São Marcos é o evangelista que nos vai acompanhar ao longo do novo Ano Litúrgico (B), que se inicia no dia 27 de Novembro com o Primeiro Domingo do Advento.

A tradição antiga, que remonta ao séc. II, atribui o texto deste Evangelho a Marcos, identificado com João Marcos, filho de Maria, em cuja casa os cristãos se reuniam para orar. Com Barnabé, seu primo, Marcos acompanha Paulo durante algum tempo na primeira viagem missionária e depois aparece com ele, prisioneiro em Roma .

Mas liga-se mais a Pedro, que o trata por «meu filho» na saudação final da sua Primeira Carta, sendo muitas vezes considerado como o “Intérprete de São Pedro”. Marcos terá escrito o Evangelho pouco antes da destruição de Jerusalém, que aconteceu no ano 70.

Ainda segundo a tradição, terá sido o primeiro bispo de Alexandria no Egipto, onde terá morrido como mártir. No século IX as suas relíquias foram transladadas para Veneza, cidade de que é padroeiro.

A representação de São Marcos na liturgia católica apresenta-o acompanhado de um leão com asas.

A sua festa religiosa é celebrada a 25 de Abril.

O LIVRO

O Evangelho de Marcos reflecte a catequese que Pedro, testemunha presencial dos acontecimentos, espontâneo e atento, ministrava à sua comunidade de Roma. É o mais breve dos quatro e situa-se no Cânon entre os dois mais extensos Mateus e Lucas e a seguir a Mateus, o de maior uso na Igreja. Até ao séc. XIX, Marcos foi pouco estudado e comentado, para não dizer praticamente esquecido. Santo Agostinho considerava-o como um resumo de Mateus.

A investigação mais aprofundada desde o século passado, à volta da origem dos Evangelhos, trouxe Marcos à luz da ribalta; hoje, é geralmente considerado o mais antigo dos quatro. Na verdade, supõe uma fase mais primitiva da reflexão da Igreja acerca do Acontecimento Cristo, que lhe deu origem; e só ele conserva o esquema da mais antiga pregação apostólica, sintetizada em Actos 1,22: começa com o baptismo de João (1,4) e termina com a Ascensão do Senhor (16,19).

É comum afirmar-se que todos os outros Evangelhos, sobretudo os Sinópticos, supõem e utilizaram mais ou menos o texto de Marcos, assim como o seu esquema histórico-geográfico da vida pública de Jesus: Galileia, Viagem para Jerusalém, Jerusalém.

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

Revelando certa pobreza de vocabulário e uma sintaxe menos cuidada, Marcos é parco em discursos; apresenta apenas dois: o capítulo das parábolas (cap. 4) e o discurso escatológico (cap. 13). Mas tem muitas narrações. É exímio na arte de contar: fá-lo com realismo e sentido do concreto, enriquece os relatos de pormenores e dá-lhes vida e cor.

A este propósito são típicos os casos do possesso de Gerasa, da mulher com fluxo de sangue e da filha de Jairo, no cap. 5. Presta uma atenção especial às palavras textuais de Jesus em aramaico, por ex. «Talitha qûm» (5,42) e «Eloí, Eloí, lemá sabachtáni» (15,34). É de referir também o dia-tipo da actividade de Jesus, descrito na assim chamada “jornada de Cafarnaúm” (1,21-34).

Pode dizer-se, porventura de uma forma demasiado simples, que Marcos se faz espectador com os seus leitores. Como eles, acompanha e vive o drama de Jesus de Nazaré, desenrolado em dois actos, coincidentes com as duas partes deste Evangelho. Ao longo do primeiro, vai-se perguntando: Quem é Ele? Pedro responderá por si e pelos outros, de forma directa e categórica: «Tu és o Messias!» (8,29). O segundo acto pode esquematizar-se com pergunta-resposta: De que maneira se realiza Ele, como Messias? Morrendo e ressuscitando (8,31; 9,31; 10,33-34).

TEOLOGIA

Tal como os outros evangelistas, Marcos apresenta-nos a pessoa de Jesus e o grupo dos discípulos como primeiro modelo da Igreja.
Mais do que em qualquer outro Evangelho, Jesus, «Filho de Deus» (1,1.11; 9,7; 15,39), revela-se profundamente humano, de contrastes por vezes desconcertantes: é acessível (8,1-3) e distante (4,38-39); acarinha (10,16) e repele (8,12-13); impõe “segredo” acerca da sua pessoa e do bem que faz e manda apregoar o benefício recebido; manifesta limitações e até aparenta ignorância (13,22). É verdadeiramente o «Filho do Homem», título da sua preferência. Deste modo, a pessoa de Jesus torna-se misteriosa: porque encerra em si, conjuntamente, um homem verdadeiro e um Deus verdadeiro. Vai residir aqui a dificuldade da sua aceitação por parte das multidões que o seguem e mesmo por parte dos discípulos.

Na primeira parte deste Evangelho (1,14-8,30), Jesus mostra-se mais preocupado com o acolhimento do povo, atende às suas necessidades e ensina; na segunda parte (8,31-13,36) volta-se especialmente para os Apóstolos que escolheu (3,13-19): com sábia pedagogia vai-os formando, revelando-lhes progressivamente o plano da salvação (10,29-30.42-45) e introduzindo-os na intimidade do Pai (11,22-26).

Este Jesus, tão simples e humano, é também muito exigente para com os seus discípulos. Desde o início da sua pregação (1,14), arrasta as multidões atrás de si e alguns discípulos seguem-no (1,16-22). Após a escolha dos Doze (3,13-19), começa a haver uma certa separação entre este grupo mais íntimo e as multidões. Todos seguem Jesus, mas de modos diferentes. Este seguimento exige esforço e capacidade de abertura ao divino, que se manifesta em Jesus de forma velada e indirecta através dos milagres que Ele realiza. É por meio dos milagres que o discípulo descobre no Filho do Homem a presença de Deus, vendo em Jesus de Nazaré o Filho de Deus.

A incompreensão é uma das mais negativas características no discípulo do Evangelho de Marcos. É essa a razão pela qual, ao confessar o messianismo de Jesus (8,29), Pedro pensava num messias (termo hebraico que significa “Cristo”) mais político que religioso e que libertasse o povo dos romanos dominadores.

Isso aparece claro quando Jesus desvia o assunto e anuncia pela primeira vez a sua Paixão dolorosa (8,31); Pedro, não gostando de tal messianismo, começa a repreender o Mestre (8,31-33). O que ele queria era como todos os discípulos de todos os tempos um cristianismo sem esforço e sem grandes compromissos.

Apesar da incompreensão manifestada pelos discípulos em relação aos seus ensinamentos, Jesus não desanima e continua a ensiná-los (8,31-38; 9,30-37; 10,32-45). O efeito não foi muito positivo: no fim da caminhada para Jerusalém e após Ele lhes ter recordado as dificuldades por que iria passar a sua fé (14,26-31), ao verem-no atraiçoado por um dos Doze e preso (14,42-45), «deixando-o, fugiram todos» (14,50).

Este é, certamente, o Evangelho onde qualquer cristão se sentirá melhor retratado.

Missionários Capuchinhos, Difusora Bíblica (adaptado)