Domingo XXXIII do Tempo Comum (PDF)     TEXTO

Jesus e os Apóstolos na tempestade, Jan Brueghel O Velho

O Evangelho guia-nos ao longo das cordilheiras da história:
de um lado, a vertente sombria da violência, o coração de treva que destrói; do outro, a vertente da ternura que salva: nem um cabelo da vossa cabeça será perdido.

O Evangelho não antecipa as coisas últimas, revela o sentido último das coisas.
Após cada crise anuncia um ponto de ruptura, uma inversão para novos horizontes, que abre uma brecha de esperança.

Virão guerras e atentados, revoluções e desilusões cruéis, ânsias e medos, mas vós levantai a cabeça, erguei-vos de novo.
Homem e natureza podem libertar todo o seu potencial destrutivo, todavia não podem nada contra o amor.

Diante da ternura de Deus são impotentes. No caos da história, o seu olhar está fixo em mim. Ele é o guardião enamorado de todo o meu fragmento mais pequeno.

Ermes Ronchi, In Avvenire

 

A esperança cristã: Força dos mártires

Papa Francisco, 28 de Junho de 2017

Michael van Coxie, São Sebastião

Quando, no Evangelho, Jesus convida os discípulos à missão, não os ilude com miragens de sucesso fácil; ao contrário, adverte-os claramente que o anúncio do Reino de Deus comporta sempre uma oposição.
E usa uma expressão extrema: “Sereis odiados de todos por causa do meu nome”.

Os cristãos amam, mas nem sempre são amados. Jesus coloca-nos imediatamente diante desta realidade: numa medida mais ou menos forte, a confissão da fé ocorre num clima de hostilidade. Portanto, os cristãos são homens e mulheres “contracorrente”.

É normal: dado que o mundo está marcado pelo pecado, que se manifesta em várias formas de egoísmo e de injustiça, quem segue Cristo caminha em direcção contrária.
E a primeira indicação é a pobreza.
Quando Jesus envia os seus em missão, parece que presta mais atenção ao “despojá-los” do que ao “vesti-los”!

O cristão percorre o seu itinerário neste mundo com o que é essencial para o caminho, porém com o coração cheio de amor.
A verdadeira derrota para ele ou para ela é cair na tentação da vingança e da violência, respondendo ao mal com o mal. Jesus diz-nos: «Eu envio-vos como ovelhas no meio de lobos». Por conseguinte, sem fauces, garras e armas. Pelo contrário, o cristão deverá ser prudente, por vezes inclusive astuto. Mas nunca deve ceder à violência.

A única força do cristão é o Evangelho.
Nos momentos de dificuldade, devemos acreditar que Jesus está diante de nós, e não deixa de acompanhar os seus discípulos.
A perseguição não é uma contradição ao Evangelho, mas faz parte dele: se perseguiram o nosso Mestre, como podemos esperar ser dispensados da luta?
Porém, no meio do turbilhão, o cristão não deve perder a esperança, pensando que foi abandonado. Jesus tranquiliza os seus dizendo: «Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados». É como dizer que nenhum dos sofrimentos do homem, nem sequer os mais insignificantes e escondidos, são invisíveis aos olhos de Deus.
De facto, há no meio de nós Alguém que é mais forte do que o mal, mais forte do que as máfias, do que as tramas obscuras, de quem se beneficia com as desgraças dos desesperados, de quem esmaga os outros com prepotência… Alguém que desde sempre ouve a voz do sangue de Abel que grita da terra.

Portanto, os cristãos devem deixar-se encontrar sempre “do outro lado” do mundo, o escolhido por Deus: não perseguidores, mas perseguidos; não arrogantes, mas mansos; não vendedores de fumaça, mas submetidos à verdade; não impostores, mas honestos.
Esta fidelidade ao estilo de Jesus até à morte, será chamada pelos primeiros cristãos com um nome belíssimo: “martírio”, que significa “testemunho”. Os mártires não vivem para si mesmos, não combatem para afirmar as próprias ideias, e aceitam ter que morrer somente por fidelidade ao Evangelho.

O martírio não é nem sequer o ideal supremo da vida cristã, porque acima dele há a caridade, ou seja, o amor a Deus e ao próximo. Explica-o muito bem o apóstolo Paulo no hino à caridade: «Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria».

Por vezes, lendo as histórias de muitos mártires de ontem e de hoje ficamos surpreendidos perante a determinação com a qual enfrentaram a provação. Esta força é sinal da grande esperança que os animava: a esperança certa de que nada e ninguém os podia separar do amor de Deus que nos foi doado em Jesus Cristo.

 

Pela vossa perseverança salvareis as vossas almas

Apelo aos Apóstolos, António Arias

A fé manifesta-se em três passos: tenho necessidade, fio-me, confio-me.

E acredita que no tempo da tempestade, Deus não está noutro lugar, está no reflexo mais profundo das tuas lágrimas, a fazer de dique aos teus medos. Deus está presente, não como tu quererias, mas como Ele quer.

Está presente, mas ao seu modo: não age no meu lugar mas juntamente comigo, não para me isentar da tempestade mas para me dar força dentro da tempestade. Fazendo apelo à perseverança, à resistência, a não deixar cair os braços, a voltar a agarrar nos remos e no balde para esvaziar a água.

«Eram perseverantes», diz Lucas ao descrever os apóstolos após a ascensão de Jesus (Actos 1, 14), e a perseverança é virtude humilde, sem efeitos especiais cinematográficos, não está sob os projectores, mas é cimento da comunidade. Mesmo a primeira comunidade cristã de Jerusalém é narrada com este adjectivo colocado ao início, como uma placa indicadora, um sinal na estrada: «Eram perseverantes no ensinamento dos apóstolos e na comunhão, no partir o pão e na oração» (Actos 2, 42).

A perseverança não é clamorosa, não arranca aplausos, mas é a virtude sólida que faz avançar a barca da comunidade. Quando, como os doze, não te rendes, mas continuas a remar e a lutar, as mãos no leme, os olhos a perscrutar a margem, e fazes tudo o que deves fazer, então encontra-l’O no coração da tempestade. E faz-se dique e fronteira para o teu medo. Fé nua é perseverar, inclusive na borrasca, certo de que Deus está na minha barca, que cruza o seu respiro com o meu, a sua rota com a minha.

Talvez adormecido. Talvez mudo. Mas se fala é por amor, se cala é também por amor.

Ermes Ronchi, In L’Osservatore Romano

 

 

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