A página da Paróquia de São Francisco Xavier vai apresentar diariamente textos para reflexão neste período conturbado da pandemia.
O texto de hoje é de Marina Corradi.

Os dias que nos esperam

Marina Corradi , In Avvenire

«Nestes dias de prova, quando a Humanidade estremece pela ameaça da pandemia, gostaria de propor a todos os cristãos a unirem as suas vozes para o Céu.» É de uma absoluta simplicidade o primeiro gesto proposto por Francisco para os próximos dias, marcados pela multiplicação dos contágios e dos mortos numa pandemia que nunca imaginámos, no início do terceiro milénio. O papa convidou os cristãos de todas as confissões a recitar o Pai-nosso, a 25 de Março, dia da Anunciação.

Hoje, não poucos baptizados têm dificuldade em saber que dia é esse. Ou talvez o saibam da história da arte, que com Giotto, Beato Angélico, Leonardo e centenas de outros representaram durante séculos a mesma cena: um anjo que pousa os pés em Nazaré, na Galileia, no pátio onde a adolescente Maria se ocupa da sua actividade. Talvez a interpretação mais próxima da sensibilidade contemporânea seja a simplicidade da Anunciação na cela 3 do Beato Angélico, no convento de São Marcos, em Florença.

Nela, entre as paredes nuas, um anjo de maravilhosas asas, está diante de Maria, já curvada, sobre si mesma, atónita: como se já tivesse percepcionado a incarnação daquele filho em si. Jovem mãe e jovem anjo, ambos inclinados e absortos pela vontade do Criador, levada pelo mensageiro, acolhida por uma rapariguinha. Há, nesta Anunciação despojada, a estupefacção de quem reflecte na saudação – «ave, cheia de graça…» – e no anúncio: «Conceberás um filho, dá-l’Oo-ás à luz, e chamá-l’O-ás Jesus».

Há a vertigem do instante em que Maria medita, e o mundo inteiro está imóvel, suspenso pelas suas palavras, até que ela, com a voz fresca dos seus quinze anos, pronuncia o sim, o “fiat”, que transforma a história. Este é o momento do ano escolhido por Francisco para que os cristãos digam juntos a primeira oração aprendida em crianças, para pedir que a doença se detenha. Como se fazia nos tempos da peste, e como não se pensaria que voltaria a repetir no tempo em que os seres humanos conhecem o genoma e clonam a vida em laboratório.

Mas desta vez a natureza ergueu-se com a sua força desmedida, e não se consegue conter. Morrem sobretudo os idosos, mas estremecem também as pessoas na força da vida, perguntando-se, e talvez como nunca antes: e se for para amanhã? E nesta perspectiva sem precedentes, vendo revirar a sua vida, da qual se sentiam donos.

A oração pedida pelo papa não é, todavia, um severo “mea culpa”, mas um primeiro acto filial: apenas um Pai-nosso (o “mea culpa” vem depois, é quando nos sentimos filhos amados que começamos o olharmo-nos em nós mesmos. A abrir os olhos, como o cego curado no Evangelho de João, capítulo nono, que Francisco nos diz para relermos esta semana). Um Pai-nosso, como muitos não o dizem desde que eram crianças. A 25 de Março, exactamente nove meses antes do Natal: nove meses, como a gravidez das mães dos seres humanos. Neste dia próximo do equinócio da primavera, quando a natureza revive depois do frio.

O segundo gesto anunciado por Francisco para estes angustiosos dias de Março é dia 27, sexta-feira de Quaresma, às 18h00 (17h00): «Escutaremos a Palavra de Deus, elevaremos a nossa súplica, adoraremos o Santíssimo Sacramento, com o qual, no fim, darei a bênção Urbi et Orbi, a que será ligada a possibilidade de receber a indulgência plenária».

Tudo isto na Praça de São Pedro completamente vazia. Como vazias estarão as nossas igrejas, na semana de Páscoa. Podermos viver só à distância a missa da Última Ceia, a via-sacra, a vigília pascal que desagua no rejubiloso explodir dos sinos, ao anúncio da ressurreição.

Mas talvez não sejam precisos outros passos na via-sacra deste ano: basta pensar nas enfermarias de certos hospitais de Itália ou de Madrid, nas colunas de camionetas repletas de caixões em Bérgamo, nos idosos ceifados sem poder saudar os filhos, nos hospitais e nas unidades de cuidados intensivos. A “via crucis” do ano 2020 habita na carne dos nossos velhos, dos doentes de todas as idades, muito mais dolorosa do que qualquer representação.

Que esta dolorosa Quaresma do Pai-nosso reencontrado – talvez balbuciado a custo, buscando na memória – seja também profundamente Páscoa. Certeza de que não vivemos para nada, e não morremos sós. Certeza viva de ressurreição.