Solenidade da Santíssima Trindade (PDF) TEXTO

Escola Emiliana, Séc. XVII, Descida do Espírito Santo
Invoquemo-Lo todos os dias, para que nos lembre de começar sempre do olhar de Deus pousado sobre nós, mover-nos nas nossas escolhas escutando a sua voz, caminhar juntos, como Igreja, dóceis a Ele e abertos ao mundo.
Papa Francisco, 5 de Junho de 2022
Se queres rezar, começa por escutar
Enzo Bianchi, In Perché pregare, come pregare

Léon Augustin Lhermitte, À escuta de Jesus
A oração cristã é antes de tudo escuta para chegar ao acolhimento de uma presença, a presença de Deus Pai, Filho e Espírito Santo. A operação é simples mas não é por isso que é fácil, antes é laboriosa e requer capacidade de silêncio interior e exterior, sobriedade, luta contra os múltiplos ídolos que nos ameaçam.
Deus fala: esta é a afirmação fundamental que atravessa toda a Escritura, sem a qual não poderemos ter qualquer relação pessoal com Ele. Com decisão absoluta, com iniciativa livre e gratuita, Deus dirigiu-Se aos seres humanos para entrar em relação com eles, para instaurar um diálogo finalizado na comunhão.
Deus revela-Se como Palavra e faz de Israel o povo da escuta, antes ainda que o povo da fé, revelando a vocação permanente: o chamamento a escutar.
Se a oração do homem como desejo de Deus apresenta um sentido ascendente de palavras para o céu, a escuta é, por sua vez, caracterizada por um movimento descendente, por uma descida da Palavra de Deus no ser humano: o verdadeiro orante, a partir de Abraão, é aquele que escuta, aquele que dá ouvidos a Deus.
Além disso, poder-se-ia dizer que se para Deus no princípio está a Palavra, para o homem «no princípio está a escuta». No Novo Testamento esta verdade é sintetizada de modo admirável na exortação da Carta aos Hebreus:
«Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, por meio dos profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho».
Agora é a Ele, ao Filho, que deve dirigir-se a nossa escuta, no seguimento da ordem da voz do Pai: «Este é o meu Filho, o amado, escutai-O».
Fica claro, portanto, que a oração autêntica brota onde está a escuta. «Fala, Senhor, que o teu servo escuta»: este é o primeiro acto da oração, que nós – infelizmente – somos constantemente tentados a subverter em: «Escuta, Senhor, que o teu servo fala».
Sim, a escuta é oração e tem um primado absoluto enquanto reconhece a iniciativa de Deus, o facto de Deus ser o sujeito do nosso encontro com Ele: não é passividade, mas resposta activa, acção por excelência da criatura diante do seu Criador e Senhor.
É significativo que ao convite que Deus dirigiu ao jovem rei Salomão para que este lhe apresentasse pedidos, o monarca pediu «um coração capaz de escutar»; e o Senhor gostou que Salomão tivesse feito esse pedido.
Com efeito, este é o pedido que agrada grandemente ao Senhor na nossa oração, porque é o pedido que é gerado pela vontade de Deus, é o pedido primordial, a necessidade primeira e fundamental, o pressuposto da fé. Não é à toa que Paulo dirá que «a fé nasce da escuta».
Compreende-se, então, porquê, interrogado sobre qual é o primeiro mandamento, Jesus tenha respondido antes de tudo «escuta», bem sabendo que dessa capacidade depende também a de conhecer e amar Deus e o próximo.
Eis assim traçado o movimento da oração cristã: da escuta à fé, da fé ao conhecimento de Deus, e do conhecimento ao amor, resposta última ao seu amor gratuito e primeiro pelo ser humano.
Nunca se dirá suficientemente: quando não está bem claro o primado da escuta de Deus, a oração tende a tornar-se uma actividade humana e é forçada a alimentar-se de actos e fórmulas, em que se procura a própria satisfação e segurança: torna-se a epifania de uma arrogância espiritual, a substituição da execução da vontade de Deus.
No máximo transforma-se numa disciplina de concentração que talvez elimine as distracções, mas não abre realmente para uma atenção orante ao Senhor que fala e que ama: que fala porque ama.
Recorde-se, por fim, um dado de que é mais difícil ter consciência, mas que envolve sempre a nossa oração: com a escuta da Palavra entramos no mistério do diálogo intratrinitário.
A comunhão de amor que reina entre o Pai, o Filho e o Espírito é, com efeito, alimentada pela escuta recíproca, como atestam algumas palavras de Jesus:
«Dei-vos a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai»; «Quando Ele vier, o Espírito da Verdade (…) não falará por si próprio, mas há-de dar-vos a conhecer quanto ouvir»; «Pai, dou-Te graças por Me teres escutado».