A página da Paróquia de São Francisco Xavier vai apresentar diariamente textos para reflexão neste período conturbado da pandemia.
O texto de hoje é de João Alves da Cunha, in Ponto SJ.
Santos da casa
João Alves da Cunha, Ponto SJ.
No dia-a-dia, ainda mais do que os grandes santos da Igreja, muito tenho sido abençoado pela luz dos santos “«ao pé da porta», daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus.”
Nasci no dia de São Patrício. Não foi, portanto, por um acaso que procurei conhecer a história deste santo de vestes verdes. Em Portugal, não tem uma única igreja a ele dedicada. Durante todo o ano, a sua memória permanece distante. Mas a 17 de Março, São Patrício é sinónimo de festa e de uma alegria que tem contagiado a celebração da minha vida.
Em comunhão de santos, muitos outros me têm acompanhado. Cada santo, com o seu carisma, tem trazido luz aos meus passos: São João Crisóstomo, São Bernardo de Claraval, São Francisco Xavier, Santa Teresa de Ávila… E também outros que só não o são oficialmente: Pedro Arrupe, Hélder Câmara, Etty Hillesum, Dorothy Day… A leitura das suas vidas tem sido preciosa no meu caminho de aproximação a Deus, a ponto da ladainha dos santos se ter tornado, para mim, numa ação de graças por tanto bem recebido. Agradecimento a Deus pelo bem que neles colocou e que a mim e a tantos tem inspirado.
Dentre todos, lembro de um modo especial São Francisco de Assis, cuja intensidade de amor a Deus e ao próximo me marcou profundamente. E também Santo Inácio de Loyola, pelo compromisso lúcido e apaixonado de Jesus Cristo a que os seus Exercícios Espirituais me convocaram. No entanto, não é só o lado santo das suas vidas que me inspira. Um e outro partilham um passado mundano que não impediu uma conversão radical orientada para a maior glória de Deus. E isso faz toda a diferença.
“Todos os santos têm um passado e todos os pecadores têm um futuro”, lembrou o Papa Francisco, citando Óscar Wilde. Muito provavelmente, quem conheceu o publicano Mateus jamais imaginou que ele seria aclamado santo. E que dizer de Saulo que se tornou São Paulo? A todos – justos e pecadores – o Senhor pede “Sede santos porque Eu sou santo.” Porque não há passado que Deus não perdoe, nem doente que não queira curar.
Durante muito tempo intrigou-me a indicação dada por Jesus ao paralítico que acabara de curar, para que levasse o catre consigo. Porque seria preciso o catre se estava curado? Até que um dia me revi no paralítico e percebi que também eu não posso deitar fora o meu catre. Uma só palavra de Jesus salva-me, mas as minhas fraquezas levam-me a precisar de novo d’Ele, uma e outra vez… Consolam-me, por isso, as palavras do Papa Francisco, na inspiradora Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate: “Nem tudo o que um santo diz é plenamente fiel ao Evangelho, nem tudo o que faz é autêntico ou perfeito.” Não perco a esperança, portanto, enquanto continuo a transportar o meu catre. Mas não dou graças por ele, pois melhor sinal seria se dele estivesse dispensado.
Como Abraão, escuto o Senhor que diz “Anda na minha presença e sê perfeito” . Mas todos os dias escolho curvas e contracurvas. Apesar desta minha fraca resposta, Deus nunca me deixou, nem nunca me deixou só. Há muitos anos ouvi de um padre jesuíta que a Graça de Deus se manifesta através dos outros. Isso mesmo tenho testemunhado. No dia-a-dia, ainda mais do que os grandes santos da Igreja, muito tenho sido abençoado pela luz dos santos “«ao pé da porta», daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus.” Apesar de, como afirmou Santa Teresa Benedita da Cruz, “saber quais sejam as almas a quem devemos agradecer os acontecimentos decisivos da nossa vida pessoal é algo que só conheceremos no dia em que tudo o que está oculto for revelado”, procuro não ser cego à santidade que me é dada testemunhar. A isso dou graças, aos santos que me acompanham e tantas vezes me levam no catre desde a beira do caminho ao encontro do Senhor.
O exame diário ajuda-me a treinar o olhar atento e agradecido. E há tanto para agradecer todos os dias, principalmente se tiver em conta que “A magnanimidade mostra-se nas coisas simples e diárias.” E a vida familiar é composta por tantas… Na referida exortação sobre a chamada à santidade no mundo actual, o Papa Francisco lembra que “A santificação é um caminho comunitário, que se deve fazer dois a dois.” E acrescenta: “Há muitos casais santos, onde cada cônjuge foi um instrumento para a santificação do outro.” Penso imediatamente em Maria e José, mas também em Sara e Abraão ou Priscila e Áquila. Penso como se terão apoiado mutuamente nos melhores e nos piores dias, chamando o outro à santidade, lembrando-se que Deus “depende de nós para amar o mundo e demonstrar-lhe o muito que o ama”, como refere Santa Teresa de Calcutá.
Viver assim acompanhado no seguimento de Cristo é uma graça muito particular a que fui chamado. Sei que transporto este tesouro num frágil vaso de barro, mas o que superabunda é a alegria por me ter sido dado segui-lo assim, passo a passo, nesta vida rodeada de santos.