Domingo IV do Advento (PDF)  TEXTO

ADVENTO : sim ao projecto de Deus

Henry Ossawa Tanner, Anunciação

 

A resposta de Maria começa com uma objecção…

A objecção faz sempre parte dos relatos de vocação do Antigo Testamento.

É uma reacção natural de um “chamado”, assustado com a perspectiva do compromisso com algo que o ultrapassa; mas é, sobretudo, uma forma de mostrar a grandeza e o poder de Deus que, apesar da fragilidade e das limitações dos “chamados”, faz deles instrumentos da sua salvação no meio dos homens e do mundo.

Dehonianos

A força eloquente do silêncio

Emanuela Campanile

Francisco Camilo, São José a dormir com o Menino nos braços

O silêncio de S. José, que se opõe à palavra gritada, brutal, agressiva, como agora estamos habituados a ver, continua a ser exemplo e advertência constante.
Numa sociedade como a nossa, onde a palavra conta muito, e onde quanto mais se fala, mais se grita, o que é que S. José pode dizer?
Diz uma coisa fundamental porque, diferentemente de muitos outros personagens dos Evangelhos, dele não temos uma só palavra. Para Maria temos cinco frases e um canto, o “Magnificat”.
Para José temos, ao contrário, o silêncio absoluto.

Mas eu diria que esta é uma lição constante do interior dos Evangelhos: a de preferir, como Jesus prefere os últimos, como dizia um poeta francês, Paul Valéry, sempre a palavra “moindre”, menor, a mais delicada, em comparação com aquela que é gritada, brutal, agressiva, como estamos agora habituados a ver, quer a nível político, quer, sobretudo, dentro dos canais informáticos, onde domina não apenas a agressividade, mas também a vulgaridade. A palavra que se acende até ficar incandescente, e nós sabemos bem que a palavra é uma “criatura viva”, como dizia outro poeta francês, Victor Hugo, e como tal pode ferir, para não dizer, em alguns casos, matar.

O papa Francisco é muito devoto de S. José, tanto que tem uma pequena estátua sempre consigo: a estátua de um S. José adormecido.
Bassano representou um José adormecido que, de alguma maneira, recebe esta anunciação, ou recebe os sonhos, que, na linguagem bíblica, são um modo para representar uma comunicação de tipo transcendente, espiritual: não é necessariamente tudo quanto nós concebemos através da visão psicoanalítica, a leitura onírica com uma interpretação “científica”.
Para a tradição bíblica, e para toda a tradição antiga oriental, é uma maneira para exprimir a experiência religiosa profunda, e portanto uma experiência de tipo espiritual, ascético, místico.
Esta figura de S. José é significativa porque ele é por excelência o homem que recebe estas mensagens na noite, nos momentos dramáticos da existência deste seu filho oficial, um seu filho legal. E é por este motivo que podemos dizer que é, mais uma vez, uma figura sugestiva, porque tem a capacidade de entrar em profundidade, sem muito tagarelar.
Os Evangelhos apócrifos acrescentam muitos detalhes, mas sobretudo há um, dito de “José, o carpinteiro”, que representa a sua morte, mais uma vez deitado, quase numa espécie de névoa do fim de vida, e tem junto de si Cristo, e ele diz as últimas palavras quanto a Maria: «Eu amei esta mulher com ternura»; e depois extingue-se.

 

O “Eis-me!” que muda a história

Ermes Ronchi, 2019

Carlo Crivelli, Anunciação

O anjo Gabriel, o mesmo que «estava de pé à direita do altar do incenso», voou para fora da incredulidade de Zacarias, para fora da imensa esplanada do templo, para um indistinto casebre, um aposento de gente pobre. Extraordinária e surpreendente viagem: do sacerdote idoso para uma jovem, da Cidade de Deus para um vilarejo sem história da mestiça Galileia, do sagrado para o profano. O cristianismo não começa no templo, mas numa casa.

A primeira palavra do anjo, o primeiro “Evangelho” que abre o Evangelho é: alegra-te, rejubila, sê feliz. Abre-te à alegria, como uma porta se abre ao sol: Deus está aqui, aperta-te num abraço, numa promessa de felicidade.

As palavras que se seguem desvelam o porquê da alegria: és plena de graça. Maria não é plena de graça porque respondeu “sim” a Deus, mas porque Deus, primeiro, disse “sim” a ela, sem condições. E diz “sim” a cada um de nós, antes de qualquer resposta nossa.

Que eu seja amado depende de Deus, não depende de mim. Aquele seu nome, “Amada-para-sempre”, é também o nosso nome: bons e menos bons, cada um amado para sempre. Pequenos ou grandes, todos continuamente repletos de Céu.

O Senhor é contigo. Quando, na Bíblia, Deus diz a alguém «Eu estou contigo», está a entregar-lhe um futuro belíssimo e árduo (R. Virgili). Convoca-o a tornar-se parceiro da história maior. Darás à luz um Menino, que será Filho da Terra e filho do Céu, filho teu e filho do Altíssimo, e sentar-se-á no trono de David para sempre.

A primeira palavra de Maria não é o «sim” que esperaríamos, mas a suspensão de uma pergunta: como acontecerá isto? Madura e inteligente, quer compreender por que caminhos se colmatará a distância entre ela e o fresco que o anjo desenha, com palavras nunca escutadas… Pôr perguntas a Deus não é falta de fé, antes é querer crescer na consciencialização.

A resposta do anjo tem os tons do livro do Êxodo, de uma nuvem ao mesmo tempo obscura e luminosa, que cobre a tenda, enchendo-a de presença. Na voz do mensageiro ressoa também a voz querida do livro da vida e dos afectos: é o sexto mês da prima Isabel.
Maria é tomada por aquele turbilhão de vida, é envolvida nela: eis a serva do Senhor. Na Bíblia, a serva não é a empregada doméstica, a mulher-a-dias. A serva do rei é a rainha, a segunda depois do rei: o teu projecto será o meu, a tua história a minha história, Tu és o Deus da aliança, e eu tua aliada. Sou a serva, sou a aliada do Senhor das alianças.

Como o de Maria, também o nosso «eis-me!» pode mudar a história. Com o «sim» ou o «não» ao projecto de Deus, todos podemos gravar nascimentos e alianças no calendário da vida.

 

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