XXVI Domingo do Tempo Comum (PDF) TEXTO
Vivemos na indiferença
A indiferença é o drama de estar bem informado, mas não sentir a realidade dos outros. Este é o abismo: o abismo da indiferença.
Sabemos o nome do pobre. Lázaro. Também o rico sabia, porque quando estava no inferno pede a Abraão que envie Lázaro. Mas não sabemos o nome do rico. O Evangelho não diz como se chamava este senhor. Não tinha nome. Tinha perdido o nome: havia somente os adjectivos da sua vida.
Rico, poderoso… muitos adjectivos. É isto que o egoísmo provoca em nós: faz perder a nossa identidade real, o nosso nome, e somente nos leva a avaliar os adjectivos.
A mundanidade ajuda-nos nisto. Caímos na cultura dos adjectivos, onde o seu valor é aquilo que possui, aquilo que pode… Mas não “qual é o seu nome?”: perdeu o nome.
A indiferença leva a isto. Perder o nome. Somos somente ricos, somos isto, somos aquilo. Somos adjectivos.
Peçamos hoje ao Senhor a graça de não cair na indiferença, a graça de que todas as informações das dores humanas que temos cheguem ao coração e nos levem a fazer algo pelos outros.
Papa Francisco, Março 2020
Chamamento para uma coragem invulgar
Rui Jorge Martins sobre o livro “O tempo é agora” de Joan Chittister, Paulinas
Enquanto mantivermos a cabeça baixa, a boca fechada e a reputação pública imaculada, graças ao silêncio que mantemos frente às grandes questões públicas dos nossos dias, os pilares da sociedade vão-se erodindo à nossa frente.
A espiritualidade profética tem a ver com a vivência da nossa fé pelas ruas do mundo, e não apenas com as conversas acerca da mesma.
Os profetas da Bíblia «eram as sirenes no meio da noite, os semeadores de sementes lançadas muito longe, os eternos agitadores na alma do povo, da nação, verdadeiros archotes no meio da tenebrosa confusão». «Optavam pela coragem, pela expansão da alma, por arriscar a sua vida por aquilo que devia ser, em vez de apostar o seu bem-estar, a sua segurança, a orientação das suas vidas naquilo que já era.»
Seguir Jesus significa que cada um de nós também deve fazer alguma coisa para redimir o nosso mundo maltratado e vencido pela cobiça que o sufoca. Devemos colocar-nos entre os indefesos e a ameaça nuclear que o destruiria em nome da paz. Devemos fazer frente ao sexismo que degrada metade da raça humana. Devemos redimi-lo da antropologia da falsa superioridade humana que consome os seus recursos e diminui os seus povos à custa de tudo o que existe no planeta, excepto a humanidade. E depois, como resultado disso, também a maior parte da humanidade.
Muitas vezes, ignoramos, resistimos ou rejeitamos a ideia de que, tal como Jesus, nós temos um papel a desempenhar para endireitar um mundo cujo eixo se tem vindo a inclinar na direcção errada. Recusamo-nos a aceitar a ideia de que virar de novo os ponteiros da bússola dos nossos mundos para o verdadeiro Norte da alma é o que significa ser verdadeiramente espiritual. A nossa missão é ser «obedientes», preservar as leis, os jejuns, os dogmas e os dias de festa, argumentamos. Contudo, a pergunta que muitas vezes não conseguimos fazer é esta: obedientes a quê e obedientes a quem? ¶ A nossa missão é ser obedientes, durante toda a nossa vida, à vontade de Deus para o mundo.
O ideal cristão é a bondade pessoal, claro, mas a bondade pessoal requer que nós sejamos mais do que piedosos, mais do que fiéis ao sistema, mais do que meros membros encartados da comunidade cristã. O cristianismo também requer que cada um de nós seja de tal modo uma presença profética, que o nosso cantinho do mundo se transforme num lugar melhor devido à nossa presença aí.
Não temos espaço, aqui na Terra, para dedicar uma vida inteira à manutenção da rotina espiritual perfeita, da antisséptica limpeza moral e de um amargo silêncio resignado, na solidão. Nada disso, com efeito, marcou a vida do próprio Jesus, que «convivia com pecadores», curava estrangeiros, chamava as mulheres ao discipulado, e discutia com escribas e fariseus acerca da natureza da própria fé, irritando os líderes tanto do templo como do trono, tanto a religião como o governo.