Domingo XXVI do Tempo Comum (PDF)     TEXTO

O dinheiro pode muito bem tornar-se um ídolo, tornar-se um fim em si mesmo, deixando de ser um meio.

Qual é a doença mais profunda do rico? É a que o papa Francisco definiu de mundanidade: a atitude de quem «está só com o próprio egoísmo, e portanto é incapaz de ver a realidade».

Esta parábola sacode-nos sobretudo a nós que vivemos na abundância de uma sociedade opulenta, que sabe esconder tão bem os pobres, ao ponto de já não se dar conta da sua presença.

Enzo Bianchi, In Monastero di Bose

Não devemos aguardar acontecimentos
prodigiosos para nos convertermos

Papa Francisco, 18 de Maio de 2016 (resumido)

Meister des Codex Aureus Eptarnecensis

O portão da casa do rico está sempre fechado ao pobre. O rico veste-se com roupas de luxo, enquanto Lázaro está coberto de chagas; cada dia o rico dá banquetes requintados, enquanto Lázaro morre de fome. Lázaro representa bem o grito silencioso dos pobres de todos os tempos e a contradição de um mundo em que riquezas e recursos imensos se encontram nas mãos de poucos.

Os pobres e os ricos morrem, têm o mesmo destino, como todos nós, para isto não há excepção. E então aquele homem dirigiu-se a Abraão sem, durante a vida, demonstrar consideração alguma por Deus, ao contrário, fez de si mesmo o centro de tudo.
Ignorar o pobre significa desprezar a Deus!

Há um pormenor na parábola que deve ser observado: o rico não tem nome, mas somente um adjectivo: enquanto o nome do pobre é repetido cinco vezes, e «Lázaro» quer dizer «Deus ajuda». Lázaro, que jaz diante da porta, é uma evocação viva de Deus, mas o rico não aceita tal evocação. Portanto, será condenado não pelas suas riquezas, mas por ter sido incapaz de sentir compaixão por Lázaro e de o socorrer.

No além, a situação inverteu-se. Agora, o rico reconhece Lázaro e pede-lhe ajuda, mas quando vivia fingia que não o via. Quantas vezes tantas pessoas fingem que não vêem os pobres! Para elas, os pobres não existem.

O próprio Abraão oferece a chave de toda a narração: explica que bens e males foram distribuídos de modo a compensar a injustiça terrena, e a porta que durante a vida separava o rico do pobre transformou-se num «grande abismo». Enquanto Lázaro jazia diante da sua casa, para o rico havia a possibilidade de salvação, de abrir a porta de par em par e de ajudar Lázaro, mas agora que ambos faleceram, a situação tornou-se irreparável. Deus nunca é directamente interpelado, mas a parábola alerta de maneira clara: a misericórdia de Deus por nós está vinculada à nossa misericórdia pelo próximo; quando esta falta, também aquela não encontra espaço no nosso coração fechado, não pode entrar. Se eu não escancarar a porta do meu coração ao pobre, aquela porta permanece fechada. Inclusive para Deus.

Para nos convertermos, não devemos aguardar acontecimentos prodigiosos, mas abrir o nosso coração à Palavra de Deus, que nos chama a amar a Deus e ao próximo. A Palavra de Deus pode fazer renascer um coração que se tornou insensível e curá-lo da sua cegueira.

Nenhum mensageiro nem mensagem alguma poderão substituir os pobres que encontramos no caminho, porque neles é o próprio Jesus que vem ao nosso encontro. Assim, na inversão dos destinos que a parábola descreve está escondido o mistério da nossa salvação, na qual Cristo une a pobreza à misericórdia.