XI Domingo do Tempo Comum (PDF) TEXTO
Na bolsa que acompanhou Etty Hillesum para o campo, estava a Bíblia, mas também estava O Livro de Horas de Rainer Maria Rilke.
“Abro a Bíblia ao acaso e eis o que encontro: O Senhor é o meu alto refúgio. Deus meu, fizeste-me tão rica, deixa-me por favor, partilhar generosamente essa riqueza. A minha vida tornou-se um diálogo ininterrupto Contigo, meu Deus, um grande diálogo”.
Guilherme d’Oliveira Martins, sobre Etty Hillesum
A semente de Deus converte terra árida em chão fecundo
Ermes Ronchi, In Avvenire
De muitas coisas Ele lhes falou com parábolas.
As parábolas saem da voz viva do Mestre. Escutá-las é como escutar o murmúrio da fonte, o momento inicial, fresco, espontâneo do Evangelho.
As parábolas não são um remedeio ou uma excepção, mas o extremo mais alto e genial, o mais refinado da linguagem de Jesus. Ele amava o lago, os campos de trigo, as extensões de espigas e papoilas, os pássaros em voo, a figueira. Observava a vida e nasciam parábolas. Tomava histórias de vida e delas fazia histórias de Deus, desvelava que «em cada coisa está semeada uma sílaba da Palavra de Deus» (“Laudato si’”).
O semeador sai para semear. Jesus imagina a história, a criação, o reino como uma grande sementeira: é tudo um semear, um voo de trigo ao vento, na terra no coração. É todo um germinar, um brotar, um maturar. Cada vida é narrada como um amanhecer contínuo, uma Primavera tenaz.
O semeador sai, e o mundo logo engravida. E eis que o semeador, que pode parecer desprevenido, porque parte das sementes cai sobre pedras, silvas e estrada, é, ao invés, aquele que abraça a imperfeição do campo do mundo, e ninguém é discriminado, ninguém excluído da sementeira divina. Somos todos duros, espinhosos, feridos, opacos, mas a nossa humanidade imperfeita é também um torrão de terra boa, sempre apta a dar vida às sementes de Deus.
Há no campo do mundo, e naquele do meu coração, forças que contrastam a vida e os nascimentos. A parábola não explica porque é que isso acontece. E também não explica como arrancar ervas daminhas, remover pedras, expulsar pássaros. Mas fala-nos de um semeador esperançoso, cuja confiança, no fim, não é traída: no mundo e no meu coração está a crescer trigo, está a amadurecer uma profecia de pão e de fome saciada. Explica-o o verbo mais importante da parábola: deu fruto. Até cem por um. E não é um piedoso exagero. Vai a uma seara e vê que, por vezes, de um só grão podem brotar vários caules, cada um com a sua espiga.
A ética evangélica não procura campos perfeitos, mas fecundos. O olhar do Senhor não pousa sobre os meus defeitos, sobre pedras ou silvas, mas sobre o poder da Palavra que revira os torrões pedregosos, protege os rebentos novos e rebela-se contra toda a esterilidade.
E fará de mim terra boa, terra mãe, berço acolhedor de embriões divinos. Jesus narra a beleza de um Deus que não vem como ceifeiro das nossas poucas searas, mas como o semeador infatigável das nossas charnecas e abrolhais. E aprenderei dele a não precisar de colheitas, mas de grandes campos a semear em conjunto, e de um coração não roubado; preciso do Deus semeador, que as minhas aridezes nunca detêm.
O semeador de parábolas
Pat Marrin , In National Catholic Reporter
Jesus foi um semeador de parábolas, cada qual com uma pequena semente destinada a germinar na imaginação do ouvinte, ao oferecer lições para toda a vida sobre a relação e interacção de Deus com a Criação e connosco, enquanto filhos da Criação.
As recolhas de ditos e histórias devem ter sido a base das primeiras pregações, e podem ser o mais próximo que conseguimos chegar à mente de Jesus, cujos ensinamentos foram mais tarde adaptados para se encaixarem nas narrativas e nos padrões teológicos de cada Evangelho.
As parábolas originais revelam um mestre brilhante, capaz de resumir ideias profundas em imagens simples: um tesouro escondido, uma pérola de grande valor, sal, luz e fermento, negócios, construção, casamentos, ovelhas perdidas, moedas perdidas e filhos perdidos.
Estes pequenos dramas e imagens responderam a uma pergunta central: a que se assemelha o Reino de Deus? E por trás disto, o mistério mais profundo: como é que Deus é realmente? Algumas parábolas adquiriram modelagens artísticas pela mão dos evangelistas, de maneira a aplica-las às necessidades das comunidades cristãs primitivas. O “filho pródigo”, de Lucas, revela um pai amoroso que quer os seus dois filhos à mesa da família, juntando justos e pecadores. Outras parábolas foram adaptadas e alteradas para julgar inimigos da Igreja ou conflitos dentro da Igreja, como as parábolas do “trigo e do joio”, da “vinha” e dos “convidados para o casamento”.
Para nós, hoje, a grande bênção das parábolas não é apenas meditar em cada uma e buscar significado pessoal, mas imitar Jesus ao encontrar parábolas nas nossas próprias vidas. Já o podemos fazer, pois de cada vez que descrevemos a nossa experiência com uma metáfora, recorrendo a “como”, ou comparando-a a determinado processo natural, estamos a revelar significado através da narrativa. Um “nascer do sol após uma noite longa e difícil”, uma “chuva após um longo período de seca”, ajudam-nos a descrever e a explicar as nossas vidas, e, ao fazê-lo, estamos a mergulhar em ideias mais profundas sobre os momentos ensinadores da vida e as verdades transcendentes.
Por isso, se perguntarmos sobre que tipo de terra somos para as sementes da fé, ou apenas a tentar plantar um jardim enquanto lidamos com pássaros e esquilos famintos, muita ou pouca sombra, solo pedregoso ou ervas daninhas, estamos no modo de parábola. Se experimentamos dores de parto ou esperamos em “ponta dos pés” (uma tradução de Romanos 8,22) para que algo de maravilhoso aconteça, estamos a usar a imaginação para entender o anseio da Criação e do coração humano para que as promessas de Deus se tornem realidade.
Pensar e sentir em parábolas é uma maneira de rezar, de transmitir questões espirituais em imagens, a partir das nossas próprias memórias. Encontramos Deus através das nossas experiências humanas de desejo, ansiedade, esperança e frustração. A maneira como sabemos que as histórias inspiradas por esta forma de encontro são de Deus é que as parábolas divinas acabam sempre em Boas Novas. A adversidade conduz à esperança, a perda inspira determinação. Deus inspira-nos para continuar a bater à porta, pedindo e buscando até encontrarmos o nosso caminho.
Ainda que a maioria das sementes plantadas pelo semeador tenha sido perdida, aquelas que encontraram um bom solo multiplicaram-se várias vezes, para produzir uma colheita real. Por isso, escute uma parábola. Aqueles que têm ouvidos para ouvir, escutem, porque as parábolas estão por todo o lado.