Domingo XXVI do Tempo Comum (PDF)  TEXTO

George Pnecz, Parábola dos dois filhos

Lida no contexto do ministério de Jesus, a parábola de hoje dava uma resposta àqueles que O acusavam de acolher os pecadores e os marginais – isto é, aqueles que, de acordo com as “convenções”, disseram não a Deus.

Jesus deixa claro que, na perspectiva de Deus, não interessam as convenções externas, mas a atitude interior.

O que honra a Deus não é o que cumpre ritos externos e que dá “boa impressão” às massas; mas é o que cumpre a vontade de Deus..

DEHONIANOS

 

O caminho da salvação

Mons. José Maria Pereira

Vincent Van Gogh, Trabalhadores na vinha

Jesus, no trecho evangélico, insiste sobre um aspecto importante: sobre a concretude da resposta.
A adesão do homem a Deus é livre, mas deve ser concreta e eficiente.

Não é quem diz “Senhor, Senhor” que entra no Reino dos Céus, mas quem faz a vontade de Deus.
Não quem se contenta com pios sentimentos e veleidades, mas quem arregaça as mangas e traduz em gestos e factos de vida quotidiana a vontade de Deus.
Dos dois filhos da parábola, Jesus diz que prefere aquele que recusa por palavras, mas depois se arrepende e faz aquilo que o pai lhe pediu; prefere a este porque o outro diz sim ao pai, mas depois não faz nada e não vai para a lavoura trabalhar.

Se descuidarmos de procurar com mais diligência consolidar a nossa vocação e eleição (2Pd 1,10), mediante uma contínua conversão do coração, é contra nós que se dirige a Palavra de Jesus: Os publicanos e as meretrizes precedem-vos no Reino de Deus.
A salvação é coisa pessoal e decide-se na atitude que cada um assume diante de Deus e do seu anúncio. Cada um tem a possibilidade de se salvar, mas somente se o quiser; sinal disso é o perdão que Deus dá sempre e generosamente a quem decide deixar a vida do mal para converter–se a Ele de todo o coração.

Diz Santo Agostinho: “Aquele que te criou sem a tua vontade não te salva se tu não queres”.
Sinal dessa liberdade do homem é sua capacidade de se converter do mal para o bem, de mau tornar –se bom e, por outro lado, a capacidade de se perverter, passando de bom para réprobo.

Ninguém, portanto, está condicionado irremediavelmente na vida pelo seu passado.

Sempre em vias de se converter

A. Louf, Ao ritmo do Absoluto

Caravaggio, A conversão de São Paulo a caminho de Damasco

Em que sentido temos nós, ainda hoje, necessidade de conversão? Não a recebemos nós no Baptismo, de uma vez por todas? A conversão seria coisa já feita e nós, agora, encontrar-nos-íamos a caminho, com altos e baixos certamente, caindo e levantando-nos, rumo à perfeição e à santidade. É esta, de facto, a imagem que temos do caminho por onde avançam todos os cristãos.

Substancialmente, tal caminho estaria dividido em três etapas. Primeiro, a ausência de fé e o pecado; depois, o passo decisivo da conversão; por fim, a procura da perfeição. Nós situamo-nos, então, espontaneamente – e não sem uma certa ingenuidade – em qualquer momento da terceira etapa, num estado mais ou menos avançado.

A realidade nem é assim tão simples nem tão complicada, porque a graça é a própria simplicidade. A dificuldade reside antes no facto de que a vida no Espírito Santo não é fácil de discernir. Cruzam-se constantemente diferentes linhas de força, se bem que a confusão – e também a ilusão – sejam possíveis: nem sempre é fácil distinguir essas linhas umas das outras.
De facto, o pecado, a conversão e a graça não são simplesmente três etapas sucessivas. Na vida quotidiana, são por vezes inextricáveis. Crescem juntas, em interdependência: nunca estou totalmente numa ou noutra; estou constantemente nas três ao mesmo tempo.

O pecado, a conversão e a graça são o meu pão e a minha herança de cada dia. Mesmo no Reino dos Céus, na medida em que o vivemos neste mundo, não acontece de outra maneira, é o próprio Jesus quem o diz. Também nele não estão ausentes os pecadores. Pelo contrário: publicanos e prostitutas são os primeiros a entrar, precedendo nele todos os outros (Mt 21, 28-32).

Estas três etapas não representam três graus de uma escala de valores. Não vamos passando de um ao outro, como se subíssemos os degraus duma escada. Não são três galões que possamos coser na manga, um após outro. Não. Antes de morrermos, não podemos dizer nunca um adeus definitivo a qualquer dos três.
Continuamos sempre a ser pecadores, estamos sempre em processo de conversão e, nesta conversão, somos continuamente santificados pelo Espírito de Deus. Porque não podemos, nunca, pertencer a essa categoria de pessoas de quem Jesus afirma «que não têm necessidade de conversão» (Lc 15, 2) porque se crêem justas. Nesse caso, não precisaríamos de Jesus. Talvez nos mantivéssemos ainda a caminho rumo a Deus, mas sozinhos, no sentido mais solitário da palavra, irremediavelmente sós, recaindo constantemente sobre nós próprios, sob a aparência duma santidade que em vão tentaríamos realizar. Cada vez nos sentiríamos mais profundamente frustrados, porque nunca encontraríamos o verdadeiro amor.

É sempre uma ilusão julgar-se convertido uma vez por todas. Não, nós não passamos nunca de pecadores, mas pecadores perdoados, pecadores-em-perdão, pecadores-em-conversão. Neste mundo, não pode haver outra santidade, porque a graça não pode actuar de outra maneira, Converter-se é sempre recomeçar essa mudança interior pela qual a nossa pobreza humana – o que Paulo chama a carne – se volta para a graça de Deus. Da lei da letra, passa à lei do Espírito e da liberdade; da ira à graça. Esta mudança nunca está terminada, está sempre a começar. Antão, o Grande, Patriarca e Pai de todos os monges, dizia-o de uma maneira lapidar: «Todas as manhãs digo a mim mesmo: hoje começo». E Abba Poimen, o segundo entre os Padres do deserto, o mais ilustre depois de Antão, a quem felicitavam, no leito de morte, de ter vivido uma vida feliz e virtuosa, e de poder confiadamente apresentar-se perante Deus, respondeu: «Tenho ainda de começar, apenas comecei a converter-me». E chorava com pena.

De facto, a conversão é sempre uma coisa que leva tempo. O homem precisa de tempo, e Deus também quer precisar de tempo connosco. Partiríamos de uma imagem de homem absolutamente errada se pensássemos que as coisas importantes da vida humana podem realizar-se imediatamente e de uma vez para sempre. O homem está feito de tal maneira que precisa de tempo para crescer, amadurecer e pôr em acção todas as suas capacidades. Deus sabe-o melhor do que nós. E, por isso, espera, não desiste. É indulgente, longânime. Espera-nos como um pescador paciente, como escrevia um poeta. To chrêston tou Theou eis metanoian se agei (Rm 2, 4), escreve Paulo: «A bondade de Deus convida-te à conversão». Não a ira, mas antes to chrêston, o seu afecto, bondade, paciência.

No prólogo da sua Regra, S. Bento comenta-o de modo impressionante: Deus vai todos os dias à procura do seu operário, diz ele, e o tempo que nos dá é ad inducias, uma trégua, um dom, um tempo de graça que nos é concedido gratuitamente. Um tempo de que podemos servir-nos para encontrar Deus uma vez mais, e encontrá-l’O sempre mais na sua admirável misericórdia. Não é senão mais tarde, após a morte, que vamos poder viver fora do tempo e para sempre. Hoje, o tempo é-nos dado para conhecer a Deus cada vez melhor.
É sempre tempo de conversão e de graça, dom da sua misericórdia.

 

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