Domingo II da Páscoa ou da Divina Misericórdia (PDF) TEXTO
Os dias da Oitava da Páscoa são como um único dia em que a alegria da Ressurreição se prolonga.
Papa Francisco, 2022
Mensagem Urbi et Orbi
Papa Francisco, 17 de Abril de 2022
Jesus, o Crucificado, ressuscitou! Veio ter com aqueles que choram por Ele, fechados em casa, cheios de medo e angústia. Veio a eles e disse: «A paz esteja convosco!». Mostra as chagas nas mãos e nos pés, a ferida no lado: não é um fantasma, é mesmo Ele, o mesmo Jesus que morreu na cruz e esteve no sepulcro. Diante dos olhos incrédulos dos discípulos, repete: «A paz esteja convosco!».
Também os nossos olhos estão incrédulos, nesta Páscoa de guerra. Demasiado sangue, vimos; demasiada violência. Também os nossos corações se encheram de medo e angústia, enquanto muitos dos nossos irmãos e irmãs tiveram de se fechar nos subterrâneos para se defender das bombas. Sentimos dificuldade em acreditar que Jesus tenha verdadeiramente ressuscitado, que tenha verdadeiramente vencido a morte. Terá porventura sido uma ilusão? Um fruto da nossa imaginação?
Não; não é uma ilusão! Hoje, mais do que nunca, ressoa o anúncio pascal tão caro ao Oriente cristão: «Cristo ressuscitou! Verdadeiramente ressuscitou!» Hoje mais do que nunca precisamos d’Ele, no termo duma Quaresma que parece não querer acabar. Temos atrás de nós dois anos de pandemia, que deixaram marcas pesadas. Era o momento de sairmos do túnel juntos, de mãos dadas, juntando as forças e os recursos… Em vez disso, estamos demostrando que ainda não existe em nós o Espírito de Jesus, mas existe ainda em nós o espírito de Caim, que vê Abel não como um irmão, mas como um rival, e pensa como há de eliminá-lo. Temos necessidade do Crucificado ressuscitado para acreditar na vitória do amor, para esperar na reconciliação. Hoje mais do que nunca precisamos d’Ele, precisamos que venha colocar-Se no meio de nós e nos diga mais uma vez: «A paz esteja convosco!»
Só Ele o pode fazer. Só Ele tem hoje o direito de anunciar-nos a paz. Só Jesus, porque traz as chagas, as nossas chagas. Aquelas chagas d’Ele são nossas duas vezes: são nossas, porque Lh’as provocamos nós com os nossos pecados, a nossa dureza de coração, o ódio fratricida; e são nossas, porque Ele as traz por nós, não as cancelou do seu Corpo glorioso, quis conservá-las, trazê-las consigo para sempre. São um timbre indelével do seu amor por nós, uma perene intercessão ao Pai celeste para que as veja e tenha misericórdia de nós e do mundo inteiro. As chagas no Corpo de Jesus ressuscitado são o sinal da luta que Ele travou e venceu por nós, com as armas do amor, para podermos ter paz, estar em paz, viver em paz.
Contemplando aquelas chagas gloriosas, os nossos olhos incrédulos escancaram-se, os nossos corações endurecidos abrem-se e deixam entrar o anúncio pascal: «A paz esteja convosco!»
Irmãos e irmãs, deixemos entrar a paz de Cristo nas nossas vidas, nas nossas casas, nos nossos países!
Haja paz para a martirizada Ucrânia, tão duramente provada pela violência e a destruição da guerra cruel e insensata para a qual foi arrastada. Sobre esta noite terrível de sofrimento e morte, surja depressa uma nova aurora de esperança. Escolha-se a paz! Deixe-se de exibir os músculos, enquanto as pessoas sofrem. Por favor, por favor: não nos habituemos à guerra, empenhemo-nos todos a pedir a paz, em alta voz, das varandas e pelas ruas! Paz! Quem tem a responsabilidade das nações, ouça o clamor do povo pela paz. Lembre-se daquela inquietadora pergunta feita pelos cientistas, há quase setenta anos: «Poremos fim ao género humano, ou a humanidade saberá renunciar à guerra?».
Trago no coração todas e cada uma das numerosas vítimas ucranianas, os milhões de refugiados e deslocados internos, as famílias divididas, os idosos abandonados, as vidas destroçadas e as cidades arrasadas. Não me sai da mente o olhar das crianças que ficaram órfãs e fogem da guerra. Vendo-as, não podemos deixar de nos dar conta do seu grito de sofrimento, juntamente com o de tantas outras crianças que sofrem em todo o mundo: as que morrem de fome ou por falta de cuidados médicos, as que são vítimas de abusos e violências e aquelas a quem foi negado o direito de nascer.
No meio da angústia da guerra, não faltam também sinais encorajadores, como as portas abertas de tantas famílias e comunidades que acolhem migrantes e refugiados em toda a Europa. Que estes numerosos actos de caridade se tornem uma bênção para as nossas sociedades, por vezes degradadas por tanto egoísmo e individualismo, e contribuam para torná-las acolhedoras com todos.
Que o conflito na Europa nos torne mais solícitos também perante outras situações de tensão, sofrimento e angústia, que tocam demasiadas regiões do mundo e que não podemos nem queremos esquecer (Médio Oriente, Líbano, Síria, Iraque, Líbia, Iémen, Myanmar, Afeganistão, todo o continente africano, particularmente a região do Sahel, Etiópia, República Democrática do Congo, o leste da África do Sul, América Latina).
Queridos irmãos e irmãs, cada guerra traz consigo consequências que envolvem toda a humanidade: do luto ao drama dos refugiados, até à crise económica e alimentar de que já se vêem os primeiros sintomas. Perante os sinais perdurantes da guerra, bem como diante das muitas e dolorosas derrotas da vida, Cristo, vencedor do pecado, do medo e da morte, exorta-nos a não nos rendermos ao mal e à violência. Irmãos e irmãs, deixemo-nos vencer pela paz de Cristo! A paz é possível, a paz é um dever, a paz é responsabilidade primária de todos!
Quem anunciará a misericórdia?
P. Emmanuel Coquet
Neste segundo domingo da Páscoa, que desde o ano 2000 o papa S. João Paulo II quis que fosse o Domingo da Misericórdia, somos convidados a reconsiderar a maneira como as nossas vidas estão enxertadas na de Cristo ressuscitado.
Não é preciso voltar a falar hoje do clima da sociedade em que vivemos. Cada pessoa terá desde há muito tempo feito a experiência das tensões sofridas em todos os níveis da nossa vida e que não poupam o crente que procura colocar a sua vida sob a influência do Espírito Santo.
Sabemos que as críticas que estamos prontos a dirigir aos outros, às instituições, são muitas vezes reveladoras dos lugares da nossa própria contradição que não queremos olhar frontalmente para não sermos esmagados por um conflito interior. São muitos os lugares onde a misericórdia ainda tem de finalizar a sua obra.
Sim, somos apanhados na armadilha dos nossos julgamentos, das nossas exigências, dos nossos temperamentos inconstantes, de uma perfeição ilusória, de uma história que seja isenta de toda a crítica… Em resumo, muros que erguemos instintivamente e que renunciamos ver mais ou menos subtilmente.
Sonhamos mais o mundo e a nossa vida do que os investimos do amor de Deus, de tal maneira isso nos parece difícil. O nosso próprio sentido da justiça, dos nossos direitos, o nosso egoísmo parecem prevalecer muitas vezes sobre o exercício concreto da misericórdia.
O individualismo e a ilusória capacidade de erigir a opinião própria como verdade confortam aquele sentimento.
A misericórdia inscreve-nos no real. Num mundo onde nos agarramos a sonhos ou à nostalgia, Cristo, na sua misericórdia, transfigura o real do nosso quotidiano porque Ele o tomou no seu poder de amor infinito que nos abre as portas da vida eterna.
A misericórdia coloca-nos de novo diante da atitude de Deus que torna possível aquilo que, aos nossos olhos, era da ordem do inimaginável. Ela evita que vivamos numa esquizofrenia entre a vida segundo o Evangelho a que aspiramos e o nosso envolvimento no mundo. Longe de ser um logro, a misericórdia faz-nos sair da ilusão da nossa omnipotência e mobiliza os nossos pobres impulsos para aprofundar o exercício da nossa caridade.
Se a nossa responsabilidade é a de levar ao mundo o anúncio da ressurreição e de fazer entrever a misericórdia que nós próprios vivemos, a quem iremos nós falar, para lá do nosso círculo de convencidos, da ressurreição? A quem iremos levar este testemunho que funda toda a esperança e que a misericórdia muda a história?