A página da Paróquia de São Francisco Xavier vai apresentar diariamente textos para reflexão neste período conturbado da pandemia.
O texto de hoje é de Enzo Bianchi.
Maria de Magdala, apóstola dos apóstolos
Enzo Bianchi

Ressurreição de Cristo. Giotto di Bondone
Maria de Magdala é uma das figuras femininas mais intrigantes para o leitor.
Presente em todos os Evangelhos junto aos outros discípulos de Jesus, mulher da Galileia, é por João particularmente evidenciada como mulher próxima de Jesus e como primeira testemunha da sua ressurreição.
Significativamente, no quarto Evangelho, aparece ao pé da cruz juntamente com a mãe de Jesus, a irmã da mãe, a mulher de Cléofas e o discípulo amado por Jesus. Na hora de Jesus, na hora da elevação do Filho do homem e da sua glorificação, sob a cruz estão presentes os amigos do Senhor, aqueles ligados a Ele por amor e agora chamados a tornarem-se a comunidade de Jesus, na escandalosa ausência dos discípulos, menos um.
Maria de Magdala está lá, sob a cruz, na hora extrema da vida de Jesus, enquanto todos os outros discípulos fugiram, abandonando-o. Precisamente ela e o discípulo amado são as únicas testemunhas da morte de Jesus e da sua ressurreição. Na cruz não diz e não faz nada, mas no terceiro dia após a morte, isto é, no primeiro dia da semana judaica, de manhã cedo, enquanto ainda está escuro, Maria vai ao sepulcro.
Segundo João, trata-se de uma iniciativa pessoal, mas de facto, naquele seu deslocar-se ao túmulo, qual figura típica e exemplar, representa também as outras mulheres que, segundo os Evangelhos sinópticos, tinham ido com ela. É por isso que diz, no plural: «Não sabemos onde O puseram».
Porque é que Maria, passado o sábado, logo que possível, vai ao túmulo?
O quarto Evangelho não nos fornece o motivo: não vai para ungir o cadáver de Jesus nem para observar a tumba, mas de modo totalmente gratuito. Podemos apenas dizer que nela há um desejo de estar próxima do corpo morto de Jesus: aquele que Maria amou está morto, agora o seu corpo está lá, no túmulo, e Maria quer, simplesmente, estar próximo d’Ele.
Está como que torturada pela «ardente intimidade da ausência» cantada por Rainer Maria Rilke.
Junto à tumba, vê a pedra removida e então corre, vai até Pedro e o discípulo amado, e diz-lhes: «Tiraram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde O puseram». Ao ouvir isto, os dois discípulos correram imediatamente para o sepulcro, e naquela corrida há uma verdadeira e própria concorrência: o discípulo amado é mais rápido e chega primeiro, depois chega também Pedro, que entra, vê os panos de linho que jazem por terra e o sudário enrolado de modo habitual. Pedro está na aportia, enquanto o discípulo amado, entrado depois dele no sepulcro, «viu e começou a crer».
Enquanto em torno a Maria acontece tudo isto, ela, como se não desse conta, continuou a chorar e debruçou-se para dentro do sepulcro, «contemplou dois anjos vestidos de branco, sentados onde tinha estado o corpo de Jesus, um à cabeceira e outro aos pés».
Maria não faz muito caso sequer dos dois anjos, que todavia eram uma manifestação divina e deveriam ter suscitado nela o temor.
Não, Maria procura Jesus, o seu Senhor e – poder-se-ia dizer – não sabe o que fazem ali os anjos.
Os anjos luminosos perguntam a Maria: «Mulher, porque choras?», mas ela continua a afirmar obsessivamente a sua procura de Jesus, que define como «o meu Senhor». Jesus é o Senhor, o “Kýrios” da Igreja, mas é por ela chamado «o meu Senhor». Há qualquer coisa de extraordinário neste amor persistente para além da morte, que induz Maria a procurá-lo, a sofrer pelo seu não saber onde estava o corpo morto…
O choro testemunha a sua dor tornada eloquente por todo o corpo: é a Madalena, com todo o seu ser, corpo, mente e coração, que procura o corpo de Jesus, o corpo do amado. A Maria não bastam nem a recordação, nem as suas palavras, nem o sepulcro que é um memorial: quer estar junto ao corpo de Jesus. Procura amorosa, fiel, perseverante, que custa a aceitar a realidade do fim de uma relação, porque para ela Jesus significava tudo.

Ícone de Santa Maria Madalena
Maria, mãe de Jesus, certamente vivia para Jesus.
Maria de Magdala, por seu lado, vivia graças a Jesus. A ela foi dado fazer essa experiência que alguns na própria vida fazem por graça extraordinária: voltar, graças a alguém, da sombra da morte, do não sentido, do ser presa do nada, a uma vida que conhece o ser-se amado e o amar.
(…)
Entre as lágrimas, Maria responde aos dois anjos que a interrogaram sobre o seu pranto: «”Levaram o meu Senhor e não sei onde O puseram.” (….)
Na sua dor, volta-se para trás, já não olha para a tumba nem para os anjos, mas entrevê um homem, que lhe põe a mesma pergunta: «Mulher, porque choras?». Como Jesus chora por Lázaro morto, assim Maria chora por Jesus morto. Chora por amor e por dor do amor, e não os seus pecados.
Maria é a única que chora por Jesus! É só Pedro o ícone evangélico que chora os seus pecados, a sua horrível vileza, o seu amor breve como o orvalho da manhã. Pedro não chora por Jesus mas por si, por ter traído o amigo. Sim, Pedro deveria ser o ícone do arrependimento cristão e Maria Madalena ícone do amor por Jesus!
Maria, pensando que aquele que tem agora diante de si era o jardineiro, o guarda daquele jardim em que Jesus tinha sido sepultado por José de Arimateia e Nicodemos, responde-lhe: «Senhor, se foste Tu que o tiraste, diz-me onde o puseste, que eu vou buscá-lo». Mas aquele homem, que é Jesus, pergunta-lhe também: «Quem procuras?», pergunta análoga à que Ele colocou aos dois discípulos do Baptista: «Que procurais?» (as suas primeiras palavras no quarto Evangelho!). Nesta interrogação há qualquer coisa que para Maria não é novo, porque é a pergunta essencial que Jesus colocava a quem quisesse tornar-se seu discípulo: procurar é a condição específica do discípulo.
Naquele momento, Jesus, com o seu rosto contra o rosto de Maria, diz-lhe: «Maríam!», chama-a pelo nome, e imediatamente ela, diante de Jesus glorificado, está pronta a reconhecê-lo e a dizer-lhe: «Rabbunì, meu mestre». Quantas vezes aconteceu aquele diálogo entre ela e Jesus: ela, a ovelha perdida mas reencontrada por Jesus, chamada pelo nome, reconhece a voz do pastor. «Maria!», um novo chamamento, e, logo a seguir, uma ordem: «Não me toques», isto é, afasta as tuas mãos de mim, porque já não há possibilidade de encontro entre corpos como antes, estando agora o corpo de Jesus ressuscitado no seio do Pai.
Maria, que podia dizer que esteve entre aqueles que «tinham ouvido, visto com os seus olhos, contemplado e tocado com as suas mãos a Palavra da vida», agora deve acreditar e amar Jesus de modo outro: o seu amor não morre, não será menor, mas outro é o modo em que agora Maria deve amar Jesus. Estava voltada para o seu passado, mas agora, chamada por Jesus, volta-se para Ele, o Ressuscitado, sem mais nostalgia do tempo anterior ao seu êxodo deste mundo para o Pai.
Esta página joanina é muito “afectiva”, no sentido em que está cheia de sentimentos e, como tal, inspira também a nossa imaginação no pensar a relação de amor com o Senhor Jesus. (…) Maria de Magdala é mulher do desejo, um desejo de tal maneira forte e tenaz que consente só a ela, que permaneceu no sepulcro para procurar Jesus, poder vê-Lo. Mas o que em particular quero evidenciar é o facto de esta procura, esta perseverança, esta individuação da presença do corpo serem traços tipicamente femininos, essenciais na amizade entre homens e mulheres.
(…)
Naquele encontro com o Ressuscitado, Maria de Magdala é logo tornada apóstola, enviada aos discípulos, aos irmãos de Jesus, para lhes levar o anúncio pascal. E ela, em plena obediência, declara: «Vi o Senhor», e refere o que Ele lhe disse. Sim, na origem da fé pascal está antes de tudo Maria de Magdala (e as mulheres discípulas por ela representadas), uma mulher que acreditou no Senhor Jesus e o amou.
Infelizmente, porém, Maria conheceu no Ocidente uma triste mas não estranha vicissitude e foi submetida a um conjunto de equívocos: tornou-se também a pecadora, a prostituta de Lucas, também Maria de Betânia, e foi pintada no ato de chorar os seus pecados, que nenhum Evangelho alguma vez mencionou.
Com efeito, que Jesus lhe tivesse expulsado sete demónios (cf. Marcos 16,9; Lucas 8,2) indica só o ter sido libertada de uma grave situação de doença (sete é um número que indica plenitude, e por isso doença grave), não dos seus pecados.
15O encontro com Jesus tinha significado para ela cura, libertação dessas forças opressoras, renascimento e possibilidade de uma vida nova, razoável: de mulher “morta” como estava, foi reerguida e reconduzida por Jesus à vida plena, aquela na qual se vivem afectos, relações, amor, comunhão, alegria, a par da fadiga do duro mester de viver.