A página da Paróquia de São Francisco Xavier vai apresentar diariamente textos para reflexão neste período conturbado da pandemia.
O texto de hoje é de Karl Rahner.

Hoje é o dia favorável, o agora em que começa a tua eternidade

Karl Rahner, In Narthex

Todos o sabemos, a vida humana só é vivida uma vez, e é a partir desta unicidade do tempo que, como um fruto, cresce a eternidade. Nós, cristãos, sabemos que este tempo único nos é dado por Deus. Somos chamados num tempo determinado, e temos um tempo do qual não decretamos a lonjura: é Deus que a determina.

Neste tempo, cada momento é único e preciso, pelo que, em definitivo, nenhum momento pode ser substituído por um outro. E dado que somos cristãos, somos, enquanto cristãos, chamados no tempo de Cristo, dado que a nós é pregada a Palavra de Deus revelada, a Palavra da sua reconciliação, do seu amor, da sua misericórdia, porque a Palavra de Deus feita carne pertence ao nosso tempo, é por isso que o dia da salvação está verdadeiramente lá, bem como o momento favorável, o momento conveniente, o momento oportuno, segundo a tradução que se poderia talvez dar a esta palavra em Paulo.

É por isso que Paulo afirma (e a Igreja di-lo agora, no início deste tempo de Quaresma): é agora o tempo favorável, o “kairos” para vós, é agora o dia da salvação. Este agora não existe para sempre, mas passa; este agora é um dom que não está em nosso poder.

Talvez tenhamos ainda uma longa vida à nossa frente, talvez vivamos ainda numerosas Quaresmas, e no entanto cada momento da nossa vida é precioso, e cada um é um dom de Deus.

Muitas vezes gostaríamos de ter outros tempos, na história do mundo e na nossa vida. Talvez tenhamos um tempo de sofrimento, e gostássemos de ter um tempo de alegria. Talvez gostássemos de conhecer tempos magníficos, e temos um tempo de trabalho pobre, penoso, monótono, aborrecido, do qual – acreditamos – não sai grande coisa.

E todavia, de cada um dos nossos instantes, a Escritura pode dizer: eis agora o tempo favorável, eis agora o dia da salvação: este dia que tu tens agora, a hora que te é dada agora.

Sem cessar deveríamos, com toda a força do nosso coração, dirigir a Deus esta oração: dá-me a luz e a força para reconhecer o tempo que tenho agora como Tu queres que eu o reconheça: como alguma coisa que talvez seja preciso suportar e que é talvez problemático, e amar, como a hora, talvez, da morte e da lenta agonia, mas sobretudo como a tua hora, como o dom que Tu me fazes, e como o dia da tua salvação.

Se começássemos assim cada dia, se aceitássemos cada hora da mão de Deus, ou seja, de onde ela verdadeiramente nos vem, se não nos queixássemos, se não atacássemos a situação na qual estamos situados sem poder escapar dela, mas se disséssemos com fé e humildade, na força do Espírito e na luz do Senhor: é agora o dia da salvação, a hora da salvação, o momento favorável, de onde pode surgir a minha eternidade, será que a nossa vida não seria melhor vivida?

Não aconteceria, então, que os nossos dias – mesmo se, humanamente, são vazios e desolados – se tornariam mais cheios, mais luminosos, maiores, mais amplos e mais felizes desta felicidade secreta que o cristão pode conhecer mesmo na cruz e na desolação?

Digamos mais uma vez com o apóstolo: eis agora o tempo favorável, eis agora o dia da salvação. Ó Deus, dá-nos na tua graça a luz e a força de reconhecer e de viver o dia, o momento tal como Tu não cessas de nos dar: como o dom que Tu nos concedes, como a tua graça e como nossa missão, a fim de que deste tempo, deste tempo favorável de salvação, germine a tua salvação.