Domingo XIII do Tempo Comum (PDF)     TEXTO

A Folha Informativa vai de férias! Regressa em Setembro.

 

Silva Porto, Recanto de praia

 

Que esta época estival, apesar de todas as medidas de segurança relacionadas com as ameaças de contágio do coronavírus, seja um sereno tempo para repousar, apreciar a beleza da Criação e reforçar os laços com os homens e com Deus.

Papa Francisco, 2020

 

 

 

Linhas e entrelinhas

Pe. Borges, Junho 2020

Claude Monet, Mulher a ler

Habitamos o mistério e o mistério habita-nos.
Conseguimos vislumbrar uma parte e percebemos que há tanto para descobrir, para aprofundar e para admirar.
Já demos tantos passos, muitos deles improváveis noutras etapas da vida.

Aprendemos que só conheceremos o próprio caminho se continuarmos a caminhada.
Desvelar por onde o Amor nos quer levar é tarefa de fé e de esperança.
Sempre a pedalar, sempre a progredir por trilhos que nem imaginávamos existir.

Só temos de acreditar e aspirar às coisas do alto, e não aos emaranhados da terra (Col 3, 1-2).
E porque somos naturais, sabemos que para avançar com mais qualidade importa dar tempo ao repouso, ao descanso, à reflexão.

O caminho interior é tão ou mais importante que a azáfama do servir.
O tempero interior dá um sabor mais apurado ao exterior.
Obrigado, Senhor,
pelas linhas que escreves com as nossas vidas.

Obrigado, Senhor,
pelos conteúdos das entrelinhas
que alimentam o nosso viver.

Obrigado, Senhor,
pelas maravilhas que nos permites contemplar
dos trilhos em que nos lanças.

Obrigado, Senhor,
pelo tempo que também dá para descansar
sem parar.

Obrigado, Senhor,
pela oportunidade de mergulhar
no Teu e nosso mistério.

 

Que rosto da Igreja após a pandemia?

Cardeal José Tolentino Mendonça

 

Se tivéssemos de escolher um dia do Tríduo Pascal para contar o que está a acontecer, diríamos que é Sexta-feira Santa.

Porque nesse dia entramos numa igreja e apanhamos um baque. Não conhecemos nada. O sacrário está vazio, a porta aberta; as cruzes todas tapadas; o altar nu. E é esse tempo de esvaziamento que estamos a viver. Mas não há Domingo da Ressurreição sem passar pela Sexta-feira Santa e por aquilo que ela significa: o silêncio, o abandono, a capacidade de mergulhar fundo, de mergulhar existencialmente até ao fim. E isso, para nós, cristãos, coloca-nos muitas questões.

Muitas vezes, o nosso cristianismo é muito de superfície. E a Sexta-feira Santa fala-nos de um cristianismo que dói, de um cristianismo trágico, de um cristianismo que nos desnuda, que nos cinde, que nos divide, que nos derrota, que nos faz prostrar. E é um pouco essa experiência radical que nós fazemos.

Espiritualmente, é um tempo exigente, mas intensíssimo. É, verdadeiramente, um tempo de Deus, porque a saudade de Deus é um banho, um mergulho no oceano de Deus. E poder viver do desejo de Deus é algo que, possivelmente, muitos cristãos não tinham experimentado. Porquê? Porque era tudo fácil. E, muitas vezes, as práticas rituais tornam-se expressão de um consumo, porque tudo nos é dado.

Num tempo de privação, cresce o desejo, e o desejo é o princípio da Páscoa. Porque, na quinta-feira [última ceia, instituição da Eucaristia, véspera da morte], Jesus disse: desejei ardentemente comer esta Páscoa convosco. No fundo, é este desejo ardente que, espiritualmente, também estamos a construir.
Penso que estamos a descobrir a comunidade.

Há uma história bonita da antropóloga Margaret Mead, um aluno perguntou-lhe qual era o elemento mais antigo de civilização; e todos pensaram que ela ia falar dos instrumentos de caça ou de pesca, ou então dos artefactos de barro, de cozinha dos povos primeiros. E ela, surpreendendo todos, disse: para mim, o primeiro elemento de civilização é um fémur partido e restaurado; porque, para isso ter acontecido, quer dizer que uma pessoa não foi deixada sozinha para trás, que alguém ficou ao seu lado, que alguém garantiu naquela hora de vulnerabilidade o tempo necessário para ela se curar. Por isso, no princípio, está a comunidade. E a comunidade descobrimo-la não na força, mas na vulnerabilidade.

Esta hora, em que parece que as igrejas só podem existir a meio-gás, com pouca gente, tantas limitações, tanto sofrimento, em que à pergunta sobre o que vai acontecer, qual será o futuro da Igreja, das comunidades, respondemos que a comunidade tem a origem quando fica junta na fragilidade. No princípio é a comunidade, mas uma comunidade capaz de abraçar a sua própria vulnerabilidade.

Que modelo eclesiológico [de Igreja] vai sair daqui? Sem dúvida um modelo capaz de ser mais atento e integrador da fragilidade. Entender melhor a fragilidade e a vulnerabilidade, e aprender a força de uma espiritualidade que se vive na simplicidade, na redução e na kénosis [esvaziamento]. Se um cristão, durante três meses, só pôde comungar espiritualmente, sem dúvida que ele fez um caminho espiritual que depois vai ser muito importante no resto da sua vida.

Não considero que se deva dizer que as igrejas estão [estiveram] fechadas, porque cada família é uma igreja doméstica. Por isso, há uma igreja-templo que está [esteve] fechada, mas milhares de igrejas nas nossas cidades, nos nossos lugares, estão abertas. E isso é um chamamento para redescobrir a força dessa igreja-âncora, dessa igreja primeira, que é a oíkia, que é a casa. Antes de ser templo, a Igreja foi casa. Jesus saiu do templo [judaico] e entrou na casa. E aí começou a experiência cristã.

Eu tenho muitas famílias amigas que me dizem: vamos ter saudades da pandemia. Ora, esse capital de alegria, esse capital de vida comum, esse capital de vida reencontrada – com as suas tensões, as suas incertezas –, essa beleza de se ter redescoberto juntos é uma grande força para a própria Igreja. Por isso, penso que temos de vencer o medo e tornar esta hora uma hora de esperança.

 

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