III Domingo do Advento (PDF)     TEXTO

 

Leonardo da Vinci, São João Baptista

 

 

O compromisso de todos os cristãos é ser testemunhas de Jesus, encher a vida com aquele gesto que foi típico de João Baptista: indicar Jesus.

A grandeza de João consiste precisamente neste ser provisório, neste seu «ser para», um testemunho provisório mas seguro, forte.

O seu ser tocha que não se deixou apagar pelo vento da vaidade e voz que não se deixou diminuir pela força do orgulho.

Papa Francisco, 2016

 

 

 

 

 

 

 

A vida espiritual é a arte da espera

Enzo Bianchi, 2012

As nossas sociedades contemporâneas ocidentais vivem sob o reino dominador do instantâneo. Não paramos de correr. Vivemos um tempo rápido, apressado, disperso, dividido numa multiplicidade de instantes que não têm verdadeiramente ligações entre eles. O homem do século XXI é muitas vezes uma pessoa sem memória, separado das raízes da sua história.

É difícil projectar-se numa civilização do imediato. Não sabemos de que será feito o amanhã mas, mais grave, não se procura sabê-lo. Vive-se no presente. Isto implica identidades mais frágeis, que não tiram do passado as forças para construir o futuro. Por trás desta constatação coloca-se a grande questão da transmissão. A esperança alimenta-se da memória. É ao fazer memória da experiência progressiva de libertação vivida pelos seus pais que os Judeus voltam o olhar para a terra prometida e entram num caminho de salvação. A releitura do passado abre, de alguma forma, as portas do futuro.

O Advento irrompe nos nossos calendários sobrecarregados e introduz nas nossas vidas uma palavra quase esquecida, da qual perdemos a tradução: a espera! É um encontro essencial, a não perder.

O Advento é uma caminhada íntima, pessoal e colectiva. Trata-se, para mim, de esperar o meu Salvador e, para um grupo humano, uma comunidade, de esperar em conjunto Aquele que vem. No cristianismo a espera é necessariamente individual e colectiva, solitária e comunitária. O mais difícil é encontrar o sentido numa sociedade que não cessa de nos desviar. A ideologia ambiente convence-nos muitas vezes que nos cabe avançar, construir através da nossa acção, criar as bases de um futuro.

Mas o mistério do Advento diz-nos o inverso! Não procures construir compulsivamente por ti um futuro; deixa-te trabalhar pelas mãos do Deus oleiro!

O Advento não é uma espera passiva, mas uma espera que deixa espaço à surpresa. Deus não vem como quero, quando quero, da maneira que eu desejo que chegue à minha vida. A única “actividade” que devo realizar é de me desimpedir para Lhe deixar o lugar para nascer em mim, segundo o seu projecto e não segundo os meus planos.

Durante o Advento a espera não é, por isso, passiva – uma mulher que espera um bebé também não o é. Ela deixa-se criar, deixa Deus tomar nela o rosto que Ele lhe deseja oferecer. Ela alimenta a sua criança mas não lhe dá forma.

Viver cristãmente o Advento é deixar de crer que se pode ter mão no tempo, que se pode controlá-lo. É deixar-se ir, ousar entrar no tempo das lentas maturações.

Viver a espera do Advento é passar da necessidade ao desejo… A satisfação das necessidade dá-me a ilusão de estar cheio, satisfeito. O desejo, ao contrário, coloca-me a caminho; não me sacia mas estimula a minha fome.

A aceleração do tempo, a pressão social, a carreira profissional, as solicitações incessantes de um mundo de imagens, sons e ruído afastam-nos de nós mesmos. Somos demasiadas vezes como o profeta Elias, surdos ao simples sussurro da leve brisa pela qual o Eterno tenta falar ao ouvido do nosso coração. Para viver a fecundidade do Advento é preciso dar-se as condições de parar um pouco, ir para um lugar isolado «na montanha».

A espera do Advento é frutuosa se abre diante de nós um espaço de vazio, de silêncio, que nos permite finalmente mergulhar em nós mesmos, reler a nossa história pessoal para nela discernir os traços do Espírito. Sem isso não podemos fortalecer os laços com Cristo.

 

 

Como vivemos este tempo?

Dehonianos

Ambrosius Bensen, Pentecostes

Para os optimistas, o nosso tempo é um tempo de grandes realizações, de grandes descobertas, em que se abre todo um mundo de possibilidades ao homem; para os pessimistas, o nosso tempo é um tempo de sobreaquecimento do planeta, de subida do nível do mar, de destruição da camada do ozono, de eliminação das florestas, de risco de holocausto nuclear… Para uns e para outros, é um tempo de desafios, de interpelações, de procura, de risco…Como é que nós nos relacionamos com este mundo?

Os crentes não podem, contudo, esquecer que “Deus aí está”: a sua intervenção faz com que o deserto se revista de vida e que na planície árida do desespero brote a flor da esperança.

É com esta certeza da presença de Deus e com a convicção de que Ele não nos deixará abandonados nas mãos das forças da morte que somos convidados a caminhar pela vida e a enfrentar a história.

O Advento é o tempo em que se anuncia e espera a intervenção salvadora de Deus em favor do seu Povo. No entanto, Ele só virá se eu estiver disposto a acolhê-l’O; Ele só intervirá se eu estiver disposto a receber de braços abertos a proposta de libertação que Ele me vem fazer…
A salvação de Deus chega ao mundo através do nosso testemunho…
Lutamos, objectivamente, para tornar realidade o projeto libertador de Deus e para silenciar a opressão, a injustiça, tudo o que rouba a vida e a dignidade a qualquer homem?

O texto evangélico identifica Jesus com a presença salvadora e libertadora de Deus no meio dos homens. Neste tempo de espera, somos convidados a aguardar a sua chegada, com a certeza de que Deus não nos abandonou, mas continua a vir ao nosso encontro e a oferecer-nos a salvação.
Os “sinais” que Jesus realizou enquanto esteve entre nós têm de continuar a acontecer na história; agora, são os discípulos de Jesus que têm de continuar a sua missão e de perpetuar no mundo, em nome de Jesus, a acção libertadora de Deus.
Os que vivem amarrados ao desespero de uma doença incurável encontram em nós um sinal vivo do Cristo libertador que lhes traz a salvação?
Os “surdos”, fechados num mundo sem comunicação e sem diálogo, encontram em nós a Palavra viva de Deus que os desperta para a comunhão e o amor?
Os “cegos”, encerrados nas trevas do egoísmo ou da violência, encontram em nós o desafio que Deus lhes apresenta de abrir os olhos à luz?
Os “coxos”, impedidos de andar, encontram em nós a proximidade dos caminhos de Deus?
Os presos, privados da liberdade, escondidos atrás das grades em que a sociedade os encerra, encontram em nós a Boa Nova da liberdade?
Os “pobres”, marginalizados, sem voz nem dignidade, sentem em nós o amor de Deus?

Mais uma vez, somos interpelados e questionados pela figura vertical e coerente de João…
A “dúvida” de João acerca da messianidade de Jesus não é chocante, mas é sinal de uma profunda honestidade… Devemos ter mais medo daqueles que têm certezas inamovíveis, que estão absolutamente certos das suas verdades e dos seus dogmas, do que daqueles que procuram, honestamente, as respostas às questões que a vida todos os dias coloca.

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