Domingo IV da Quaresma (PDF)  TEXTO

Hans Memling, Jesus

Deixar-se amar por Deus em Cristo Jesus é a luz que nos ajuda a carregar o fardo de todos os dias.

E a santidade não é uma obra nossa, muito difícil, mas é precisamente esta «abertura»: abrir as janelas da nossa alma, para que a luz de Deus possa entrar, não esquecer Deus, porque é precisamente na abertura à sua luz que se encontra a força, a alegria dos remidos.

Matteo Liuti

 

Quando estamos em pecado, somos como “morcegos humanos”, que só se sabem mover à noite.

Para nós é mais cómodo viver nas trevas, porque a luz mostra-nos o que não queremos. Mas, assim, os olhos acostumam-se às trevas e deixam de saber o que é a luz.

Papa Francisco

 

 

Alguns desafios

Nuno Tovar de Lemos, sj, in Mensageiro

Angelika Kaufmann, Jesus e a Samaritana

Os desafios são tantos que podemos ficar parados à espera que passe a tormenta, abrigados nalguma gruta, olhando o horizonte até que apareça algum navio que nos traga a messiânica vacina.

Mas parece-me que, à Igreja, nos é pedido precisamente o contrário: que saibamos arregaçar as mangas, tirar partido desta situação e desbravar caminhos novos.
Ao longo de 2000 anos de História a Igreja adaptou-se a tantas e tão variadas situações! Não seria agora um vírus que nos faria encostar na berma.
E não se trata só de resistir, mas de tirar proveito pois, como tão bem escreveu S. Paulo: «Tudo concorre em bem para aqueles que amam a Deus». Se Deus permite que vivamos o que estamos a viver é porque tem graças especiais para nos dar.

1. O desafio de não parar. Assegurar somente os «serviços mínimos» pode ser uma enorme tentação. Missas e funerais. Às vezes já tive a sensação de que a pandemia servia de pretexto para não se trabalhar. Como não é possível fazer o que dantes se fazia do modo como se fazia, então não fazemos (quase) nada. Cruzar os braços e sentar-se à espera que passe: que belo testemunho da esperança cristã! Por detrás desta tentação de cruzar os braços está, evidentemente, o desânimo, que é o fermento preferido do diabo.

2. O desafio da criatividade. A criatividade não é uma característica dos artistas, é uma nota da esperança cristã. Onde está o Espírito Santo há esperança e onde há esperança há criatividade, que é sempre sinal de vitalidade. A criatividade é a capacidade de encontrar novas formas para exprimir e concretizar o Essencial. O Papa Francisco tem dito repetidas vezes que «sempre se fez assim» não serve como critério pastoral. Convido todos a serem ousados e criativos nesta tarefa de repensar os objectivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das respectivas comunidades».

3. O desafio dos pequenos números A impossibilidade da realização de grandes eventos pode ser uma oportunidade para a realização de pequenos eventos com pequenos grupos. Podem ser espaços fecundos de espiritualidade, de oração, de partilha fraterna. Não dão nas vistas, não aparecem nas notícias, mas podem ser espaços de muito crescimento.

4. O desafio das questões de fundo No pré-covid, por vezes, nem tínhamos tempo para pensar. Só conseguíamos ter tempo para preparar a actividade que vinha a seguir no calendário e – mal ela acabava – já tínhamos de começar a preparar a próxima. Agora, em muitos casos, sentimos ter recebido um presente muito valioso: algum tempo!

O tempo que nos sobra pode proporcionar-nos uma oportunidade de ouro para pensar a fundo no que fazemos e como o fazemos. Esta situação de covid não nos proporciona só mais tempo, mas também – graças à suspensão de algumas actividades – mais distância interior. Porque, frequentemente, o nosso grande envolvimento com o que fazemos não nos deixa liberdade sequer para pensarmos se o que fazemos tem sentido, se vale a pena e se não haveria outras formas melhores de o fazer. Este desafio das reflexões de fundo é, antes de mais, um chamamento a regressarmos e ficarmos mais agarrados ao Essencial.
A quem nos envia Deus? O que é evangelizar? Como o fazia Jesus? O que temos para dar?

5. O desafio das relações pessoais O trabalho pastoral não é só feito de celebrações e encontros de grupo; é também feito de relações pessoais um-a-um. Veja-se Jesus e os seus tantos encontros a sós com uma pessoa (a samaritana, o décimo leproso, Zaqueu, a mulher siro-fenícia, etc.). No nosso caso, sabemos que isto das relações pessoais é muito importante, mas há sempre tanta coisa a fazer!
Não sobra por vezes muito tempo. Nós, padres, frequentemente, nem temos tempo para a orientação espiritual quanto mais para as conversas gratuitas fora do calendário…Esta fase covídica, que abre mais tempo na agenda e eventualmente mais espaço no coração, pode ser um tempo muito bom para encontros descomprometidos e conversas sem objectivos produtivos.
Creio que grandes coisas podem surgir de pequenos encontros generosos: o fortalecer dos laços de comunhão, as ideias novas, a abertura de possibilidades pastorais.
Parece-me até que estas reflexões se poderão aplicar, com as devidas adaptações, à vida de cada um de nós. Tiremos partido deste tempo com a Graça de Deus e peçamos-Lhe a Graça de não confundirmos esperança com espera.

 

O amor dá vida

São João da Cruz

Sem arrimo e com arrimo
sem luz e às escuras vivendo,
todo me vou consumindo.

Minha alma está desprendida
de toda a coisa criada,
e sobre si levantada
numa saborosa vida
só em seu Deus arrimada.
Por isso já se dirá
a coisa que mais estimo;
que minha alma se vê já
sem arrimo e com arrimo.

E se trevas eu padeço
em minha vida mortal,
não é tão grande o meu mal,
porque, se de luz careço,
tenho vida celestial;
porque o amor dá tal vida
quando mais cego vai sendo,
que tem a alma rendida,
sem luz e às escuras vivendo.

Tal obra faz o amor
depois que eu o conheci,
que, se há bem ou mal em mim,
tudo o torna de um sabor
e transforma a alma em si;
e em sua chama bem temp’rada,
a qual em mim estou sentindo,
veloz e sem deixar nada,
todo me vou consumindo

 

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