Domingo III da Páscoa (PDF) TEXTO
A «Igreja em saída» (papa Francisco) (…) começa com o envio que pede aos apóstolos uma mudança de olhar.
Devem passar de uma comunidade, de uma Igreja que se coloca a si mesma no centro, para uma Igreja que se coloca ao serviço do caminho ascensional do mundo, ao serviço do futuro do homem, da vida, da cultura, da casa comum, das novas gerações.
Uma Igreja que perscruta o que de bom há no mundo, que quer captar, colher e fazer emergir as forças mais belas.
Convertei: cultivai e protegei as sementes divinas de cada pessoa. Como fazia Jesus, que percorria a Galileia e andava à procura das falhas, das fendas nas pessoas, onde escorriam águas sepultadas, como com a samaritana no poço. Captava as expetativas das pessoas e levava-as para a luz.
Assim a Igreja, sabendo que o seu anúncio é já precedido da presença discreta de Deus, da ação terna e poderosa do Espírito, é enviada ao serviço
dos gérmenes santos que estão em cada um.
Para os voltar a despertar.
Ermes Ronchi, 2016
Tocai e vede
São Pedro Crisólogo
Depois da ressurreição, como o Senhor entrava nas salas com todas as portas fechadas, os discípulos não acreditavam que Ele tivesse reencontrado a realidade do seu corpo: supunham que se tratasse apenas da sua alma, sob uma aparência corporal, como as imagens que aparecem em sonhos: «julgavam ver um espírito».
«Porque estais perturbados e porque se levantam esses pensamentos nos vossos corações? Vede as minhas mãos e os meus pés». «Vede» quer dizer: prestai atenção.
Porquê? Porque não é um sonho que estais a ter. Vede as minhas mãos e os meus pés porque, com os vossos olhos acabrunhados, não podeis ainda contemplar o meu rosto. Vede as feridas da minha carne, pois ainda não conseguis ver as obras de Deus. Contemplai as marcas feitas pelos meus inimigos, uma vez que ainda não podeis ver as manifestações de Deus. Tocai-Me para que a vossas mãos vos deem a prova, visto os vossos olhos estarem cegos a esse ponto. Descobri os buracos nas minhas mãos, olhai o meu lado, reabri as minhas feridas, pois não posso recusar aos meus discípulos, com vista à sua fé, o que não recusei aos meus inimigos no suplício. Tocai, tocai, buscai até aos ossos, para confirmar a realidade da carne e que estas feridas, ainda abertas, atestem que sou mesmo Eu.
Porque não acreditais que ressuscitei, Eu que fiz reviver vários mortos à vossa vista?
Quando estava suspenso na cruz, insultavam-Me dizendo: «Tu, que destruías o templo e o reedificavas em três dias, salva-Te a Ti mesmo! Se és Filho de Deus, desce da cruz e acreditaremos!».
O que é mais difícil: descer da cruz, arrancando os pregos, ou subir dos infernos, calcando a morte aos pés? Eis que realmente Me salvei a Mim mesmo e, destruindo as cadeias do inferno, subi para o mundo do alto.
Quem são os profetas de hoje?
Rui Jorge Martins, sobre o livro O tempo é agora – Um chamamento para uma coragem invulgar
Quem são os profetas de hoje?
«O profeta é a pessoa que diz não a tudo o que não seja Deus. Não ao abuso de mulheres. Não à rejeição do estrangeiro. Não a crimes contra imigrantes. Não aos danos infligidos às árvores. Não à poluição dos céus. Não à contaminação dos oceanos. Não à ignóbil destruição da humanidade em prol de mais riqueza, mais poder e mais controlo nas mãos de um pequeno número. Não à morte.»
A espiritualidade profética consiste na «tomada de consciência, da opção, do risco, da transformação. Tem a ver com o abraço à vida, com a busca de integridade, com a aceitação dos outros e com a chamada à cocriação. É uma forma de viver com os olhos bem abertos e os corações cheios de fervor frente à totalidade da vida. (…) Em suma, a espiritualidade profética tem a ver com a vivência da nossa fé pelas ruas do mundo, e não apenas com as conversas acerca da mesma.
A fé não presta, a menos que seja vivida. É essa a mensagem básica dos profetas, que é tão verdadeira hoje como o era há milhares de anos».
Os profetas da Bíblia «eram as sirenes no meio da noite, os semeadores de sementes lançadas muito longe, os eternos agitadores na alma do povo, da nação, verdadeiros archotes no meio da tenebrosa confusão».
«Optavam pela coragem. Optavam pela expansão da alma. Optavam por arriscar a sua vida por aquilo que devia ser, em vez de apostar o seu bem-estar, a sua segurança, a orientação das suas vidas naquilo que já era.»
A chamada a discernir a diferença entre aquilo que é santo e aquilo que é simplesmente popular, entre aquilo que é e aquilo que deveria ser, faz parte da essência da vida boa. A obra de Deus está nas nossas mãos. Ignorá-lo é ignorar a própria plenitude da vida. Cada profeta contemplou o preço do risco e seguiu em frente sem se ater a ele – chamando o mundo a tornar-se a sua melhor versão –, e o mesmo devemos fazer nós.
«Só aqueles que arriscarem ir longe demais talvez possam descobrir até onde se pode ir» (T.S.Eliot).