Santíssima Trindade (PDF) TEXTO
Na sua humildade dócil, a Virgem Maria fez-se serva do Amor divino: acolheu a vontade do Pai
e concebeu o Filho por obra do Espírito Santo.
Nela o Todo-Poderoso construiu para si um templo digno dele, fazendo do mesmo o modelo e a imagem da Igreja, mistério e casa de comunhão para todos os homens.
Papa Bento XVI, 2009
A Trindade, espelho do nosso coração profundo
Ermes Ronchi, Avvenire
Os termos que Jesus escolhe para falar da Trindade são nomes de família, de afecto: Pai e Filho, nomes que abraçam, que se abraçam.
Espírito é nome que diz respiração: cada vida volta a respirar quando se sabe acolhida, tomada de cuidado, abraçada.
No princípio de tudo é colocada uma relação, um laço. E se nós somos feitos à sua imagem e semelhança, então a narrativa de Deus é ao mesmo tempo narrativa do ser humano, e o dogma não permanece uma doutrina fria, mas traz-me toda uma sabedoria do viver.
Coração de Deus e do ser humano é a relação: é por isso que a solidão me pesa e atemoriza, porque é contra a minha natureza.
É por isso que quando amo ou encontro amizade fico bem, porque sou de novo à imagem da Trindade.
Na Trindade é colocado o espelho do nosso coração profundo e do sentido último do universo. No princípio e no fim, origem e cume do humano e do divino, está o laço de comunhão.
Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho…
Nestas palavras João encerra o porquê último da incarnação, da cruz, da salvação: assegura-nos que Deus na eternidade não faz outra coisa senão considerar cada homem e cada mulher mais importante que Ele próprio.
No Evangelho o verbo amar traduz-se sempre com um outro verbo concreto, prático, forte, o verbo dar (não há maior amor do que dar a própria vida).
Amar não é um facto sentimental, não equivale e emocionar-se ou a enternecer-se, mas a dar, um verbo de mãos e de gestos.
Deus não enviou o Filho para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo.
Salvo do único grande pecado: o desamor. Jesus é o curador do desamor (V. Fasser). O que explica toda a história de Jesus, o que justifica a cruz e a Páscoa não é o pecado do homem, mas o amor pelo homem; não algo a tirar à nossa vida, mas algo a acrescentar: porque quem quer que acredite tenha mais vida.
Deus amou tanto o mundo… E não apenas os seres humanos, mas o mundo inteiro, terra e colheitas, plantas e animais. (…)
Diante da Trindade sinto-me pequeno mas abraçado, como um bebé: abraçado dentro de um vento em que navega toda a criação e que tem por nome amor.
O Espírito Santo: dois textos
D. José Tolentino de Mendonça
Na tradição cristã, há a consciência que o discurso sobre a Trindade nos obriga a trocar as palavras por balbucios. Agostinho de Hipona, por exemplo, demorou dezasseis anos a concluir o seu Tratado “De Trinitate”, e ele próprio confessa, com algum humor: «Ainda jovem, dei início à escrita destes livros: só na velhice dei-os a público».
Em todos os «segundos nascimentos», sempre que a vida nos impele a um recomeço, seja a partir de feridas e perdas, seja a partir de encontros e esperanças, o «esquema trinitário» é-nos imprescindível. «A nossa solidão só pode ser curada quando expressa criativamente e quando ajudada por alguma outra pessoa, que cria assim uma situação triangular. Somos dois, conversamos: o terceiro é a palavra. A palavra, que vem sempre de outro, prova que somos três».
Não se entende o mistério da Santíssima Trindade, nem o da nossa Humanidade, sem pensarmos no que é a amizade. Simone Weil (cujo lastro é tão patente neste texto de Ronchi) explicita-o assim: «A amizade pura é uma imagem da amizade original e perfeita que é a da Trindade e que é a própria essência de Deus.
É impossível que dois seres humanos sejam um e, não obstante, respeitem escrupulosamente a distância que os separa, se Deus não estiver presente em cada um deles. O ponto de encontro das paralelas está no infinito.»
Um amigo, por definição, é alguém que caminha a nosso lado, mesmo se separado por milhares de quilómetros ou por dezenas de anos. O longe e a distância são completamente relativizados pela prática da amizade. De igual maneira, o silêncio e a palavra. Um amigo reúne estas condições que parecem paradoxais: ele é ao mesmo tempo a pessoa a quem podemos contar tudo e é aquela junto de quem podemos estar longamente em silêncio, sem sentir por isso qualquer constrangimento.
A amizade cimenta-se na capacidade de fazer circular o relato da vida, a partilha das pequenas histórias, a nomeação verbal do lume mais íntimo que nos alumia. A amizade é fundamentalmente uma grande disponibilidade para a escuta, como se aquilo que dizemos fosse sempre apenas a ponta visível de um maravilhoso mundo interior e escondido, que não serão as palavras a expressar.
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