XXXIII Domingo do Tempo Comum (PDF) TEXTO
Dia Mundial dos Pobres
A presença dos pobres leva-nos de volta à aragem do Evangelho, onde são bem-aventurados os pobres em espírito.
Em vez de sentir aborrecimento, quando os ouvimos bater à nossa porta, podemos receber o seu grito de ajuda como uma chamada para sair do nosso eu, aceitá-los com o mesmo olhar de amor que Deus tem por eles.
Quando servimos os pobres, aprendemos os gostos de Jesus, compreendemos o que permanece e o que passa. O que permanecerá para sempre: o amor, porque «Deus é amor».
Desvendam-nos a riqueza que jamais envelhece, a riqueza que une terra e Céu e para a qual verdadeiramente vale a pena viver: o amor.
Papa Francisco, Dia Mundial dos Pobres, 2019
Sobre o Sínodo
D. José Ornelas, abertura da Assembleia Plenária dos bispos católicos, Nov 2021, e Papa Francisco, Out 2021

Altobello Melone, o Caminho de Emaús
O processo sinodal proclamado pelo Papa Francisco, que se encontra na sua fase inicial, movimentando todas as dioceses, trata-se de um caminho de oração e reflexão, para escutar a voz de Deus e o sentir da Igreja, a partir das suas bases – paróquias, movimentos, instituições de consagrados e leigos – num propósito de transformação e conversão pastoral.
O resultado desta primeira fase de auscultação irá até Agosto de 2022, a qual inclui um processo idêntico ao nível de cada Conferência Episcopal e seguidamente continental, antes da assembleia sinodal dos bispos em Outubro de 2023.
…………………
Jesus não tinha pressa, não olhava o relógio para acabar rápido o encontro. Estava sempre a serviço da pessoa que encontrava, para ouvi-la.”
Deus não habita em lugares assépticos e pacatos, distantes da realidade, mas caminha connosco.
Nós, comunidade cristã, encarnamos o estilo de Deus, que caminha na história e partilha as vicissitudes da humanidade?
Também nós, que iniciamos este caminho, somos chamados a tornar-nos peritos na arte do encontro; peritos, não na organização de eventos, mas na reserva de um tempo para encontrar o Senhor e favorecer o encontro entre nós.
Deus muda tudo quando somos capazes de encontros verdadeiros com Ele e entre nós… sem formalismos nem fingimentos, nem maquilhagens.
Escutar com o coração
Depois do encontro, o passo sucessivo é escutar.
Como estamos quanto à escuta? Como está o ouvido do nosso coração? Permitimos que as pessoas se expressem?
Fazer Sínodo é colocar-se no mesmo caminho do Verbo feito homem: é seguir as suas pisadas, escutando a sua Palavra juntamente com as palavras dos outros.
É descobrir, maravilhados, que o Espírito Santo sopra de modo sempre surpreendente para sugerir percursos e linguagens novos.”
Por fim, discernir.
O encontro e a escuta recíproca não são um fim em si mesmos, deixando as coisas como estão. Pelo contrário, quando entramos em diálogo, no fim já não somos os mesmos de antes, mudamos. Jesus intui que o homem à sua frente é bom, mas quer conduzi-lo para além da simples observância dos preceitos – uma indicação preciosa também para nós:
O Sínodo é um caminho de discernimento espiritual, que se faz na adoração, na oração, em contacto com a Palavra de Deus.
A Palavra guia o Sínodo, para que não seja uma convenção eclesial, um convénio de estudos ou um congresso político, mas um evento de graça, um processo de cura conduzido pelo Espírito Santo.
Jesus chama a Igreja a libertar-nos daquilo que é mundano e também dos fechamentos e dos modelos pastorais repetitivos, para interrogar-se a direcção para onde Ele quer conduzir.
Desamores, dores e redenção
Dina Matos Ferreira, Maio 2021

Rembrandt, Ascensão
Habituamo-nos a tudo na vida, até a ter a alma em frangalhos, cheia de dores, pisaduras, feridas novas e velhas, algumas ainda com sangue a jorrar.
Como são dores na alma, não sabemos o que fazer com elas e vamo-las mascarando com distracções várias, pecúlios, alegrias breves e ilusões de felicidade, numa superficialidade tão mais evidente quanto mais fundo é o abismo que levamos dentro.
São deste género as ofensas imperdoáveis, os rancores entranhados, o orgulho desdenhoso e implacável, as memórias graníticas que erguem muralhas intransponíveis dentro de nós.
Como são os desrespeitos, os ostracismos, os aviltamentos, as animalidades e todas as formas de abusos. Como são todos os desamores.
Nesse negro isolado e frio, vamos mirrando. Passam os minutos, os dias, os meses e os anos e o acumulado das dores vai-nos transformando em seres que carregam tanto passado que se tornam incapazes de viver o presente sem ser por referência a uma dor qualquer que aí resolva despertar.
Podemos chamar a isto “pecado”. Pecar é ficar aquém do amor, dado e recebido. É cristalizar, montar estandartes e trincheiras, reduzir cada vez mais o próprio mundo; e a dada altura não conseguir reconhecer sequer o bom, o belo e o verdadeiro. É, para quem crê, não corresponder à graça do Amor maior em cada momento. É a morte da alma.
Em todas as religiões e espiritualidades há ritos de purificação onde podemos ressurgir para uma nova vida. Enfrentar as feridas chamando-as pelo seu nome é o primeiro passo para a cura. E também desejar curar-se, lembrando a paz transparente da antiga inocência, que não tem tempo nem lugar.
Somos chamados a ver com verdade, a ver por inteiro. E a revelar, como cartas de jogar voltadas para cima, sem deixar cair nenhuma nem lhe mudar o naipe.
Um pequeno passo, a coragem desse passo e, depois, a Vida.
É possível sermos restaurados. Às vezes o fundo é tão fundo que achamos não ser possível, mas é possível. O que nos espera é muitíssimo mais do que ousaríamos sonhar, porque nós damos o nosso ridículo nada de criaturas e recebemos o amor infinito do Criador.
Por mais fundo que caiamos, por mais dores que carreguemos, por maiores os desamores, não percamos de vista que somos nada e, por isso, é como exponenciar um zero: nunca tem relevância, desde que o entreguemos. Esses “rituais de passagem” onde tocamos o divino (a permuta caricatural em que entregamos as misérias e recebemos o Criador), fazem-nos sempre perceber a desproporção entre o que entregamos e o que recebemos, e a consequência é um vendaval de alegria. Ser-se inundado por Deus torna-nos ébrios como aos Apóstolos no dia de Pentecostes.
Percebermos em nós a redenção, essa avalanche que quase sufoca e nos empurra para mil desconhecidos, é efectivamente entrarmos na vida da graça, uma outra dimensão. Uma dimensão onde a liberdade joga um papel essencial em cada momento, tornando a vida plena à medida do que Deus quer.
Não se trata já de ir cumprindo os mandamentos e ajustando aqui e ali à medida dos nossos desejos. Trata-se de estar possuído por Deus, que faz em nós a sua morada (João 14:19-27) e só querer responder aos seus apelos, na intimidade do coração.
Ter passado pelo inferno que é a ausência de Deus faz-nos perceber que, sim, há inferno. E sentir-se resgatado, redimido, mostra-nos maravilhosamente que, sim, há Céu. Um Céu como não conhecíamos antes do pecado e que nos faz vibrar, dizendo: “Oh! Feliz culpa que nos mereceu tão grande Redentor!” (Precónio Pascal).
A beleza desta nova vida é que nada é decisivo, nada é adquirido, nada é um ganho perene ou uma perda irreparável. E nunca é tarde para renascer, mesmo que, imersos no Amor, ecoe em nós o grito de Santo Agostinho: “Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova. Tarde Te amei”…