Domingo II da Páscoa (PDF) TEXTO
Razão e Revelação
Os discípulos encontraram um Ser divino transformado, não um cadáver ressuscitado. Reconheceram o seu amigo e mestre, Jesus de Nazaré, mas Ele era agora o seu Senhor na glória.
A fé pascal [morte e ressurreição] requer um movimento gracioso do Jesus da história para o Cristo em glória, o Filho de Deus.
A história de Tomé testemunha essa transição. Ele deslocou-se da busca de provas físicas para uma teofania que o deixou de joelhos em adoração.
Ele queria “ver” com os seus olhos humanos, mas, em vez disso, a sua mente e seu coração foram abertos a um mistério que somente os crentes podem apreender.
Todas as narrativas de aparições nos Evangelhos são mais do que comprovação de factos; são encontros que mudam a vida com um mistério que transcende tempo e espaço.
Pat Marrin, National Catholic Reporterou
A comunidade ideal
Dehonianos, 2023
Como será a comunidade ideal, que nasce do Espírito e do testemunho dos apóstolos?
É uma comunidade de irmãos, que vive em comunhão fraterna. Essa fraternidade resulta da identificação com Cristo e da vida de Cristo que anima cada crente – membros, todos eles, do mesmo corpo – o Corpo de Cristo.
É uma comunidade assídua ao ensino dos apóstolos. Quer dizer, é uma comunidade empenhada em conhecer e acolher a proposta de salvação que vem de Jesus, através do testemunho dos apóstolos (e não através dessas doutrinas estranhas trazidas pelos falsos mestres e que começam a invadir a comunidade). A catequese deve incidir sobre a pessoa de Jesus, o seu projecto, os seus valores, a sua vida de doação e de entrega.
Os crentes são convidados a descobrir que o sentido fundamental da vida está na obediência ao plano do Pai e na entrega aos irmãos; e que uma vida vivida assim conduz à ressurreição e à vida plena, mesmo que passe pela experiência da cruz.
É uma comunidade que celebra liturgicamente a sua fé. Lucas aponta dois momentos celebrativos fundamentais: a “fracção do pão” e as “orações”.
A “fracção do pão” parece ser uma expressão técnica para designar o memorial da “ceia do Senhor”, ou “eucaristia”. Era a celebração que resumia toda a vida do Senhor Jesus, feita doação da vida e entrega até à morte. Acompanhada, em geral, de uma refeição fraterna, ela comportava ainda orações, uma pregação e, talvez, gestos de comunhão e de partilha entre os cristãos. Era um momento de alegria, em que a comunidade celebrava a sua união a Jesus e a comunhão fraterna que daí resultava.
Temos, ainda, as “orações”. Os primeiros cristãos continuaram a frequentar o Templo e a participar da oração da comunidade judaica; no entanto, é bastante provável que a comunidade cristã tenha começado a sentir a necessidade de se encontrar para a oração tipicamente cristã, centrada na pessoa de Jesus; e é, talvez, a esta oração comunitária cristã que Lucas se refere.
A comunidade de Jesus é, portanto, uma comunidade que se junta para rezar, para louvar o seu Senhor.
É uma comunidade que partilha os bens.
Da comunhão com Cristo, resulta a comunhão dos cristãos entre si; e isso tem implicações práticas. Em concreto, implica a renúncia a qualquer tipo de egoísmo, de auto-suficiência, de fechamento em si próprio e uma abertura de coração para a partilha, para o dom, para o amor.
Expressão concreta dessa partilha e desse dom é a comunhão dos bens: “tinham tudo em comum; vendiam propriedades e bens e distribuíam o dinheiro por todos, conforme as necessidades de cada um” – vers. 44-45).
É uma forma concreta de mostrar que a vida nova de Jesus, assumida pelos crentes, não é “conversa fiada”; mas é uma libertação da escravidão do egoísmo e um compromisso verdadeiro com o amor, com a partilha, com o dom da vida.
É uma comunidade que dá testemunho.
Os gestos realizados pelos apóstolos enchiam toda a gente de temor – quer dizer, infundiam em todos aqueles que os testemunhavam a inegável certeza da presença de Deus e dos seus dinamismos de salvação. Além disso, a piedade, o amor fraterno, a alegria e a simplicidade dos crentes provocavam a admiração e a simpatia de todo o povo; essa forma de viver interpelava os habitantes de Jerusalém e fazia com que aumentasse todos os dias o número dos que aderiam à proposta de Jesus e à comunidade da salvação.
A primitiva comunidade cristã, nascida do dom de Jesus e do Espírito é verdadeiramente uma comunidade de homens e mulheres novos, que dá testemunho da salvação e que anuncia a vida plena e definitiva.
A comunidade cristã de Jerusalém era, de facto, esta comunidade ideal? Possivelmente, não (outros textos dos Actos falam-nos de tensões e problemas – como acontece com qualquer comunidade humana); mas a descrição, que Lucas aqui faz, aponta para a meta a que toda a comunidade cristã deve aspirar, confiada na força do Espírito.
Trata-se, portanto, de uma descrição da comunidade ideal, que pretende servir de modelo à Igreja e às igrejas de todas as épocas.
Recebi a paz: dou-a ao outro
Papa Francisco, Abril de 2022
A misericórdia de Deus dá alegria, uma alegria especial, a alegria de se sentir gratuitamente perdoado.
Quando, ao entardecer do dia de Páscoa, os discípulos veem Jesus e O ouvem dizer pela primeira vez «a paz esteja convosco», alegram-se. Estavam trancados em casa com medo; mas também estavam fechados em si mesmos, dominados por uma sensação de fracasso.
Eram discípulos que tinham abandonado o Mestre: no momento da sua prisão, fugiram. Pedro até O negara três vezes, e um elemento do seu grupo – mesmo um deles – fora o traidor. Tinham motivos para se sentir não apenas assustados, mas fracassados, gente sem valor algum. No passado, é claro, eles tinham feito escolhas corajosas, seguiram o Mestre com entusiasmo, compromisso e generosidade, mas no fim tudo desmoronara; o medo prevalecera e eles tinham cometido este grande pecado: deixar Jesus sozinho no momento mais trágico. Antes da Páscoa, pensavam que estavam feitos para grandes coisas, discutiam sobre quem era o maior entre eles, etc. Agora, tocaram o fundo…
Neste clima, ouvem pela primeira vez «a paz esteja convosco!» Os discípulos deveriam ter sentido vergonha e, em vez disso, alegraram-se (quem os entende!). E porquê? Porque aquele rosto, aquela saudação, aquelas palavras desviam-lhes a atenção de si mesmos para Jesus: de facto, «os discípulos alegraram-se – o texto especifica – ao ver o Senhor»). São desviados de si mesmos e dos seus fracassos, e atraídos pelo olhar do Senhor, onde não há severidade, mas misericórdia. Cristo não acusa a propósito do passado, mas concede-lhes a benevolência de sempre. E isto reanima-os, infunde nos seus corações a paz perdida, torna-os homens novos, purificados por um perdão concedido desinteressadamente, um perdão concedido sem méritos.
Esta é a alegria de Jesus, a alegria que sentimos, também nós, ao experimentar o seu perdão. Já nos aconteceu, depois de uma queda, um pecado, um fracasso, assemelhar-nos aos discípulos da Páscoa. Nesses momentos, parece que já não há nada a fazer; mas precisamente então o Senhor tudo faz para nos dar a sua paz: através de uma Confissão, das palavras de uma pessoa que se aproxima, de uma consolação interior do Espírito, de um acontecimento inesperado e surpreendente…
De várias maneiras Deus Se desvela para fazer-nos sentir o abraço da sua misericórdia, uma alegria que provem de receber «o perdão e a paz».
Sim, a alegria de Deus é uma alegria que nasce do perdão e deixa a paz; uma alegria que levanta sem humilhar, como se o Senhor não entendesse o que está acontecendo.
Irmãos e irmãs, façamos memória do perdão e da paz que recebemos de Jesus. Cada um de nós já os recebeu; cada um de nós já teve experiência deles. Um pouco de memória deles far-nos-á bem! Assim alimentaremos a alegria. Porque já nada pode ser como antes para quem experimenta a alegria de Deus! Esta alegria transforma-nos!
Os discípulos não apenas recebem misericórdia, mas tornam-se dispensadores da mesma misericórdia que receberam. Recebem este poder, mas não pelos seus méritos, pelos seus estudos; é um puro dom da graça, mas que se baseia na sua experiência de homens perdoados.
Cada um de nós recebeu o Espírito Santo no Baptismo para ser homem e mulher de reconciliação. Quando experimentamos a alegria de ser libertos do peso dos nossos pecados, dos nossos fracassos; quando sabemos em primeira mão o que significa renascer, depois de uma experiência que parecia não ter saída, então sentimos necessidade de partilhar o pão da misericórdia com aqueles que nos rodeiam.