Domingo XXVIII do Tempo Comum (PDF)  TEXTO

Anthonisz Cornelis, Banquete dos membros da Guarda Cívica de archeiros de Amsterdão

A liturgia do 28º Domingo do Tempo Comum utiliza a imagem do “banquete” para descrever esse mundo de felicidade, de amor e de alegria sem fim que Deus quer oferecer a todos os seus filhos.

Na primeira leitura, Isaías anuncia o “banquete” que um dia Deus vai oferecer a todos os Povos. Acolher o convite de Deus e participar nesse “banquete” é aceitar viver em comunhão com Ele. Dessa comunhão resultará, para o homem, a felicidade total, a vida em abundância.

O Evangelho sugere que é preciso “agarrar” o convite de Deus. Os interesses e as conquistas deste mundo não podem distrair-nos dos desafios de Deus.

A opção que fizemos no dia do nosso baptismo não é “conversa fiada”; mas é um compromisso sério, que deve ser vivido de forma coerente.

DEHONIANOS

 

Fratelli Tutti

Otávio Carmo, Agência Ecclesia

Altdorfer Albrecht, Cristo na cruz entre Maria e São João

Francisco de Roma deixou-se inspirar por Francisco de Assis e colocou-se na esteira do futuro propondo um caminho de fraternidade. O Papa assinou em Assis neste sábado, dia 3 de Outubro, a Encíclica “Fratelli Tutti”, “Todos Irmãos”. Um documento sobre “a fraternidade e a amizade social”.

O desafio da fraternidade

Desde o primeiro dia do seu pontificado, que o Papa Francisco se apresentou ao mundo com a palavra “irmãos”. Logo ali na noite da sua eleição, em Roma, a 13 de Março de 2013 disse: “Irmãos e irmãs, boa noite!”. E lançou um desafio: “Comecemos este caminho, bispo e povo, um caminho de fraternidade e de confiança entre nós.”

Depois da Encíclica “Lumen Fidei”, em 2013 e da “Laudato Si”, em 2015, Francisco dirige-nos um grande desafio. O desafio da fraternidade proposta por Jesus: amar o próximo como a mim mesmo.

“De Lampedusa a Assis, passando por Paris e Abu Dhabi. ‘Fratelli Tutti’ deve ser a encíclica menos romana de que tenho memória, em quase 20 anos de profissão e outros mais de estudo, nesta área.
Tal como a Laudato Si’, em 2015, procurou responder com o conceito de ecologia integral aos desafios das alterações climáticas, em pleno debate que levaria ao Acordo de Paris, a encíclica sobre a fraternidade e a amizade social quer propor valores fundamentais num mundo marcado pela pandemia.
E oferecer uma resposta à questão inicial de todo o edifício ético ocidental, vinda do próprio Deus: Onde está o teu irmão?

Como vimos com a trágica crise dos últimos meses, acima da dignidade humana têm estado valores económicos, jogos políticos e interesses partidários. Mas a vida nunca é relativa.
A este respeito, recordo as perguntas que surgem no primeiro livro da Bíblia, o Génesis, que me parecem fundadoras da ética ocidental: “Onde está o teu irmão?” e “Que [lhe] fizeste?”.
O “interrogatório” de Deus a Caim, após a morte do seu irmão Abel, condensa o apelo fundamental que viria a ser sintetizado no ensinamento de Jesus Cristo: amar o próximo como a si mesmo.

Outro momento central do pontificado parece evidente na escolha do tema da nova encíclica: a fraternidade humana.
Na histórica viagem a Abu Dhabi, a 4 de Fevereiro de 2019, onde assinou com o imã de Al-Azhar uma declaração que condena a violência em nome da religião, o Papa deixou uma frase que define a sua visão do diálogo entre religiões e destas com a sociedade: “Hoje também nós, em nome de Deus, para salvaguardar a paz, precisamos de entrar juntos, como uma única família, numa arca que possa sulcar os mares tempestuosos do mundo: a arca da fraternidade”.
A pandemia devolveu-nos a percepção de limite. Não estávamos prontos para isso, no frenesim de 2020. Temos diante de nós o desafio de retirar consequências éticas e antropológicas da passagem por esta situação: o que somos, quando chega o fim?

A transformação dos mais vulneráveis em sujeitos dispensáveis é uma das marcas mais negativas (e temo que seja permanente) deste tempo. Caímos na globalização da indiferença, que o Papa denunciava na sua primeira viagem, carregada de simbolismo, em 2013, à ilha de Lampedusa.

Habituamo-nos ao sofrimento do outro. Uma crítica terrível, de Francisco, que nos convida agora a redescobrir a amizade social, um conceito que une sujeitos e instituições na construção de uma nova sociedade, marcada pela fraternidade.
Fratelli Tutti, como pedia São Francisco de Assis, irmão de todos.”

Temperança (para além da escassez)

Luigino Bruni

Piero del Pollaiolo, Virtude da Temperança

Temperança é palavra que está a sair do nosso vocabulário quotidiano. Do económico já saiu há muito tempo, para deixar espaço ao seu contrário.
Com a temperança está todo o léxico da ética das virtudes que tende a desaparecer da gramática da vida em comum.
Quando não se consegue ver o positivo do limite é impossível compreender e apreciar as virtudes, de modo especial a temperança, que consiste precisamente em dar valor ao limite que, ao mesmo tempo que restringe o horizonte de visão (como a “sebe da colina do Infinito” de Leopardi), abre «intermináveis espaços que estão para além dela».

Sem temperança não há partilha de bens, não existe a alegria da comunhão. Se não nos educarmos continuamente a delimitar as fronteiras do eu, partilharemos com os outros apenas as migalhas de refeições exageradas; assim não experimentaremos a verdadeira fraternidade, que é fruto de escolhas difíceis de quem sabe limitar razões e âmbitos do “eu”, para edificar as do “nosso”, e as de todos.​

Enquanto ontem existia uma relação clara entre a minha temperança e o meu bem-estar pessoal e o nosso bem comum, hoje na era da complexidade este nexo ofuscou-se. Já não é imediato associar o uso do ar condicionado na minha casa ao aumento da temperatura nas cidades.
A racionalidade económica por si só não ajuda a esta tomada de consciência (pelo contrário); seria necessário o registo lógico da virtude que nos leva a praticar uma acção por termos interiorizado o seu valor intrínseco.
Por isso, se não desmercantilizarmos a sociedade, isto é, se não libertarmos importantes áreas da vida civil, hoje ocupadas e colonizadas pela lógica do preço e do incentivo, cada vez menos entenderemos o valor da sobriedade, da abstinência, do controlo de si mesmo, e cada vez menos o entenderão as crianças.

 

Arquivo de Folhas Informativas anteriores a 25.11.2018