Domingo VII do Tempo Comum (PDF) TEXTO

Faz-nos trilhar a estrada da mansidão

Jesus no deserto

Ajuda-nos a contrariar a ferocidade do tempo, fora e dentro de nós. Que a tua paz seja a fonte secreta que tudo irriga, inspira e sustenta.

Tudo provenha dessa paz sem vencidos nem vencedores; dessa paz que acalma as ameaças e os cercos implacáveis; dessa paz pronunciada ao mesmo tempo com o máximo de firmeza e o máximo de doçura.

Dá-nos mansidão nas palavras que tão facilmente perdem o sentido da humildade.

Dá-nos mansidão nos gestos que tão facilmente se fazem mecânicos e duros.

Dá-nos mansidão nos propósitos, que a competição empurra para uma agressividade sempre mais cortante.

Que o nosso coração não se pareça a uma arena inconciliável, mas se reconheça sim na mansidão das paisagens reconciliadas, aprendendo a lição dos pequenos cursos de água que, quase sem rumor, fazem florir a terra.

José Tolentino Mendonça in “Rezar de olhos abertos”.

Cooperar na divina redenção

Carta Encíclica Paenitentiam Agere do Sumo Pontífice João XXIII

William Etty, O arrependimento do filho pródigo

Além das penitências que necessariamente temos de enfrentar pelas dores inevitáveis desta vida mortal, mister se faz que os cristãos sejam tão generosos a ponto de também oferecerem a Deus mortificações voluntárias, à imitação do nosso divino Redentor, que, segundo a expressão do príncipe dos apóstolos, “morreu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, a fim de vos conduzir a Deus. Morto na carne, foi vivificado no espírito”. “Pois que Cristo sofreu na carne, deveis também vós munir-vos desta convicção”.

Sirvam nisto de exemplo e de incitamento também os santos da Igreja, cujas mortificações infligidas ao seu corpo, não raro inocentíssimo, enchem-nos de admiração e quase nos assustam. Ante esses campeões da santidade, cristã, como não oferecer ao Senhor alguma privação ou pena voluntária da parte também dos fiéis, que talvez tantas culpas tenham a expiar? Elas são tanto mais agradáveis a Deus quanto não vêm da enfermidade natural da nossa carne e do nosso espírito, mas espontânea e generosamente são oferecidas ao Senhor em holocausto de suavidade.

Sabido é, enfim, que o concílio ecuménico tende a incrementar de nossa parte a obra da redenção, que nosso Senhor Jesus Cristo, “oferecendo-se… porque ele mesmo o quis”, veio trazer entre os homens não só com a revelação da sua celeste doutrina, mas também com o derramamento voluntário do seu sangue precioso.
Ora, podendo cada um de nós armar com S. Paulo apóstolo: “Eu me regozijo nos meus sofrimentos… e completo, na minha carne, o que falta das tribulações de Cristo, pelo seu corpo, que é a Igreja”, também nós devemos portanto alegrar-nos de poder oferecer a Deus os nossos sofrimentos “para a edificação do corpo de Cristo” que é a Igreja.
Antes, devemos sentir-nos imensamente alegres e honrados de sermos chamados a esta participação redentora da pobre humanidade, sobejas vezes desviada do recto caminho da verdade e da virtude.

Infelizmente muitos, em vez da mortificação e da renegação de si impostas por Jesus Cristo a todos os seus seguidores com estas palavras: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e siga-me”, antes procuram desenfreadamente os prazeres terrenos, e deturpam e debilitam as energias mais nobres do espírito.

Contra este modo de viver desregrado, que não raro desencadeia as paixões mais baixas e leva a grave perigo da salvação eterna, é preciso que os cristãos reajam com a fortaleza dos mártires e dos santos que sempre ilustraram a Igreja católica.

Como posso jejuar, dar esmola e rezar melhor?

Adérito Gomes Barbosa, scj

Com a Quarta-Feira de Cinzas damos início à Quaresma.
O horizonte deste tempo litúrgico é o grande Mistério da morte e ressurreição de Jesus que celebraremos na Páscoa. É para lá que caminhamos e é aí que definimos as coordenadas da nossa viagem.
Santo Inácio de Loyola diria que a celebração de hoje é o “princípio e fundamento” dos 40 dias que nos preparam para a Páscoa do Senhor e nos colocam em exercício de conversão da vida a partir de Deus.

O elemento que marca a celebração deste dia é a imposição das cinzas.
Ontem colocávamos as máscaras de Carnaval e a verdade é que, muitas vezes, nunca as chegamos a tirar! São as máscaras que usamos no dia-a-dia diante dos nós mesmos, dos outros e também diante de Deus, atrás das quais escondemos medos, inseguranças e fragilidades. Quando, no dia 20 de Maio de 1521, Inácio de Loyola perdia a grande batalha da sua carreira, ferido por uma bala de canhão, começava aí o seu trabalho interior de desmascarar a sua imagem de cavaleiro invencível para dar início a uma vida nova em Cristo. A ferida na perna ecoou na vida deste soldado como as palavras que acompanham o gesto da imposição das cinzas: «Lembra-te que és pó da terra e à terra hás-de voltar”.
Hoje somos também chamados a tirar as máscaras do orgulho, da auto-suficiência e da aparência para nos vermos como somos na realidade: criaturas frágeis e mortais.

Impor as cinzas na cabeça invoca em nós a experiência da finitude da vida humana. Tocamos a consciência da nossa própria fragilidade, da nossa pequenez e a consciência de que só em Deus temos a porta segura para a vida que não tem fim. A invasão da Ucrânia pela Rússia e a incerteza da dimensão deste conflito bélico traz um reconhecimento ainda maior dos nossos limites e lembra-nos quem somos mesmo pó, criaturas vulneráveis. Mas é na fraqueza que se revela a força de Deus, como diz São Paulo, e o que estamos a viver pede-nos para agarrarmos o mundo na sua fragilidade para o reconstruirmos a partir do olhar em Cristo.

Os meios que a Igreja nos propõe para a conversão interior encontram-se na Liturgia da Palavra desta Quarta-feira de Cinzas: jejum, esmola e oração.
São propostas apresentadas por Jesus como exercícios práticos de quem vai a um ginásio para se pôr em forma na vida espiritual.
O jejum desafia-nos a centrarmo-nos no essencial e a renunciar ao secundário. Consumimos muitos bens, imagens, ruídos, e o jejum educa a nossa vontade para a liberdade.
A par do tradicional jejum de alimento, devemos fazer jejum de excesso de tempo passado nas redes sociais para estarmos fisicamente mais uns com os outros, de tanto cuidado com a própria imagem para olharmos mais para a comunhão, de híper-activismo para aprender a viver mais devagar.
De seguida, a esmola desafia-nos a partilhar os bens que temos e que chamamos “nossos” para aprender a partilhar o que temos em excesso, mas sobretudo o que até nos faz falta, mas é essencial para alguém.
A esmola torna-nos solidários e sensíveis aos mais pobres, pede reconhecimento das necessidades de quem mais sofre e compromisso em caminhamos todos juntos.
Por fim, a oração desafia-nos a sintonizar mais com Deus, a afinar os critérios com que decidimos na vida a partir dos critérios do Evangelho e a crescer na amizade com Jesus.

É neste olhar novo sobre a renúncia e a liberdade, a oferta e a partilha, o silêncio e a relação, que se começa a transformar o coração. Como posso jejuar, dar esmola e rezar melhor?

 

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