Que saiam os vendedores, entrem os pobres
Ermes Ronchi, in Avvenire

Enoch Wood Perry, Oração matinal
Em todo o mundo os católicos celebram a 09 de Novembro a dedicação da catedral de Roma, S. João de Latrão, como se fosse a sua igreja, raiz de comunhão de um canto ao outro da Terra. Não celebramos, portanto, um templo de pedras, mas a grande casa de um Deus que para sua morada escolheu o vento livre, e fez do homem a sua casa, e da Terra inteira a sua igreja.
No Evangelho, Jesus com um chicote na mão. O Jesus que não esperas, o corajoso cujo falar é sim, sim, não, não. O mestre apaixonado que usa gestos e palavras com combativa ternura. Jesus nunca passivo, nunca desafecto, não se resigna às coisas como estão: Ele quer mudar a fé, e com a fé mudar o mundo. E fá-lo com gestos proféticos, não com uma boa vontade genérica.
Uma hora depois, provavelmente, os vendedores, recuperadas as pombas e as moedas, teriam reocupado os seus lugares. Tudo como antes, então? Não, o gesto de Jesus chegou até nós, profecia que sacode os vigilantes dos templos, e também a mim, do risco de tornar a fé num mercado.
Jesus persegue os vendedores porque a fé tornou-se dinheiro, Deus tornou-se objecto de compra e venda. Os astutos usam-no para ganharem, os piedosos e devotos para se perdoarem: eu dou-Te oração, Tu, em troca, dás-me graças; eu dou-Te sacrifícios, Tu dás-me salvação.
Persegue os animais das ofertas antecipando a revolução de fundo que trará com a cruz: Deus não nos pede mais sacrifícios, mas sacrifica-Se a Si próprio por nós. Não pretende nada, dá tudo.
Fora com os mercadores, então. A Igreja tornar-se-á bela e santa não ao acrescentar património e meios económicos, mas se cumprir as duas acções de Jesus no átrio do templo: expulsar os vendedores, deixar entrar os pobres.
Ele falava do templo do seu corpo. O templo do corpo… templo de Deus somos nós, é a carne do homem. Tudo o resto é decorativo. Templo santo de Deus é o povo, diante do qual «devemos descalçar os sapatos», como Moisés diante da sarça ardente, «porque é terra santa», morada de Deus.
Dos nossos templos magnificentes não restará pedra sobre pedra, mas nós permaneceremos, casa de Deus para sempre. Há graça, presença de Deus em cada ser. Passamos, então, da graça dos muros à graça dos rostos, à santidade dos rostos.
Se pudéssemos começar a caminhar na vida, nas ruas da nossa cidade, dentro da nossa casa e, delicadamente, na vida dos outros, com veneração pela vida de Deus que neles habita, tirando os sapatos como Moisés diante da sarça, então entenderíamos que estamos a caminhar dentro de uma única, imensa catedral. Que todo o mundo é céu, céu de um só Deus.