IV Domingo do Advento (PDF) TEXTO
Deus connosco

Francisco de Herrera, O Jovem, Sonho de São José
«Emanuel, que que quer dizer Deus connosco». Sim, Deus connosco!
Até aqui era Deus acima de nós, Deus diante de nós, mas hoje Ele é «Emanuel».
Hoje, Ele é Deus connosco na nossa natureza e connosco na sua graça; connosco na nossa fraqueza e connosco na sua bondade; connosco na nossa miséria e connosco na sua misericórdia; connosco por amor, connosco por laços de família, connosco por ternura, connosco por compaixão.
E como poderia Ele estar ainda mais comigo? Pequeno como eu, fraco, nu e pobre como eu, em tudo como eu, tomando do que é meu e dando-me do que é seu, a mim que jazia como morto, sem voz e sem sentidos, sem sequer a luz dos meus olhos.
Santo Aelredo de Rievaulx
S. José, homem justo com os mesmos sonhos de Deus
Ermes Ronchi, In Avvenire

Rembrandt, O sonho de São José
Entre os guardiães da espera encontramos José, homem dos sonhos e das mãos calosas, o último patriarca do antigo Israel, selo de uma história grávida de contradições e de promessas: a sua casa e os seus sonhos narram uma história de amor, as suas dúvidas e o coração ferido falam de uma história humaníssima de expectativas e de crises.
Antes que fossem viver juntos, Maria encontrou-se grávida… Então, José pensou repudiá-la em segredo. Na ocultação. É a única maneira que discerne para salvar Maria do risco da lapidação, porque a ama, ela ocupou-lhe a vida, o coração, até os sonhos.
De quem aprendeu Jesus a opor-se à lei antiga, a colocar a pessoa antes das regras, se não ouvindo contar de Jesus a história daquele amor que O fez nascer, a história de um encobrimento pensado para subtrair a mãe à lapidação?
Como aprendeu Jesus a escolher aquela palavra que se diz na intimidade familiar, “abbà”, palavra de criança, tão identitária e exclusiva, a não ser daquele homem de olhos e coração profundos? Ao chamar José de “abbà”, papá, aprendeu o que evoca esse nome doce e fortíssimo, como é a revelação do rosto de amor de Deus.
José que nunca fala, de quem o Evangelho não recorda sequer uma palavra, homem silencioso e corajoso, concreto e livre, sonhador: os destinos do mundo foram confiados aos seus sonhos.
Porque o homem justo tem os mesmos sonhos de Deus. Para sonhar é preciso coragem, não só fantasia, Significa não contentar-se com o mundo tal como é. A matéria de que são feitos os sonhos é a esperança (Shakespeare).
O Evangelho reporta quatro sonhos de José, sonhos de palavras. E de cada vez trata-se de um anúncio parcial, incompleto, de cada vez uma profecia breve, demasiado breve, sem um horizonte claro, sem dada de regresso. E todavia suficiente para apertar a si a Mãe e o Menino, para se pôr a caminho para o Egipto, e depois para retomar o itinerário de casa.
É a via imperfeita dos justos, e até dos profetas, melhor, de cada crente: «Luz terna, suave, no meio da noite,/ Leva-me mais longe…/ Não tenho aqui morada permanente: Leva-me mais longe… // Que importa se é tão longe para mim/ A praia aonde tenho de chegar,/ Se sobre mim levar constantemente/ Poisada a clara luz do teu olhar? (…)// Se Tu me dás a mão, não terei medo,/ Meus passos serão firmes no andar./ Luz terna, suave, leva-me mais longe:/ Basta-me um passo para a ti chegar» (card. John Henry Newman).
Também nós teremos tanta luz quanto nos baste para um só passo, e depois a luz renovar-se-á, como os sonhos de José. Teremos tanta coragem quanto nos baste para enfrentar a primeira noite. Depois a coragem renovar-se-á, como os anjos do justo José.
O silêncio de José
Papa Francisco, catequese sobre São José, Dez 2021
Hoje, muitas vezes precisamos de silêncio.
O silêncio é importante. Estou impressionado com um verso do Livro da Sabedoria que foi lido a pensar no Natal, que diz: “Quando a noite estava no silêncio mais profundo, a tua palavra desceu à terra”.
No momento de maior silêncio Deus manifestou-Se. É importante pensar no silêncio nesta época na qual ele parece ter tão pouco valor.
Os Evangelhos não registam quaisquer palavras de José de Nazaré, nada, nunca falou. Isto não significa que ele fosse taciturno, há uma razão mais profunda. Com este silêncio, José confirma o que Sto Agostinho escreveu: «Na medida em que cresce em nós a Palavra – o Verbo que se fez homem – diminuem as palavras».
João Baptista, que é «a voz que clama no deserto: “Preparai o caminho do Senhor”» , diz em relação ao Verbo: «Ele deve crescer e eu diminuir». Significa que Ele deve falar e eu devo ficar calado e José com o seu silêncio convida-nos a deixar espaço à Presença da Palavra feita carne, a Jesus.
O silêncio de José não é mutismo; é um silêncio cheio de escuta, um silêncio laborioso, um silêncio que faz emergir a sua grande interioridade. «O Pai pronunciou uma palavra, e foi o Filho – comentou São João da Cruz – e ela fala sempre em eterno silêncio, e no silêncio deve ser ouvida pela alma».
Jesus cresceu nesta “escola”, na casa de Nazaré, com o exemplo diário de Maria e José. E não surpreende que Ele próprio procurará espaços de silêncio nos seus dias e convidará os seus discípulos a fazerem esta experiência, por exemplo: «Vinde, retiremo-nos a um lugar deserto, e repousai um pouco».
Como seria bom se cada um de nós, seguindo o exemplo de São José, conseguisse recuperar esta dimensão contemplativa da vida aberta precisamente pelo silêncio. Mas todos sabemos por experiência que não é fácil: o silêncio assusta-nos um pouco, porque nos pede para entrarmos em nós mesmos e encontrarmos a parte mais verdadeira de nós. Muita gente tem receio do silêncio, deve falar, falar, falar ou ouvir rádio, televisão…, mas não pode aceitar o silêncio porque tem medo.
O filósofo Pascal observou que «toda a infelicidade dos homens provém de uma só coisa: não saber ficar tranquilo num quarto».
Aprendamos de São José a cultivar espaços de silêncio, nos quais possa surgir outra Palavra, isto é, Jesus, a Palavra: a do Espírito Santo que habita em nós e que traz Jesus. Não é fácil reconhecer esta Voz, que muitas vezes se confunde com os milhares de vozes de preocupações, tentações, desejos e esperanças que nos habitam; mas sem este treino que provém precisamente da prática do silêncio, até a nossa fala pode adoecer.
Sem a prática do silêncio o nosso falar adoece.
Em vez de fazer resplandecer a verdade, pode tornar-se uma arma perigosa. De facto, as nossas palavras podem tornar-se adulação, jactância, mentira, maledicência, calúnia.