Muito boa noite a todos, os que me aceitam durante alguns minutos em suas casas, nesta consoada de Natal de 2019, para partilhar convosco algo que está, certamente, no coração de todos, com mais ou menos clareza: um dia bonito, uma noite muito especial, as famílias reúnem-se, os amigos reencontram-se, oferecem-se presentes, as ruas, em muitos lados, estão iluminadas…
Tanta festa que faz com que este dia, e sempre seja assim, seja realmente especial.
Corre o risco de nos despistar um pouco, com tanta realidade exterior, com tanta luz de fora, daquilo que é o seu essencial: porque é que existe Natal? Natal significa “nascimento”. E não é um nascimento qualquer, é o nascimento de Cristo, há dois milénios, em Belém de Judá, e é esse o acontecimento que nós, realmente, estamos a celebrar, para sermos autênticos e para termos todo o fruto e proveito para as nossas vidas, das nossas famílias e da nossa sociedade inteira.
O Papa Francisco ofereceu-nos um presente, no princípio deste mês de dezembro, que foi uma carta sobre o Presépio [1].
É um documento muito original – porque não é vulgar, em documentos pontifícios, esta acentuação –, mas muito sugestivo naquilo que nos diz. Ele diz que nós devemos retomar esta tradição do Presépio. A palavra “Presépio”, como nós sabemos, é uma palavra latina e que traduz a palavra “manjedoura”, porque quando Jesus nasceu foi numa manjedoura, também.
O Papa Francisco relembra que esta tradição de fazer Presépios, retomando aquele contorno em que Jesus nasceu, remonta há 800 anos atrás, quando São Francisco de Assis o quis fazer numa gruta de Greccio, em Itália, retomando – tanto quanto pôde – o essencial daquilo que tinha acontecido em Belém: a gruta, os animais, aquela pobreza em que Jesus apareceu. E, a partir daí, esta tradição dos presépios foi-se desenvolvendo, um pouco por todo o lado.
O Papa não refere Portugal, mas nós podemos referir porque todos temos estas imagens bem presentes, dos nossos grandes barristas e autores de presépios do século XVIII, que, à volta da gruta de Belém, à volta do Menino, da sua Mãe, do seu Pai adotivo, dos pastores, vão reunindo muitas outras personagens que representam um pouco toda a vida, desde as coisas mais comuns, os alimentos que se procuram, o gado que se guarda, as várias profissões e ofícios…
O Papa relembra que, à volta do Presépio, toda a vida pode e deve encontrar-se nas suas mais diversas manifestações. Depois, o Papa particulariza e diz que a natureza está presente, naquela noite iluminada, naqueles pastores que vêm com os seus gados, com tudo aquilo que vai contornando os nossos presépios… É a natureza! E a natureza precisa de se reencontrar, como nós sabemos, com toda esta premência ecológica.
O Papa recorda também aqueles que vêm ao Presépio. Antes de mais, os pastores: gente simples que vivia do essencial e que também, nesse sentido, nos tem uma lição a dar para vivermos aquilo que realmente importa, embora importe a todos. Depois, vai relembrando as outras personagens: a Sagrada Família, o próprio Jesus, Maria, José. Maria que acolhe aquele Menino e que O mostra – e isto é uma realidade que, para nós, cristãos, é muito presente, como está nos Evangelhos –, e que acompanha o percurso do seu Filho e a todos encaminha em direção a Ele. Depois, recorda José e o seu papel de guardião daquilo que acontecia com Maria e com o Menino, não só em Belém, mas ao longo da sua vida, do seu crescimento em Nazaré da Galileia.
E também os Magos, gente que vem de longe, gente que procura, gente que encontra, finalmente, e quando encontra, oferece, oferece aquilo que trazia porque encontrou o mais importante: Jesus.
Todas estas realidades – diz o Papa – nos devem levar a entrar também no Presépio, para que esses sentimentos que essas personagens representavam, sejam também os nossos sentimentos, no acolhimento de um Deus que nasce na maior das simplicidades, identificando-se com tudo quanto é simples e frágil e que aí mesmo nos espera, com todos aqueles que guardam esta realidade, como Maria, como José, com todos aqueles que acorrem ao essencial, como os pastores, com todos aqueles que procuram, de longe, e finalmente encontram.
Esta é que é a realidade do Natal, porque Natal quer dizer “nascimento”, nascimento de Deus no mundo como na tradição cristã se apresenta e que, hoje, é tão importante apresentar assim. Ou seja, na fragilidade das coisas, na ocorrência normal das vidas, mas tudo concentrado em torno do essencial.
Quando se fala em presentes, o mais importante é que cada um de nós também se torne presente onde precisamos de estar. Porque, por vezes, oferecem-se presentes de fora para, de alguma maneira, colmatar – mas sem o conseguir – a falta de presença real junto dos outros e daquelas realidades que nos esperam. Que a lição do Presépio seja a nossa verdade e, na alegria desta noite, seja também a reconstrução do mundo.
Um Santo e Feliz Natal para todos!
† MANUEL, Cardeal-Patriarca
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