Domingo XII do Tempo Comum (PDF)     TEXTO

A Folha Informativa volta a sair em papel. Está disponível à saída da Igreja.

 

Apresentação no templo, Giotto Bodone

 

A Virgem Maria, Zacarias, Simeão e Ana são os primeiros anunciadores da salvação que Ele veio trazer à Terra.
Ao seus nomes devemos juntar os nossos, porque também nós, com efeito, vimos e ouvimos o que disse e fez por nós o autor da vida.
É um compromisso que deriva do nosso Baptismo.
É um dever de gratidão. É a nossa resposta à gratuidade dos dons recebidos.
É, por fim, o acto mais excelente de caridade fraterna.

Monges Beneditinos Silvestrinos

 

 

 

Dizer Obrigada

Joan Chittister, In O sopro da vida interior, ed. Paulinas

Ecce Uomo, Mark Wallinger

«Se a tua única oração na vida for “obrigado”, isso bastará (Mestre Eckhart)». A gratidão não é apenas uma atitude de louvor, é também o elemento básico de uma verdadeira crença em Deus.
Quando inclinamos as nossas cabeças em sinal de gratidão, reconhecemos que as obras de Deus são boas. Reconhecemos que não podemos salvar-nos por nós próprios. Proclamamos que a nossa existência e todas as coisas boas que ela tem, não vêm do nosso expediente, fazem parte da obra de Deus.
A gratidão é o aleluia à existência, o louvor que ressoa através do Universo, como um tributo à presença de Deus, constante entre nós, incluindo neste momento.

Obrigado por este novo dia.
Obrigado por este trabalho.
Obrigado por esta família.
Obrigado pelo nosso pão de cada dia.
Obrigado por esta tempestade e pela humidade que ela traz à terra seca.
Obrigado pelas correcções que me fazem crescer.
Obrigado pelas flores silvestres que dão cor à ladeira.
Obrigado pelos animais de estimação que nos unem à natureza.
Obrigado pela necessidade que me mantêm vigilante em relação à tua generosidade na minha vida.

Sem dúvida, a gratidão ilimitada salva-nos do sentimento de auto-suficiência, que nos leva a esquecermo-nos de Deus.
O louvor não é uma virtude ociosa na vida. Diz-nos: «Lembra-te de Quem és devedor. Se nunca tiveres conhecido a necessidade, nunca virás a conhecer Quem é Deus nem quem és tu.»
A necessidade testa a nossa confiança. Dá-nos a oportunidade de permitir que os outros nos apoiem nas nossas fraquezas, dando-nos conta que, no fim, só Deus é a medida da nossa plenitude.
Quando conhecemos a necessidade, somos melhores seres humanos. Pela primeira vez, conhecemos a solidariedade para com os mais pobres dos pobres. Fazemos nossa a dor do mundo e devotamo-nos a trabalhar em favor daqueles que sofrem.
Finalmente, é a necessidade que nos mostra que é preciso muito pouco para se ser feliz.
Mal percebemos todas estas coisas, encontramo-nos face a face, tanto com a Criação, como com o Criador. É um momento de aleluia em que descobrimos Deus e a sua bondade para connosco.
Aprendamos a vir à oração com um coração de aleluia, para que ela possa ser sincera.

 

Cultivar a alegria de cada dia

José Tolentino Mendonça, In Nenhum caminho será longo

Um elemento que caracteriza a alegria é o facto dela não nos pertencer. É pessoalíssima, é completamente nossa, identifica-se connosco, mas não nos pertence. A alegria não nos pertence. A alegria atravessa-nos. A alegria é sempre um dom. A alegria nasce do acolhimento. A alegria nasce quando eu aceito construir a minha vida numa cultura de hospitalidade. Se insonorizo o meu espaço vital, se impermeabilizo a minha atenção, a alegria não me visita. A alegria é um dom da amizade acolhida.

A alegria não é programada. Não posso, por exemplo, dizer: daqui a um minuto vou-me rir. Não sei quando é que me vou rir. A alegria é um dom que me visita na surpresa, no não anunciado. E nesse sentido tenho de viver em hospitalidade. O meu coração é uma soleira, uma porta entreaberta. A minha vida vive do acolhimento amigável. Temos de adquirir uma porosidade, deixarmo-nos tocar, deixarmo-nos ligar pelo fluxo reparador da vida.

Há um filme de Ingmar Bergman em que uma personagem é uma rapariga anoréxica – e sabemos como a anorexia é uma forma de desistir da própria vida, de desinvestir afectivamente. A rapariga vai falar com um médico e ele diz-lhe isto, que também vale para nós todos: «Olha, há só um remédio para ti, só vejo um caminho: em cada dia deixa-te tocar por alguém ou por alguma coisa.» A alegria é esta hospitalidade.

Os dias sem alegria são completamente sem memória. Chegamos ao fim não lembramos um único gesto, uma única fase, um único encontro, uma única acção, não temos nada para contar. Tive de ver e de escutar muitas coisas, e de estar entre muita gente, mas não quis nada daquilo nem daqueles; não permiti que existisse um trânsito, um retorno; não abri o meu coração…
Há que transformar a nossa vida no sentido da hospitalidade. A amizade ensina-nos isso.

Não há alegria sem inocência. Mas inocência naquele sentido que apontava a escritora Cristina Campo: «Nós não nascemos inocentes, mas podemos morrer inocentes.» A inocência da infância espiritual é aquela inocência com a qual e pela qual podemos morrer: a inocência de um coração simples; da gratuidade; da confiança.

Se não tenho um coração de criança não sou herdeiro do Reino de Deus. Isto é, não sou herdeiro do reino da vida, não vejo cintilar, não vislumbro. E aqui, as crianças são exemplares porque elas entretêm-se com os pequenos nadas, que no fundo são as coisas mais sérias, as coisas donde colhem a luz. E nós precisamos disso. Precisamos dessa infância. De descobrir infâncias dentro de nós. Não é por acaso que todos os amigos são amigos da infância, mesmo aqueles que fazemos pela vida fora. A principal infância a testemunhar é essa futura.

Em vez de crescermos na severidade, na intransigência, na indiferença, no sarcasmo, na maledicência, no lamento, caminhemos suavemente no sentido contrário. Cresçamos na simplicidade, na gratidão, no despojamento e na confiança. A alegria tem a ver com uma essencialidade que só na pobreza espiritual se pode acolher.

 

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