Domingo II da Quaresma (PDF) TEXTO
PARTICIPAR NA GLÓRIA DE DEUS
Se o primeiro Domingo da Quaresma nos apresentou Jesus em confronto com a tentação, face a face com Satanás na solidão do deserto, este segundo Domingo mostra-nos Jesus que conhece a transfiguração do seu rosto e de toda a sua pessoa, tornando-se participante da indizível glória do Pai.
No itinerário quaresmal, a transfiguração de Jesus indica o fim a que tende este caminho: a ressurreição, de que a transfiguração é antecipação e profecia.
Enzo Bianchi
TRANSFIGURAÇÕES
Fr. José Augusto Mourão, Quem vigia o vento não semeia
Jesus só raramente permite este momento de Tabor na nossa vida.
A oração verdadeira deve levar-nos a descer da montanha para retomar a monotonia das planícies espirituais.
«Este é o meu Filho bem-amado: escutai-O». Há dois milénios que este apelo é dirigido aos crentes. O mal não terá a última palavra.
Este Evangelho é um resumo de toda a Revelação. Aí estão Moisés e Elias, que apresentam Cristo aos apóstolos.
Somos nós hoje que somos enviados a anunciar a ressurreição. Os apóstolos tiveram esta revelação no dia da Transfiguração e sobretudo na manhã de Páscoa.
Os discípulos descobrem que a oração de Jesus é transfigurante. Eis aqui uma boa nova para o nosso mundo tão desfigurado pelo ódio, a violência, o rancor, as guerras, a corrida aos interesses pessoais.
O primeiro testemunho que podemos dar-lhe é o da atenção ao que nos afecta. Todos conhecemos momentos de graça e de iluminação na nossa vida. É a partir dessa iluminação que retomamos as forças para nos levantarmos e continuarmos.
Santo Inácio diz-nos que a alegria é um dos frutos do Espírito, enquanto a tristeza e o desencorajamento denunciam a presença de Satã, o adversário.
A acção mais profunda de Deus em nós é aquela em que ele se gera pelo Espírito, através da oração.
Ora, só o desejo reza. Não como tendência, nem pulsão, nem gozo mas como esperança. O desejo visa o real que não conhecemos e que só podemos esperar, como algo que nos é dado. Visa sempre um além do prazer, o que é impossível imaginar, a Vida.
A origem do desejo é o Espírito em nós. Só conhecemos o desejo pelos seus efeitos: a alegria.
«Escutai-O!»; responder à palavra separa-nos do eu, desaloja-nos. Temos de ouvir o Espírito mais do que dizê-lo. Falar com o outro entre duas portas ou de uma sala a outra nunca permitirá que o outro tome o lugar de interlocutor.
O caminho é o tempo da paciência, da espera. Este é o tempo para reinventar o risco e a aventura contra a segurança e o conforto.
E porque esse é o caminho do amor, que o Espírito para lá nos conduza.
Quando o sofrimento nos bate à porta, cobre-nos como um manto de neve, silenciosa e fria. Esse é o nosso inverno e a nossa desolação. Pedimos então que no nosso corpo se cumpra a metamorfose por que passou o Filho amado.
Porque nós somos também a coroa que Deus ama. Por breves instantes, somos introduzidos na nuvem da glória, à espera que a sua Palavra nos aqueça e mova. Que o Espírito nos revele o sentido de todas as coisas para caminharmos na inteligência da fé, sem medos nem fantasmas, com alguma luz no coração e em boa companhia para a passagem por que todos teremos de passar.
TRANSFIGURADOS NA ESPERANÇA
Papa Bento XVI
A montanha – o Tabor como o Sinai – é o lugar da proximidade com Deus.
É o espaço elevado, em relação à existência quotidiana, onde respirar o ar puro da criação. É o lugar da oração, no qual estar na presença do Senhor, como Moisés e como Elias, que aparecem ao lado de Jesus transfigurado e falam com Ele acerca do “êxodo” que o espera em Jerusalém, isto é, da sua Páscoa.
A Transfiguração é um acontecimento de oração: rezando, Jesus imerge-Se em Deus, une-Se intimamente a Ele, adere com a própria vontade humana à vontade de amor do Pai, e assim a luz invade-O e torna-se visível a verdade do seu ser: Ele é Deus, Luz da Luz.
Também a veste de Jesus se torna branca e resplandecente.
Isto faz pensar no Baptismo, na veste branca que os neófitos traziam. Quem renasce no Baptismo é revestido de luz antecipando a existência celeste, que o Apocalipse representa com o símbolo das vestes brancas.
Encontra-se aqui o ponto central: a transfiguração é antecipação da ressurreição, mas esta pressupõe a morte.
Jesus manifesta aos Apóstolos a sua glória, para que tenham a força de enfrentar o escândalo da cruz e compreendam que é preciso passar através de muitas tribulações para alcançar o Reino de Deus.
A voz do Pai, que ressoa do alto, proclama Jesus seu Filho predilecto como no Baptismo no Jordão, acrescentando: “Ouvi-O”.
Para entrar na vida eterna é preciso ouvir Jesus, segui-l’O pelo caminho da cruz, levando no coração como Ele a esperança da ressurreição.
“Spe salvi”, salvos na esperança. Hoje podemos dizer: “Transfigurados na esperança”.
Dirigindo-nos agora em oração a Maria, reconheçamos n’Ela a criatura humana transfigurada interiormente pela graça de Cristo, e confiemos na sua orientação para percorrer com fé e generosidade o percurso da Quaresma.