Domingo VII do Tempo Comum (PDF) TEXTO
Faz-nos trilhar a estrada da mansidão
Ajuda-nos a contrariar a ferocidade do tempo, fora e dentro de nós. Que a tua paz seja a fonte secreta que tudo irriga, inspira e sustenta.
Tudo provenha dessa paz sem vencidos nem vencedores; dessa paz que acalma as ameaças e os cercos implacáveis; dessa paz pronunciada ao mesmo tempo com o máximo de firmeza e o máximo de doçura.
Dá-nos mansidão nas palavras que tão facilmente perdem o sentido da humildade.
Dá-nos mansidão nos gestos que tão facilmente se fazem mecânicos e duros.
Dá-nos mansidão nos propósitos, que a competição empurra para uma agressividade sempre mais cortante.
Que o nosso coração não se pareça a uma arena inconciliável, mas se reconheça sim na mansidão das paisagens reconciliadas, aprendendo a lição dos pequenos cursos de água que, quase sem rumor, fazem florir a terra.
José Tolentino Mendonça in “Rezar de olhos abertos”.
Cooperar na divina redenção
Carta Encíclica Paenitentiam Agere do Sumo Pontífice João XXIII
Além das penitências que necessariamente temos de enfrentar pelas dores inevitáveis desta vida mortal, mister se faz que os cristãos sejam tão generosos a ponto de também oferecerem a Deus mortificações voluntárias, à imitação do nosso divino Redentor, que, segundo a expressão do príncipe dos apóstolos, “morreu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, a fim de vos conduzir a Deus. Morto na carne, foi vivificado no espírito”. “Pois que Cristo sofreu na carne, deveis também vós munir-vos desta convicção”.
Sirvam nisto de exemplo e de incitamento também os santos da Igreja, cujas mortificações infligidas ao seu corpo, não raro inocentíssimo, enchem-nos de admiração e quase nos assustam. Ante esses campeões da santidade, cristã, como não oferecer ao Senhor alguma privação ou pena voluntária da parte também dos fiéis, que talvez tantas culpas tenham a expiar? Elas são tanto mais agradáveis a Deus quanto não vêm da enfermidade natural da nossa carne e do nosso espírito, mas espontânea e generosamente são oferecidas ao Senhor em holocausto de suavidade.
Sabido é, enfim, que o concílio ecuménico tende a incrementar de nossa parte a obra da redenção, que nosso Senhor Jesus Cristo, “oferecendo-se… porque ele mesmo o quis”, veio trazer entre os homens não só com a revelação da sua celeste doutrina, mas também com o derramamento voluntário do seu sangue precioso.
Ora, podendo cada um de nós armar com S. Paulo apóstolo: “Eu me regozijo nos meus sofrimentos… e completo, na minha carne, o que falta das tribulações de Cristo, pelo seu corpo, que é a Igreja”, também nós devemos portanto alegrar-nos de poder oferecer a Deus os nossos sofrimentos “para a edificação do corpo de Cristo” que é a Igreja.
Antes, devemos sentir-nos imensamente alegres e honrados de sermos chamados a esta participação redentora da pobre humanidade, sobejas vezes desviada do recto caminho da verdade e da virtude.
Infelizmente muitos, em vez da mortificação e da renegação de si impostas por Jesus Cristo a todos os seus seguidores com estas palavras: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e siga-me”, antes procuram desenfreadamente os prazeres terrenos, e deturpam e debilitam as energias mais nobres do espírito.
Contra este modo de viver desregrado, que não raro desencadeia as paixões mais baixas e leva a grave perigo da salvação eterna, é preciso que os cristãos reajam com a fortaleza dos mártires e dos santos que sempre ilustraram a Igreja católica.
Como posso jejuar, dar esmola e rezar melhor?
Adérito Gomes Barbosa, scj
Com a Quarta-Feira de Cinzas damos início à Quaresma.
O horizonte deste tempo litúrgico é o grande Mistério da morte e ressurreição de Jesus que celebraremos na Páscoa. É para lá que caminhamos e é aí que definimos as coordenadas da nossa viagem.
Santo Inácio de Loyola diria que a celebração de hoje é o “princípio e fundamento” dos 40 dias que nos preparam para a Páscoa do Senhor e nos colocam em exercício de conversão da vida a partir de Deus.
O elemento que marca a celebração deste dia é a imposição das cinzas.
Ontem colocávamos as máscaras de Carnaval e a verdade é que, muitas vezes, nunca as chegamos a tirar! São as máscaras que usamos no dia-a-dia diante dos nós mesmos, dos outros e também diante de Deus, atrás das quais escondemos medos, inseguranças e fragilidades. Quando, no dia 20 de Maio de 1521, Inácio de Loyola perdia a grande batalha da sua carreira, ferido por uma bala de canhão, começava aí o seu trabalho interior de desmascarar a sua imagem de cavaleiro invencível para dar início a uma vida nova em Cristo. A ferida na perna ecoou na vida deste soldado como as palavras que acompanham o gesto da imposição das cinzas: «Lembra-te que és pó da terra e à terra hás-de voltar”.
Hoje somos também chamados a tirar as máscaras do orgulho, da auto-suficiência e da aparência para nos vermos como somos na realidade: criaturas frágeis e mortais.
Impor as cinzas na cabeça invoca em nós a experiência da finitude da vida humana. Tocamos a consciência da nossa própria fragilidade, da nossa pequenez e a consciência de que só em Deus temos a porta segura para a vida que não tem fim. A invasão da Ucrânia pela Rússia e a incerteza da dimensão deste conflito bélico traz um reconhecimento ainda maior dos nossos limites e lembra-nos quem somos mesmo pó, criaturas vulneráveis. Mas é na fraqueza que se revela a força de Deus, como diz São Paulo, e o que estamos a viver pede-nos para agarrarmos o mundo na sua fragilidade para o reconstruirmos a partir do olhar em Cristo.
Os meios que a Igreja nos propõe para a conversão interior encontram-se na Liturgia da Palavra desta Quarta-feira de Cinzas: jejum, esmola e oração.
São propostas apresentadas por Jesus como exercícios práticos de quem vai a um ginásio para se pôr em forma na vida espiritual.
O jejum desafia-nos a centrarmo-nos no essencial e a renunciar ao secundário. Consumimos muitos bens, imagens, ruídos, e o jejum educa a nossa vontade para a liberdade.
A par do tradicional jejum de alimento, devemos fazer jejum de excesso de tempo passado nas redes sociais para estarmos fisicamente mais uns com os outros, de tanto cuidado com a própria imagem para olharmos mais para a comunhão, de híper-activismo para aprender a viver mais devagar.
De seguida, a esmola desafia-nos a partilhar os bens que temos e que chamamos “nossos” para aprender a partilhar o que temos em excesso, mas sobretudo o que até nos faz falta, mas é essencial para alguém.
A esmola torna-nos solidários e sensíveis aos mais pobres, pede reconhecimento das necessidades de quem mais sofre e compromisso em caminhamos todos juntos.
Por fim, a oração desafia-nos a sintonizar mais com Deus, a afinar os critérios com que decidimos na vida a partir dos critérios do Evangelho e a crescer na amizade com Jesus.
É neste olhar novo sobre a renúncia e a liberdade, a oferta e a partilha, o silêncio e a relação, que se começa a transformar o coração. Como posso jejuar, dar esmola e rezar melhor?