A página da Paróquia de São Francisco Xavier vai apresentar diariamente textos para reflexão neste período conturbado da pandemia.
O texto de hoje é de Taizé.

Em Deus um lugar para a diferença

Taizé

O corpo é a pessoa na sua história pessoal. Animada pela fé em Cristo ressuscitado, que na Ascensão entrou para sempre em Deus com o seu corpo de glória (a vida humana não foi para ele um parêntesis), os primeiros cristãos foram levados a compreender que em Deus é acolhida a história de cada um: há lugar para o mais pessoal, para o que cada ser humano tem de único, para tudo o que é compatível com o amor. Esta fé diz que a vida de eternidade com Deus não deita fora o que é humano.

A mais completa união com Deus que se possa imaginar não se consegue perdendo a diferença. Se Deus chama cada um pelo seu nome, então na vida com ele também o podemos fazer. Voltaremos a encontrar aqueles que amámos. Alimentado pela fé dos primeiros cristãos, Dostoïevski podia escrever no fim dos Irmãos Karamazov: «Ressuscitaremos e voltaremos a ver-nos, contaremos uns aos outros com alegria o que aconteceu.» Recusar a ressurreição do corpo seria desfigurar o Deus do Evangelho e o seu projecto para a humanidade, pois esse Deus não só tolera a diferença como até a deseja, promove-a e dá-lhe um futuro.

Ireneu estava convencido disso tudo: «Como podem pretender que a carne é incapaz de receber o dom de Deus que consiste na vida eterna, quando ela é alimentada pelo sangue e corpo de Cristo?» (Ver AH Livro IV, 18,4.) Pela Eucaristia, a vida do Ressuscitado não toca só o nosso espírito, não entra só em nós pelos ouvidos como uma ideia. É verdadeiramente o nosso corpo que esse alimento atinge. Ireneu sublinhava que os cristãos proclamavam «de uma forma harmoniosa a comunhão e a união da carne e do Espírito.

Pois, tal como o pão que vem da terra, depois de ter recebido a invocação de Deus, deixa de ser pão comum, mas sim Eucaristia, constituída por duas coisas, uma terrestre e a outra celestial, da mesma forma os nossos corpos que participam na Eucaristia deixam de ser corruptíveis, visto que têm a esperança da ressurreição» (AH, Livro IV, 18,5).

Discernir a vocação do mundo criado
A participação na Eucaristia torna-se assim uma maneira de proclamar que o mundo tem um sentido. O crente vê nela a vocação de toda a criação que não é um destino de morte, mas de transformação, pois a Eucaristia canta a vitória da vida. É verdade que se passa pela morte: é aí que acontecerá a transformação. Mas o germe foi semeado no cristão, germe que um antecessor de Ireneu, Inácio de Antioquia, ao referir-se à Eucaristia, tinha chamado «Um remédio de imortalidade».

Receber o corpo eucarístico de Cristo, a sua vida de Ressuscitado, é deixar-se acolher nesse espaço onde a morte já não existe e onde o Espírito sugere «o que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, o coração do homem não pressentiu, isso Deus preparou para aqueles que o amam» (1 Coríntios 2,9).

Eucaristia e responsabilidade social
Sem estar totalmente ausente em Ireneu, um outro aspecto da Eucaristia será abundantemente comentado pelos Padres dos séculos III e IV: celebrar a Eucaristia é tomar consciência da nossa responsabilidade social. Se nos tornamos no Corpo de Cristo ao participar na Eucaristia, se somos realmente membros uns dos outros, então já não nos podemos comportar como se não nos preocupássemos com aqueles que têm necessidades.

Assim, com os primeiros cristãos, nasce a tradição de ir à Eucaristia levando uma oferta para os pobres (aquilo que hoje é o ofertório), de tal modo é verdadeiro que no cristianismo toda a verdadeira mística leva à acção.