XXXI Domingo do Tempo Comum (PDF) TEXTO

Fra Angelico, Anunciação

Neste mundo líquido, é necessário voltar a falar do coração; indicar onde cada pessoa, de qualquer classe e condição, faz a própria síntese; onde os seres concretos encontram a fonte e a raiz de todas as suas outras potências, convicções, paixões e escolhas.

Movemo-nos, porém, em sociedades de consumidores em série, preocupados só com o agora e dominados pelos ritmos e ruídos da tecnologia, sem muita paciência para os processos que a interioridade exige.

Na sociedade atual, o ser humano corre o perigo de se desorientar do centro de si mesmo.

O homem contemporâneo encontra-se com frequência transtornado, dividido, quase privado de um princípio interior que crie unidade e harmonia no seu ser e no seu agir.

Modelos de comportamento infelizmente bastante difundidos, exaltam a sua dimensão racional-tecnológica ou, ao contrário, a instintiva.

Falta o coração.

Papa Francisco, Dilexit nos, outubro 2024

 

Eu e o estrangeiro

Cardeal Ravasi, 2015

William Bendz, artista mira obra no espelho

Tempo virá
em que, exultante,
te saudarás a ti mesmo chegado
à tua porta, no teu próprio espelho
e cada qual sorrirá ante a saudação do outro,
dirá: Senta-te aqui. Come.
Amarás de novo o estrangeiro que era o teu Eu.
Dá vinho. Dá pão. Devolve o coração
a ele próprio, ao estrangeiro que te amou
toda a tua vida, que ignoraste.

Como sempre, a poesia, para ser apreciada, requer uma leitura serena: antigamente, cada leitura dos textos escritos exigia a pronúncia exterior, de modo que as palavras reverberassem, deixando em torno de si quase como que um halo, um eco interior.
Citámos aqui versos da poesia “Amor após amor”, do grande poeta Derek Walcott, o cantor dos mestiços, nascido numa ilha das Caraíbas, Santa Lúcia, em 1939.

Como se intui, unem-se e sobrepõem-se duas fisionomias diversas, a minha e a do outro, o estrangeiro.
Se ao espelho olhamos o nosso rosto, descobrimos nele os traços da humanidade, porque a ela todos pertencemos, para além das diferenças étnicas, culturais, religiosas.

«Amarás o estrangeiro que era o teu Eu», diz o poeta.
«Amarás o teu próximo como a ti mesmo», diz a Bíblia.
Neste paralelo há dois amores que se fundem, o espontâneo por si próprio e aquele que o é para os outros, muitas vezes conquistado com algum esforço mas que deverá ser, da mesma maneira, intenso.

Devemos tentar reconduzir o nosso coração «a si mesmo», isto é, à sua consciência profunda, e aí descobriremos que há o estrangeiro dentro de nós porque ele é semelhante a nós por causa do próprio Deus que o criou, do próprio Cristo que o redimiu, do próprio amor que foi deposto nele e em nós, e do próprio pecado que obscurece a nós e a ele.

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