IV Domingo da Quaresma (PDF)  TEXTO

Rembrandt, Filho pródigo

Rezemos a partir daquela tensão íntima que acende a misericórdia, aquela tensão entre a vergonha que diz: «Desvia o teu rosto dos meus pecados e apaga todas as minhas culpas»; e a confiança que diz: «Purifica-me com o hissope e ficarei puro, lava-me e ficarei mais branco do que a neve».

Uma confiança que se torna apostólica: «Dá-me de novo a alegria da tua salvação e sustenta-me com um espírito generoso. Então ensinarei aos transviados os teus caminhos, e os pecadores hão-de voltar para ti». (…)

O importante é que cada um se situe nesta tensão fecunda em que nos coloca a misericórdia do Senhor: não só pecadores perdoados, mas pecadores dignificados.
O Senhor não só nos limpa, mas coroa-nos, dá-nos dignidade.

Papa Francisco, 2016

 

 

 

Papa aprova nova Constituição para a Cúria Romana

Octávio Carmo, Agência Ecclesia

O texto da nova Constituição dá corpo a um projecto central de Francisco, que promoveu uma reforma interna com a ajuda de um inédito conselho consultivo de cardeais, representando os cinco continentes.
A nova constituição apostólica ‘Praedicate evangelium’ (Pregai o Evangelho) propõe uma Cúria mais atenta à vida da Igreja Católica no mundo e à sociedade, rejeitando uma atenção exclusiva à gestão interna dos assuntos do Vaticano.

Uma das novidades é o fim da distinção entre Congregações e Conselhos Pontifícios, passando os vários “ministérios” da Santa Sé a assumir a denominação de Dicastérios. O novo documento entra em vigor no dia 05 de Junho, solenidade litúrgica de Pentecostes.
Francisco, defensor de uma “Igreja em saída”, propõe ao longo dos 250 artigos desta constituição uma estrutura mais missionária para a Cúria Romana, ao serviço das dioceses de todo o mundo.
A Cúria Romana não se coloca entre o Papa e os bispos, mas ao serviço de ambos, segundo as modalidades que são próprias da natureza de cada um.

Simbolicamente, o primeiro Dicastério é o da Evangelização – que unifica a antiga Congregação para a Evangelização dos Povos e o Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização.
A nova Constituição, que substitui a Pastor Bonus de João Paulo II, é apresentada pelo Vaticano como resultado de um longo trabalho colegial, com reuniões de Outubro de 2013 a Fevereiro de 2022, e contributos de todo o mundo.

Francisco cria um novo Dicastério para o Serviço da Caridade, representado pela Esmolaria Apostólica, que vê o seu papel reforçado dentro da Cúria Romana como uma expressão especial da misericórdia.
Partindo da opção pelos pobres, os vulneráveis e os excluídos, exerce em qualquer parte do mundo a obra de assistência e ajuda-os em nome do Romano Pontífice, o qual, nos casos de particular indigência ou de outra necessidade, disponibiliza pessoalmente as ajudas a serem destinadas.

O Dicastério para a Doutrina da Fé engloba a Comissão para a Protecção de Menores, criada em 2013, que continua a funcionar com suas próprias regras e os seus próprios presidente e secretário.
Os leigos podem assumir funções de governo da Cúria Romana, por decisão pontifícia.
Todos os cristãos, em virtude do Baptismo, são discípulos-missionários, na medida em que encontraram o amor de Deus em Cristo Jesus. Não se pode ignorar isso na actualização da Cúria, cuja reforma, portanto, deve incluir o envolvimento de leigas e leigos, também em papéis de governo e responsabilidade.
O Papa propõe a sinodalidade como modalidade de trabalho habitual, propondo uma sã descentralização que ofereça novas competências aos bispos diocesanos e conferências episcopais.
Clérigos e religiosos em serviço na Cúria Romana devem ter um mandato de cinco anos, que pode ser renovado por mais cinco anos, devendo depois regressar às dioceses e comunidades de referência.
Francisco, que iniciou o seu pontificado a 19 de Março de 2013, tem sido particularmente crítico do “carreirismo” na Igreja Católica – uma das doenças identificadas no seu discurso à Cúria Romana, em 2014

O Dicastério para a Cultura e a Educação visa promover os valores da “antropologia cristã”.

O  assume a missão de promover e defender modelos equitativos de economia e estilos de vida sóbrios, sobretudo promovendo iniciativas contra a exploração económica e social dos países pobres, relações comerciais assimétricas, especulação financeira e modelos de desenvolvimento que criam exclusões.

A Cúria Romana passa a ser constituída pela Secretaria de Estado, 16 dicastérios, três tribunais, os organismos económicos, três departamentos e outras instituições ligadas à Santa Sé.
Francisco apresenta como critérios para desempenhar cargos de responsabilidades nos organismos centrais de governo da Igreja Católica a vida espiritual, boa experiência pastoral, sobriedade de vida e amor aos pobres, espírito de comunhão e de serviço, competência nos assuntos que são confiados, capacidade de discernir os sinais dos tempos.

 

Inveja e misericórdia

Cardeal D. Tolentino Mendonça

Murillo, Filho pródigo

Um dos grandes perigos do caminho interior é o olhar auto-centrado, no qual o eu é o princípio e o fim de todas as coisas.

A narrativa de Lucas traz à luz uma família humana como aquela de onde vem cada um de nós, e por isso é um espelho, revelando uma história que nos agarra por dentro, na qual se vê problematizada a relação entre irmãos que manifesta o delicado significado do vínculo filial da trama subtil e frágil de afectos que tecemos uns com os outros.

Dentro de nós, na verdade, não há apenas coisas belas, harmoniosas, resolvidas. Dentro de nós há sentimentos sufocados, muitas coisas a aclarar, patologias, inúmeros fios a ligar. Há regiões de sofrimento, questões a reconciliar, memórias e cesuras para deixar a Deus para que as cure.

O tempo actual é dominado por um desejo à deriva favorável ao surgimento de filhos pródigos, através de atitudes como o arbítrio fácil, o capricho, o hedonismo.
Estes modos de estar desenvolvem-se num vórtice enganador ditado pela sociedade dos consumos, que promete satisfazer tudo e todos ao identificar a felicidade com a saciedade. Estamos assim cheios, plenos, satisfeitos, domesticados. Mas esta saciedade que se obtém com os consumos é a prisão do desejo.

À necessidade de liberdade do filho mais novo, impelido por fantasias de omnipotência, acrescentam-se as expectativas doentias do filho maior, as mesmas que com grande facilidade se infiltram em nós.

Trata-se da dificuldade de viver a fraternidade, a pretensão de condicionar as decisões do pai, a recusa de se alegrar com o bem do outro. Tudo isto cria nele um ressentimento latente e a incapacidade de colher a lógica da misericórdia.

Aos passos falsos do filho menor, animado por um desejo à deriva, sobrepõe-se um perigo que consome o filho maior: a inveja, que é uma patologia do desejo, caracterizada pela falta de amor, uma reivindicação estéril e infeliz.

O filho maior, que não conseguiu resolver a relação com o irmão, está ferido pela agressividade, barreiras e violência. O contrário da inveja é a gratidão que constrói e reconstrói o mundo.

Ao lado das figuras dos jovens, emerge a do pai, ícone da misericórdia: Tem dois filhos e compreende que deve relacionar-se com eles de maneiras diferentes, reservar a cada qual um olhar único.

A misericórdia não é dar ao outro o que ele merece. A misericórdia é compaixão, bondade, perdão. É dar a mais, dar mais além, ir mais longe.
É um excesso de amor que cura as feridas.
A misericórdia é um dos atributos de Deus. Por isso crer em Deus é crer na misericórdia.

A misericórdia é um Evangelho a descobrir.

 

Arquivo de Folhas Informativas anteriores a 25.11.2018