a entrever o segredo da Trindade: não um circuito fechado, mas um fluxo aberto que derrama amor, verdade, inteligência para além de si, efusão ardente de vida divina.

No dogma da Trindade está contido o sonho para nós. Se Deus é Deus apenas nesta comunhão, então também o homem será homem apenas numa relação análoga de amor.

Quando, no princípio, o Criador diz: «Façamos o homem à nossa imagem e semelhança», se observarmos bem, vemos que Adão não é feito à imagem do Deus que cria; não à imagem do Espírito que pairava sobre as águas dos abismos; não à imagem do Verbo que desde o princípio estava junto de Deus.

Muito mais, Adão e Eva são feitos à imagem da Trindade, à semelhança, portanto, daquela comunhão, daquela ligação de amor, da partilha. Aqui está a nossa identidade mais profunda, o cromossoma divino em nós. No princípio é colocada a relação. No princípio de tudo, a ligação.

No fim de um dia podes nunca ter pensado em Deus, nunca teres pronunciado o seu nome. Mas se criaste laços, se causaste alegria a alguém, se levaste a tua comunhão, então fizeste a mais bela profissão de fé na Trindade.

O verdadeiro ateu é aquele que não trabalha para criar laços, comunhão acolhimento, Quem espalha gelo em torno de si. Quem não entra na dança das relações ainda não entrou em Deus, o Deus que é Trindade, que não é uma complicada fórmula matemática em que o uno e o trino têm de coincidir: «Se vês o amor, vês a Trindade» (Santo Agostinho).

Então compreendo porque é que a solidão me pesa tanto e me faz medo: porque é contra a minha natureza. Então compreendo porque é que quando estou com quem me quer bem, quando acolho e sou acolhido por alguém, estou tão bem: porque realizo a minha vocação.

Tudo circula no universo: planetas, astros, sangue, fumos, vento e pássaros migratórios… É a lei da vida, que adoece se se fecha, que se extingue se não se dá. A lei da Igreja que, se se fecha, adoece (Papa Francisco).