Domingo XXV do Tempo Comum (PDF) TEXTO
Justiça e busca de Deus
Pe Nelson Faria, SJ, Fev 2020
Pode-se contribuir para um mundo mais justo com as nossas práticas.
Mas só a conversão a algo que desafia constantemente as nossas expectativas pode despoletar e manter a dinâmica de um processo de justiça.
A justiça será sempre um dom a acolher; podemos criar as condições para que ela seja acolhida e cresça, mas não a criamos nem a fabricamos.
Quando Cristo nos desafia a converter-nos e a acreditar no Evangelho, Ele abre-nos a via de uma vida digna, desafia-nos a construir um mundo de justiça e paz, numa felicidade que não é refém de um contexto ou da situação em que nos encontramos.
Isto não impede a cooperação e o diálogo com outras crenças e mundivisões. Mas em honestidade clara e desempoeirada, de quem crê que a justiça é mais que um exercício estatístico ou um regatear de direitos e deveres.
A procura do bem, da verdade e da justiça leva-nos a um movimento de rendição, de entrega da vida.
Pe Nelson Faria, SJ, Fev 2020
Deus chama a todos!
Papa Francisco, Set 2020
Cinco vezes o proprietário de uma vinha vai à praça e chama para trabalhar para ele: às seis, nove, doze, três e cinco da tarde. É comovedora a imagem deste proprietário que vai várias vezes à praça à procura de trabalhadores para a sua vinha.
Esse proprietário representa Deus que chama todos e chama sempre, a toda a hora.
Deus também age desta forma hoje: Ele continua a chamar todos, a qualquer hora, e convida a trabalhar no Seu Reino.
Este é o estilo de Deus, que por nossa vez somos chamados a aceitar e imitar. Ele não está fechado no seu mundo, mas “sai”: Deus está sempre em saída, à nossa procura, porque não quer que ninguém seja excluído do seu desígnio de amor.
Também as nossas comunidades são chamadas a sair dos vários tipos de “fronteiras” que possam existir, para oferecer a todos a palavra de salvação que Jesus veio trazer.
É uma questão de abertura a horizontes de vida que ofereçam esperança àqueles que estão estacionados nas periferias existenciais e ainda não experimentaram, ou perderam, a força e a luz do encontro com Cristo.
A Igreja deve ser como Deus: sempre em saída; e quando a Igreja não está em saída, adoece com os tantos males que temos na Igreja. E por que há estas doenças na Igreja? Porque não está em saída.
É verdade que quando saímos há o perigo de um acidente. Mas é melhor uma Igreja acidentada, por sair, por anunciar o Evangelho, do que uma Igreja que está doente por fechamento.
A segunda atitude do proprietário, que representa a de Deus, é a sua forma de recompensar os trabalhadores.
Como paga Deus? O proprietário concorda “um denário” com os primeiros trabalhadores contratados pela manhã. Àqueles que começaram mais tarde, ele diz: “tereis o salário que for justo”.
No final do dia, o dono da vinha manda dar a todos o mesmo pagamento, ou seja, um denário. Aqueles que trabalharam desde a manhã ficam indignados e lamentam-se contra o proprietário, mas ele insiste: quer dar a máxima recompensa a todos, mesmo aos que chegaram por último.
Deus paga sempre o máximo: não paga só metade. Paga tudo. E aqui compreende-se que Jesus não fala do trabalho nem do salário justo, que é outro problema, mas do Reino de Deus e da bondade do Pai celeste que continuamente sai para convidar e paga o máximo a todos.
De facto, Deus comporta-Se desta forma: não olha para o tempo nem para os resultados, mas para a disponibilidade, olha para a generosidade com a qual nos colocamos ao Seu serviço. A sua acção é mais do que justa, no sentido de que vai além da justiça e manifesta-se na Graça. Tudo é Graça: a nossa salvação, a nossa santidade. Ao conceder-nos a Graça, Ele dá-nos mais do que merecemos. E assim, quem raciocina com lógica humana, isto é, a de mérito adquirido com a própria habilidade, de primeiro torna-se último. “Mas, trabalhei tanto, fiz tanto na Igreja, ajudei tanto, e sou pago da mesma forma que este que veio por último”.
Recordemos quem foi o primeiro santo canonizado na Igreja: o Bom Ladrão. Ele “roubou” o Céu no último momento da sua vida: isto é Graça, assim é Deus. Também com todos nós. Por outro lado, aqueles que procuram pensar nos próprios méritos falham.
Que Maria Santíssima nos ajude a sentir todos os dias a alegria e a admiração de sermos chamados por Deus a trabalhar para Ele, no Seu campo que é o mundo, na Sua vinha que é a Igreja.
E ter como nossa única recompensa o seu amor, a amizade com Jesus.
Uma injustiça social de Jesus?
Card. Gianfranco Ravasi , 2018
Qual é o sentido da parábola do proprietário da vinha, tendo em mente que não pode ser orientado para a injustiça social?
O proprietário da vinha abre caminho a Deus, que não lesa a justiça (o contrato era justo), mas nas suas relações com a humanidade introduz a superioridade do amor, cuja generosidade vai para além da rígida norma do que é devido.
A humanidade é, com efeito, constituída por pessoas diferentes quanto às qualidades e dons recebidos: desde quem tem cinco talentos àquele que só tem um, para usar ainda uma imagem monetária de outra conhecida parábola de Jesus.
Há a pessoa simples que tem poucas capacidades, e quem, ao contrário, se destaca por dons extraordinários; há quem seja doente e frágil, e quem tenha uma saúde de ferro e seja um portento de força; há quem tem uma modesta dotação intelectual e quem é um génio; há a pessoa frágil, que cai em erros e pecados, e há o justo capaz de resistir firmemente às tentações; há quem pertence a uma nação evoluída e privilegiada (Jesus podia pensar nos judeus, «os primeiros»), e quem tenha nascido numa região deprimida e num povo miserável e de escassas disponibilidades culturais e sociais (os «pagãos», os «últimos»).
O importante é que se entre no campo da vida com pleno compromisso pessoal.
Deus, na sua recompensa final, não adopta o rígido critério que se funda nos resultados, mas escolhe a via do amor, que premeia inclusive quem avança trazendo nas suas mãos um pequeno fruto do seu modesto mas real trabalho.
A verdadeira imparcialidade é a do amor que coloca ao mesmo nível que recebeu muito e quem pouco teve da vida mas que se consagrou autenticamente à sua vocação, ainda que simples.