Domingo de Pentecostes (PDF) TEXTO
O Espírito Santo ensina
Ajuda-nos a superar um obstáculo que se apresenta na experiência da fé: a distância.
Pode surgir a dúvida de que entre o Evangelho e a vida quotidiana exista uma grande distância: Jesus viveu há dois mil anos, foram outros tempos e por isso o Evangelho parece ultrapassado, parece inadequado para falar aos nossos dias com as suas necessidades e problemas.
O que pode o Evangelho dizer na era da internet e na época da globalização? Fazendo-nos recordar, trazendo o Evangelho de volta ao nosso coração.
O Espírito muda a nossa vida: Ele faz com que os pensamentos de Jesus se tornem os nossos pensamentos. Tenhamos o cuidado de não nos tornarmos cristãos esquecidos. O remédio é invocar o Espírito Santo.
Façamo-lo com frequência, especialmente em momentos importantes, antes de decisões difíceis e nas situações complicadas.
Papa Francisco, 2022
Ascensão: Tão longe e tão próximo
Santa Hildegarda de Bingen, Livro das obras divinas, cap. 6
Santa Hildegarda apresenta uma visão na qual o vício e a virtude respondem um ao outro:
A tristeza: «Ai de mim, para que fui criada, porque existo? Quem me ajudará? Se Deus me conhecesse, eu não correria tantos perigos. Confiei em Deus, mas Ele não me deu a felicidade. Rejubilo n’Ele, mas Ele não afasta de nós a dor. […] Se é o meu Deus, por que razão me priva da sua graça? Se me desse algum bem, eu saberia. Ora, não sei o que sou. Criada na dor, nascida na dor, vivo sem consolações. Ah, para que serve uma vida sem alegria?».
A alegria celestial: «Deus criou o homem cheio de luz. […] Considera a prosperidade que Deus deu ao homem! Quem te dá o que tens, senão Deus? Quando tens a salvação ao teu dispor, dizes que é uma maldição, e quando as coisas te correm bem, que tudo corre mal. Eu louvo todas as obras de Deus, que para ti são uma fonte de dor. Ao passo que tu és triste em tudo quanto fazes, eu confio todos os meus actos a Deus, porque há alegria numa tristeza reduzida, e não há vantagem numa alegria reduzida […]».
Sem o sopro espiritual, todas as forças vivas secam. Uma alma triste recebe tudo com tristeza e em nada deseja encontrar alegria: não recorda um amigo com alegria, não acalma um inimigo, mas esconde-se no buraco da dor com medo de quem passa. Está como que morta, porque não aspira ao Céu.
A oração, fonte de toda a felicidade
São João-Maria Vianney
Não, meus irmãos, não há coisa mais consoladora para nós que as promessas que Jesus Cristo nos faz no Evangelho, dizendo-nos que tudo aquilo que pedirmos ao Pai em seu nome, Ele no-lo dará.
Não contente com isso, meus irmãos, não só nos permite que Lhe peçamos aquilo que desejamos; vai a ponto de no-lo ordenar, pois dizia aos seus apóstolos: «Até agora não pedistes nada em meu nome: pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja completa». Isto mostra-nos que a oração é a fonte de todos os bens e de toda a felicidade que podemos esperar neste mundo.
Tendo isto em conta, meus irmãos, se somos pobres e desprovidos das luzes e dos bens da graça, é porque não rezamos ou rezamos mal. […] Não fiquemos espantados com o facto de o demónio fazer tudo o que pode para nos levar a deixar de rezar ou a rezar mal; ele compreende bem melhor que nós como o inferno teme a oração, e que é impossível Deus recusar-nos aquilo que Lhe pedimos na oração. Quantos pecadores deixariam o pecado se tivessem a felicidade de recorrer à oração! […]
Uma oração bem feita é como um bálsamo que se expande na nossa alma, parecendo fazê-la sentir desde já a felicidade de que os bem-aventurados gozam no Céu.
Pentecostes
Tolentino Mendonça
É duro e belo o que vem descrito pelo Evangelho de João a propósito da cena do Pentecostes. Os apóstolos estão acossados, de portas fechadas, afundados na própria incerteza, por medo do que lhes possa acontecer. E o Ressuscitado aparece, atravessando o medo deles, perfurando esse espesso medo para lhes dizer: “A paz esteja convosco.”
Nesse momento, mostra-lhes as feridas provocadas pela cruz e sopra sobre eles. Este sopro deve ser lido como uma citação do momento da criação, quando Deus amassa o homem da fadiga do barro, da fragilidade da terra, e lhe insufla as narinas para que o homem se possa tornar um vivente sobre este mundo, com tudo o que isso significa.
Sentimos que há uma materialidade na vida, no corpo que somos, na forma da nossa existência sobre este mundo. Mas, ao mesmo tempo, compreendemos que não somos só isso: somos também um sopro vital, um hálito, um mistério que excede as explicações fornecidas pela pura matéria. Somos também espírito. E é esta associação de planos que faz o milagre espantoso que é a vida. Ora, o sopro vital não é apenas o oxigénio de que precisamos para existir neste instante. O sopro vital é o Espírito Santo.
No relato evangélico, Jesus toma a fadiga da nossa existência, a nossa interminável fragilidade e investe nela um novo motor de sentido: o sopro do Espírito Santo. E isso é duro e belo, dizia. Belo, porque se trata de um verdadeiro renascimento. Duro, por que o Espírito Santo é concedido aos discípulos numa estação particularmente sofrida do seu caminho.
É a mulheres e homens feridos por lutos, sofrimentos, insuficiências e dúvidas que a plenitude do Espírito é dada. De facto, Jesus não suspende neles a vulnerabilidade, a precariedade ou o medo. Potencia, sim, uma capacidade de entender e de viver tudo de outra forma. A grande transformação do Pentecostes é, assim, a oferta de um surpreendente horizonte de compreensão, uma abertura do olhar, uma reviravolta, uma nova chave de interpretação de nós mesmos e da história. Sem o Espírito Santo vemo-nos apenas pó, apenas barro, somos apenas o que se vê daqui, o que morre aqui, todos os dias, a todas as horas. É o Espírito que nos torna maiores do que somos.
O Espírito Santo, prometido por Jesus, exprime-se numa linguagem universal, para a qual não há os habituais bloqueios de tradução que tanto nos tolhem. Faz-nos falar a linguagem do amor e da compaixão; a linguagem da alegria e da fortaleza; a linguagem da visita, do cuidado e da dádiva.
O Espírito é a expressão de Deus, o seu alfabeto. O Espírito Santo é essa divina criatividade em ato que nos estimula a sermos originais. E que, ao mesmo tempo, conspira para, na nossa diferença, na nossa singularidade irredutível consigamos criar laços de fraternidade e de comunhão. Por isso, cada crente é uma consequência do Espírito Santo, um endereço e uma criação sua.
Por isso, o dia de Pentecostes não foi apenas aquele dia concreto em que o Espírito Santo desceu sobre os Apóstolos, reunidos no cenáculo. Cada dia da nossa vida é um dia de Pentecostes. Em cada dia, o Espírito Santo vem até nós como defensor e não permite que a sombra, a violência ou o temor se sobreponham à esperança, mesmo quando esta nos parece frágil.