Domingo IV da Páscoa (PDF) TEXTO
A alegria do Evangelho é para todo o povo, não se pode excluir ninguém; assim foi anunciada pelo anjo aos pastores de Belém:
“Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo”.
Nunca haverá plena alegria enquanto houver uma qualquer ovelha que esteja perdida, uma só que seja.
A possibilidade de bem, posta por Deus aquando da criação, só se cumpre quanto todas, mas mesmo todas as ovelhas estiverem no redil do amor criador de Deus, indistinguível do seu amor redentor.
Papa Francisco, sobre a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium
Padres que não saem de si mesmos vivem «tristes»
Papa Francisco, 2013
O sacerdote celebra levando sobre os ombros o povo que lhe está confiado e tendo os seus nomes gravados no coração. Quando envergamos a nossa casula humilde pode fazer-nos bem sentir sobre os ombros e no coração o peso e o rosto do nosso povo fiel, dos nossos santos e dos nossos mártires, que são tantos neste tempo.
A sua unção é para os pobres, os presos, os doentes e quantos estão tristes e abandonados. A unção, amados irmãos, não é para nos perfumar a nós mesmos, e menos ainda para que a conservemos num frasco, pois o óleo tornar-se-ia rançoso… e o coração amargo.
O nosso povo gosta do Evangelho quando é pregado com unção, quando o Evangelho que pregamos chega ao seu dia a dia, quando escorre como o óleo de Aarão até às bordas da realidade, quando ilumina as situações extremas, «as periferias» onde o povo fiel está mais exposto à invasão daqueles que querem saquear a sua fé.
As pessoas agradecem-nos porque sentem que rezámos a partir das realidades da sua vida de todos os dias, as suas penas e alegrias, as suas angústias e esperanças.
É preciso chegar a experimentar assim a nossa unção, com o seu poder e a sua eficácia redentora: nas “periferias” onde não falta sofrimento, há sangue derramado, há cegueira que quer ver, há prisioneiros de tantos patrões maus.
O padre que não sai de si mesmo passa ao lado da vocação e da alegria na sua vida, ao mesmo tempo que se distancia dos fiéis, tornando-se «um gestor».
Não colocando em jogo a pele e o próprio coração, não recebem aquele agradecimento carinhoso que nasce do coração; e daqui deriva precisamente a insatisfação de alguns, que acabam por viver tristes, padres tristes, e transformados numa espécie de coleccionadores de antiguidades ou então de novidades, em vez de serem pastores com o “cheiro das ovelhas”.
Eu sou vida indissolúvel das mãos de Deus, laço que não se rasga,
nó que não se desata
Ermes Ronchi, In Avvenire
As minhas ovelhas escutam a minha voz.
Não as ordens, a voz. A voz que atravessa as distâncias, inconfundível; que narra uma relação, revela uma intimidade, faz emergir em ti uma presença.
A voz chega ao ouvido do coração antes das coisas que diz. É a experiência com que o bebé, quando ouve a voz da mãe, a reconhece, emociona-se, estende os braços e o coração para ela, e já está feliz bem antes de chegar a compreender o significado das palavras.
A voz é o canto amoroso do ser: «Uma voz! O meu amado! Ei-lo, chega correndo pelos montes, saltando pelas colinas» (Cântico dos Cânticos 2,8). E ainda antes de chegar, o amado pede o canto da amada: «Deixa-me ouvir a tua voz» (2, 14)…
Quando Maria, ao entrar na casa de Zacarias, saudou Isabel, a sua voz fez dançar o ventre: «Mal a tua saudação chegou aos meus ouvidos, o menino sobressaltou de alegria no meu ventre» (Lucas 1,44).
Entre a voz do bom pastor e dos seus cordeiros corre esta relação confiante, amorosa, fecunda. Com efeito, porque é que as ovelhas devem escutar a sua voz? Dois géneros de pessoas disputam a nossa escuta: os sedutores, que nos prometem prazeres, e os verdadeiros mestres, que dão asas e fecundidade à vida. Jesus responde oferecendo a maior das motivações: porque Eu dou-vos a vida eterna.
Escutarei a sua voz não por obséquio ou obediência, não por sedução ou medo, mas porque como uma mãe, Ele faz-me viver. Eu dou-lhe a vida. O Bom Pastor coloca no centro da religião não aquilo que eu faço por Ele, mas aquilo que Ele faz por mim.
No coração do cristianismo não é colocado o meu comportamento, ou a minha ética, mas a acção de Deus. A vida cristã não se funda no dever, mas no dom: vida autêntica, vida para sempre, vida de Deus derramada dentro de mim, antes que eu faça o que quer que seja.
Ainda que eu diga sim, Ele semeou gérmenes vitais, sementes de luz que possam guiar-me a mim, desorientado na vida, à terra da vida. A minha fé cristã é incremento, acrescento, intensificação do humano e de coisas que merecem não morrer.
Jesus di-lo com uma imagem de luta, de combativa ternura: ninguém arrancará as minhas ovelhas da minha mão. Uma palavra absoluta: «Ninguém». Dita duas vezes, como se tivéssemos dúvidas: ninguém as pode arrancar da mão do Pai.
Eu sou vida indissolúvel das mãos de Deus, laço que não se rasga, nó que não se desata. A eternidade é um lugar entre as mãos de Deus. Somos passarinhos que temos o ninho nas suas mãos. E na sua voz, que aquece o gelo da solidão.