Domingo II da Páscoa ou da Divina Misericórdia (PDF)     TEXTO

Sandro Botticelli. Descida do Espírito Santo

A misericórdia abre a porta da mente para compreender melhor o mistério de Deus e da nossa existência pessoal.

É a misericórdia que abre a porta do coração e permite exprimir a proximidade com quantos estão sós e marginalizados, porque os faz sentir irmãos e filhos de um só Pai.

Ela favorece o reconhecimento de quantos precisam de consolação
e faz encontrar palavras adequadas para dar conforto.

A primeira tarefa que Jesus, depois de ressuscitado, transmitiu à Igreja foi a sua própria missão de levar a todos o anúncio concreto do perdão. Esse sinal visível da sua misericórdia leva consigo a paz do coração e a alegria do encontro renovado com o Senhor.

Papa Francisco. 2017

 

 

O Espírito Santo é a respiração de Deus

Ermes Ronchi, In Avvenire

Giotto di Bondone. Descida do Espírito Santo

Estando fechadas as portas da casa por causa do medo dos judeus…

Acontece sempre assim quando se age segundo o medo: a vida fecha-se. O medo paralisa a vida. Os discípulos têm medo até de si próprios, de como O renegaram. E todavia, Jesus vem. É uma comunidade de portas e janelas enclausuradas, onde falta o ar e se respira a dor, uma comunidade que está a adoecer.

E todavia, Jesus vem.
O papa Francisco continua a repetir que uma Igreja fechada, dobrada sobre si mesma, que não se abre, é uma Igreja doente.

E no entanto, Jesus vem. Vem para o meio dos seus, toca os seus medos, os seus limites, sem os temer. Sabe gerir a nossa imperfeição.
Mostrou-lhes as mãos e o lado. E os discípulos rejubilaram ao ver o Senhor.

Jesus disse-lhes de novo: «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós.»
O abandonado regressa e escolhe precisamente aqueles que O tinham abandonado e envia-os. Administra a fragilidade e o cansaço dos seus com um método humaníssimo: o do primeiro passo.

O cardeal Martini dizia aos seus padres: em qualquer situação, mesmo na mais perdida, apontai um passo, um primeiro passo é sempre possível, para todos, um passo na direcção certa.
Não é por não termos atingido o ideal que seremos julgados, mas se tivermos caminhado na boa direcção, sem desistirmos, com quedas e infinitos recomeços, com os olhos fixos numa estrela polar.

Administrar a imperfeição significa isto: iniciar processos de vida e procurar obter o melhor resultado possível a cada dia. Muitos atirar-te-ão à cara a sua ideia de perfeição.
São, além disso, os mais convencidos de que exprimem a verdadeira sabedoria, mas com eles as coisas nunca mudam, na maior parte das vezes os perfeitos são imóveis.

Disto isto, soprou e disse-lhes: recebei o Espírito Santo.
Soprou… O Espírito é a respiração de Deus. Naquela sala fechada, naquela situação sem respiração, asfixiante, agora respira a respiração de Cristo, aquele princípio vital e luminoso, aquela intensidade que o fazia diferente, que fazia único o seu modo de amar e ampliava horizontes.

Àqueles a quem perdoardes o pecados, serão perdoados, àqueles a quem não perdoardes, não serão perdoados.
O perdão dos pecados não é uma missão reservada aos padres, é um compromisso confiado a todos os crentes que receberam o Espírito, homens e mulheres, pequenos e grandes.
O perdão não é um sentimento, mas uma decisão: «Plantai à vossa volta oásis de reconciliação, abri portas, reacendei o entusiasmo, reatai a confiança nas pessoas, criai sistemas de paz.
E quando os oásis se multiplicarem, conquistarão o deserto.

 

O meu Deus é um Deus ferido

Tomáš Halík

Ludovico Mazzolino. A incredulidade de S. Tomé

A fé cristã consiste em estabelecer uma relação constante entre o Evangelho e a nossa vida; consiste na coragem de «entrar nesta história».

Trata-se de tentar redescobrir, de forma sempre nova e mais profunda, o sentido das narrativas bíblicas, com base nas próprias experiências de vida, deixar actuar as possantes e fortes imagens do Evangelho para que elas, gradualmente, iluminem, interpretem e transformem o fluxo da nossa vida pessoal.

Muitos acontecimentos, vivências, ideias e intuições do instante precisam do seu tempo para em nós amadurecerem e darem fruto. (…)

Ninguém pode arrebatar-me a esperança de que «o Deus dos outros» seja, em última instância, também o «meu Deus»; porque o Deus em que acredito é igualmente o Deus daqueles que não conhecem o Nome, com que eu o invoco.

Todavia, de um só fôlego, acrescento e confesso: “para mim”, não há outro caminho, não há outra porta para Ele, excepto aquela que é aberta por uma mão chagada e um coração trespassado. Não posso clamar «“meu”Senhor e “meu” Deus», se não vir a ferida que chega ao coração.

Se «credere» (crer) deriva de «cor dare» (dar o coração), então, devo confessar que o meu coração e a minha fé pertencem apenas ao Deus que pode mostrar as suas chagas. (…)

Tomé era um homem disposto a seguir o seu Mestre até ao fim mais acerbo e difícil. Tomou a sério a cruz, e a notícia sobre a ressurreição afigurou-se-lhe talvez como um «happy-end» demasiado fácil para a história da paixão de Jesus. Talvez por isso se tenha recusado a aderir à alegria dos outros Apóstolos; e quis, por conseguinte, ver as chagas de Jesus.

Quis ver se «a ressurreição» não esvaziava a cruz– só então pôde pronunciar o seu «creio».
Terá, porventura, o «incrédulo Tomé» captado, no fim de contas, o sentido do evento pascal mais profundamente do que os outros?

 

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