Domingo III da Páscoa (PDF) TEXTO

Emaús é imagem de Deus, da vida e da Igreja

Van Meegeren, A ceia de Emaús

É um encontro rápido o de Jesus com os dois discípulos de Emaús. Mas nele está todo o destino da Igreja.

Conta-nos que a comunidade cristã não está enclausurada numa cidadela fortificada, mas caminha no seu ambiente mais vital, ou seja, a estrada.

E nela encontra as pessoas, com as suas esperanças e as suas desilusões, por vezes pesadas.

A Igreja escuta as histórias de todos, como emergem do cofre da consciência pessoal; para depois oferecer a Palavra de vida, o testemunho do amor de Deus, amor fiel até ao fim.

E então o coração das pessoas volta a arder de esperança.

Todos nós na nossa vida tivemos momentos difíceis, escuros, momentos nos quais caminhávamos tristes, pensativos, sem orientações, apenas com uma parede à frente, mas Jesus está sempre junto de nós para nos dar esperança, para voltar a aquecer os corações e dizer «segue em frente, Eu estou contigo»..

Papa Francisco, 24 Maio 2017

 

Escolhamos a vereda de Deus, não a do eu

Papa Francisco, 2020

O episódio dos dois discípulos de Emaús é uma história que começa e acaba a caminho.

Na verdade, há a viagem de ida dos discípulos que, tristes devido ao epílogo da vicissitude de Jesus, deixam Jerusalém e voltam para casa, para Emaús, percorrendo cerca de onze quilómetros.

É uma viagem feita de dia, com grande parte do percurso em declive.

E há a viagem de regresso: mais onze quilómetros, mas percorrida ao cair da noite, com parte do caminho em subida, após o cansaço da viagem de ida e o dia inteiro.

Duas viagens: uma fácil, de dia, e outra cansativa, de noite. E no entanto, a primeira tem lugar na tristeza; a segunda, na alegria.

Na primeira, há o Senhor que caminha ao lado deles, mas não O reconhecem; na segunda, já não O veem, mas sentem-n’O próximo. Na primeira estão desanimados e sem esperança; na segunda, correm a levar aos outros a boa notícia do encontro com Jesus Ressuscitado.

Os dois caminhos diferentes daqueles primeiros discípulos dizem-nos, a nós discípulos de Jesus hoje, que na vida temos à nossa frente dois rumos opostos: há o caminho de quem, como aqueles dois na ida, se deixa paralisar pelas desilusões da vida e vá em frente com tristeza; e há o caminho de quem não se coloca em primeiro lugar a si próprio e os seus problemas, mas Jesus que nos visita, e os irmãos que esperam a sua visita, ou seja, os irmãos que nos esperam para que cuidemos deles.

Eis o momento decisivo: deixar de orbitar em torno de si próprio, das desilusões do passado, dos ideais não realizados, das muitas coisas negativas que aconteceram na vida. Muitas vezes somos levados a orbitar, orbitar… Deixemos isto e vamos em frente, olhando para a maior e mais verdadeira realidade da vida: Jesus está vivo, Jesus ama-me.

Esta é a maior realidade. E eu posso fazer algo pelos outros. É uma realidade boa, positiva, solar, bela! Eis a inversão de marcha: passar dos pensamentos sobre o meu eu para a realidade do meu Deus; passar – com outro jogo de palavras – do “se” para o “sim”. Do “se” para o “sim”. O que significa?

“Se Ele nos tivesse libertado, se Deus me tivesse ouvido, se a vida tivesse corrido como eu queria, se eu tivesse isto e aquilo…”, em tom de queixa.

Este “se” não ajuda, não é fecundo, não ajuda nem a nós nem aos outros. Eis os nossos “se”, semelhantes aos dos dois discípulos. Mas eles passam para o sim:

“Sim, o Senhor está vivo, Ele caminha connosco. Sim, agora, não amanhã, voltamos a percorrer o caminho para o anunciar”. “Sim, posso fazer isto para que as pessoas sejam mais felizes, para que as pessoas sejam melhores, para ajudar muitas pessoas. Sim, sim, eu posso”.

Do “se” para o “sim”, da lamentação para a alegria e a paz, pois quando nos queixamos, não estamos na alegria; estamos na melancolia, na consternação, no ar cinzento da tristeza. E isto não ajuda, e nem sequer nos faz crescer bem. Do “se” para o “sim”, da lamentação para a alegria do serviço.

Como se verificou nos discípulos esta mudança de passo, do eu para Deus, do “se” para o “sim”? Encontrando Jesus: os dois de Emaús primeiro abrem-Lhe o coração; em seguida, ouvem-n’O explicar-lhes as Escrituras; depois, convidam-n’O para sua casa.

São três passos que também nós podemos dar na nossa casa: primeiro, abrir o coração a Jesus, confiando-Lhe os pesos, os cansaços, as desilusões da vida, confiando-Lhe os “se”; e depois, segundo passo, ouvir Jesus, pegar no Evangelho, ler hoje este trecho, no capítulo vinte e quatro do Evangelho de Lucas; terceiro, rezar a Jesus, com as mesmas palavras daqueles discípulos: «Senhor, fica connosco» (v. 29). Senhor, fica comigo. Senhor, fica com todos nós, pois precisamos de Ti para encontrar o caminho. E sem Ti, não há noite!

Prezados irmãos e irmãs, na vida estamos sempre a caminho. E tornamo-nos aquilo rumo ao que caminhamos. Escolhamos a vereda de Deus, não a do eu; o caminho do “sim”, não o do “se”. Descobriremos que não há imprevisto, não há subida, não há noite que não se possa enfrentar com Jesus. Que Nossa Senhora, Mãe do Caminho que, acolhendo a Palavra, fez de toda a sua vida um “sim” a Deus, nos indique a senda.

 

CONTEMPLAR EM VEZ DE VER

Cardeal Tolentino Mendonça, 17 Abril de 2023

Girolamo da Santacroce, Noli me tangere

Ensina-nos, Senhor, a contemplar e não apenas a ver. Contemplar é ser capaz de olhar tudo profundamente, não apenas com os nossos olhos, mas com os olhos de Deus. Contemplar é inscrever cada pessoa e cada fragmento da realidade nesse horizonte mais amplo e puro que é aquele de Deus.

Ensina-nos, Senhor, a contemplar o tempo que passa e a compreender que o seu mistério escapa aos relógios e aos calendários, mas que um coração desperto é capaz de o sintonizar.

Ensina-nos, Senhor, que o tempo não é só tempo. Mostra-nos que ele é também templo.

Que ele é oportunidade para qualquer coisa de decisivo e que está ao nosso alcance. Que ele nos é oferecido para ser recriado pela esperança, para ser saboreado com delícia, simplicidade e espanto, para ser abraçado com a serenidade necessária.

Ensina-nos, Senhor, a contemplar e não apenas a ver os rostos com quem quotidianamente nos cruzamos, esses rostos amados que partilham connosco a vida e que a cada momento expressam uma alegria ou um sofrimento a que tantas vezes
somos estranhos.

Ensina-nos a contemplar o mundo, dando sempre mais espaço à gratidão e ao louvor e calando dentro de nós a sofreguidão que nos pressiona a considerar tudo cinzento ou inadequado.

Ensina-nos, Senhor, a criar no dia-a-dia espaços de contemplação que constituam expressão da nossa disponibilidade a acolher-Te, Deus das surpresas que não cessas de visitar-nos com a tua ternura.

Arquivo de Folhas Informativas anteriores a 25.11.2018