Domingo XXXII do Tempo Comum (PDF) TEXTO

Manter a luz da esperança

As virgens sensatas e as imprudentes, Charles Haslewood Shannon

As luzes da cidade já não nos permitem compreender como era vital, noutras épocas, não atravessar a noite sem uma candeia.

Não obstante todas as tecnologias, as redes, o digital, a sociedade do espetáculo, o nosso coração continua a precisar de uma pequena luz que o guie
no meio das suas angústias e medos.

Hoje é Domingo, o primeiro dia da semana: nunca deixes acabar, durante esta semana, o azeite da oração que mantém viva, entre os ventos e escuridões,
a luz da esperança.

P. Marco Cunha, sj, Passo a rezar. 2023

 

Estarmos prontos para o encontro com Jesus

Papa Francisco, 2017

Miguel Ângelo, Juízo final

O Evangelho indica-nos a condição para entrar no Reino dos céus, e fá-lo com a parábola das dez virgens: trata-se daquelas donzelas que eram encarregadas de receber e acompanhar o esposo na cerimónia de casamento, e dado que naquela época se costumava celebrá-la à noite, as damas de honra levavam lâmpadas consigo. Jesus recorda-nos que devemos estar prontos para o encontro com Ele.

Muitas vezes, no Evangelho, Jesus exorta a vigiar, e fá-lo também no final desta narração. Reza assim: «Vigiai, pois, porque não sabeis nem o dia nem a hora».
Mas com esta parábola diz-nos que vigiar não significa apenas não dormir, mas estar preparado; com efeito, todas as virgens dormem antes que o esposo chegue, mas quando se acordam algumas estão prontas e outras não.
Portanto, este é o significado de ser sensato e prudente: trata-se de não esperar o último momento da nossa vida para colaborar com a graça de Deus, mas de o fazer já agora. Seria bom pensar um pouco: um dia será o último. Se fosse hoje, como estou preparado, preparada? Mas devo fazer isto e aquilo… Preparar-se como se fosse o último dia: isto faz bem.

A lâmpada é o símbolo da fé que ilumina a nossa vida, enquanto o óleo é o símbolo da caridade que alimenta, que torna fecunda e credível a luz da fé.

A condição para estarmos prontos para o encontro com o Senhor não é apenas a fé, mas uma vida cristã rica de amor e de caridade pelo próximo.

Se nos deixarmos guiar por aquilo que parece mais cómodo, pela busca dos nossos interesses, a nossa vida torna-se estéril, incapaz de dar vida aos outros, e não acumulamos reserva alguma de óleo para a lâmpada da nossa fé; e ela – a fé – apagar-se-á no momento da vinda do Senhor, ou ainda antes.

Ao contrário, se formos vigilantes e procurarmos praticar o bem com gestos de amor, partilha e serviço ao próximo em dificuldade, poderemos permanecer tranquilos enquanto esperamos a vinda do esposo: o Senhor poderá chegar a qualquer momento, e nem sequer o sono da morte nos apavora, porque dispomos de uma reserva de óleo, acumulada com as boas obras de todos os dias.
A fé inspira a caridade, e a caridade preserva a fé.

Livres para acreditar

Michael Paul Gallagher, sj

Shakespeare não costuma repetir-se muito, mas em Hamlet e no Rei Lear duas personagens diferentes exprimem uma mesma pérola de sabedoria. De facto, estes dois momentos abordam a chegada da morte. No Rei Lear, quando o exército do Rei foi derrotado, Edgar quer levar o seu pai cego para longe do perigo, e afirma: ‘os homens têm de conseguir aguentar o caminho que têm pela frente, mesmo quando este está próximo do fim. O que importa é estar maduro’ (‘Ripeness is all’). Em Hamlet, o príncipe está a falar com Horácio sobre o duelo que irá levá-lo à morte e exprime uma certa serenidade religiosa:
‘há uma providência especial na queda de um pardal… o que importa é estar pronto’ (‘the readiness is all’).

Muitas vezes não estamos prontos ou preparados para a fé. ‘Problemas de fé’ são frequentemente mais bloqueios no coração do que na cabeça.
Se, como diz São Paulo, a fé vem do ouvir e se no mundo de hoje muitas pessoas parecem incapazes de dizer ‘sim’ à fé cristã, a questão central prende-se com o que pode estar a causar a surdez, ou com não estar preparado, ou com a falta de uma verdadeira liberdade para escutar e acolher.

A maior parte das pessoas nem sempre se dão ao trabalho de serem livres, e a maior parte das nossas dificuldades de fé estão ligadas a esta falta de liberdade. Raramente são um problema de verdade propriamente dita.
Quando passo por alguma crise de fé, quase sempre encontro uma não-liberdade. Posso ter caído nalgum tipo de modo de vida superficial – como, por exemplo, estar superocupado e, no entanto, espiritualmente subnutrido. Pode ser que a minha fé humana – a minha confiança nos outros ou em mim próprio – tenha sido desfalcada por alguma dor ou alguma desilusão. Posso estar sem liberdade para poder escutar a luz e o comprimento de onda da busca, que são mais do tipo intuitivo. Ou posso estar a andar um pouco à deriva, ao sabor das marés que me rodeiam, e nesse caso as correntes predominantes fazem com que Deus se torne irreal.
Qualquer que seja a sua origem, há momentos em que a fé em Deus se eclipsa literalmente, porque alguma coisa se colocou no meio.

A liberdade é apenas uma primeira aventura, ainda que difícil. Há muitas questões que permanecem: Porque é que estamos aqui? Será que Deus é apenas uma fantasia nossa? De que é que estou à procura na vida?
Se Deus existe, será que posso, de algum modo, fazer experiência d’Ele? E, de qualquer forma, que diferença é que a fé poderia fazer?
Quando isso acontece, não fará muito sentido estar a querer explorar o sentido que a fé pode ter, e esquecer-se do eu não livre, do mesmo modo que não adianta tentar arranjar um aparelho de televisão quando rebenta um fusível. Tenho de ir ver onde está o problema, e isso vai implicar algum tipo de esforço de libertação.

 

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