Domingo XI do Tempo Comum (PDF) TEXTO

Prefiro a misericórdia

Escola holandesa, 1580, Obras de misericórdia

Maria, por ter acolhido a Boa Notícia que lhe fora dada pelo arcanjo Gabriel, canta profeticamente, no Magnificat, a misericórdia com que Deus a predestinou.

A misericórdia de Deus transforma o coração do homem e faz-lhe experimentar um amor fiel, tornando-o assim, capaz de misericórdia.

É um milagre sempre novo que a misericórdia divina possa irradiar-se na vida de cada um de nós, estimulando-nos ao amor do próximo e animando aquilo que a tradição da Igreja chama as obras de misericórdia corporal e espiritual, que nos recordam que a nossa fé se traduz em actos concretos e quotidianos, para ajudar o nosso próximo no corpo e no espírito: alimentá-lo, visitá-lo, confortá-lo, educá-lo

Papa Francisco, 2016 (adaptado)

 

A Bíblia. Um guia para todos os dias

Giovanna Pasqualin Traversa

A iniciativa do Papa (de celebrar o Domingo da Palavra de Deus) é importante para redescobrir o valor, vitalidade e centralidade das Sagradas Escrituras.
É necessário regressar ao conhecimento da Escritura com a mesma intensidade e paixão com que isto se verificou após o Concílio Vaticano II, que aproximou muito os textos sagrados dos fiéis.

Através deste Domingo, o Papa quer propor ao crente o regresso a uma certa vitalidade, porque hoje, no fluir da história, o interesse pelas questões de tipo social ou antropológico é mais notado do que ter uma referência baseada nas Escrituras. Daqui a importância do apelo de Francisco a redescobrir a Bíblia, a “reapropriar-se” ela com a paixão dos anos pós-conciliares como se tratasse de uma lâmpada para os passos que cada pessoa dá.

A Bíblia é o grande códice da cultura ocidental, estrela polar do “ethos” e do comportamento, imprescindível para quem se coloque perguntas sobre o sentido. Há alguns anos insistiu-se muito sobre as raízes cristãs da Europa, tema que hoje é menos ouvido mas que não se pode reduzir a uma mera questão de tipo religioso. Trata-se de uma questão cultural.

Umberto Eco perguntava-se por que é que os nossos jovens têm de saber tudo dos heróis de Homero e não saber nada de Moisés e do Cântico dos Cânticos. Ambos são fundamentais para a nossa formação cultural. A esta luz é preciso certamente repropor a Bíblia na escola como filigrana do tecido cultural, histórico e artístico europeu, e não só. Quem entra numa pinacoteca europeia sem conhecer a Sagrada Escritura, arrisca-se a não compreender a maior parte das obras expostas; mas é assim para toda a arte no seu conjunto, incluindo a música.

A interpretação da Bíblia é uma questão de grande relevo porque a religião judaico-cristã é uma religião histórica, incarnada. Quando se diz «Palavra de Deus» afirma-se uma verdade, mas que nunca está completa porque a Bíblia é Palavra de Deus e palavra do homem. E um diálogo. Os Salmos são oração, sinal de que, como sustenta o teólogo protestante Dietrich Bonhoeffer, a Bíblia não é apenas a Palavra de Deus dirigida a nós, mas também a palavra que Deus espera, dirigida por nós a Ele.

Pensemos na intensidade do livro de Job. A Bíblia não é um catecismo que contém asserções precisas e teoremas exactos, formulados de maneira irrepreensível numa espécie de atelier teológico; é uma história; supõe uma vivência emblemática sobre a qual devem ser confrontadas todas as vivências pessoais. Deus, que decidiu encarnar-Se atravessando a nossa história, diz: tens de decifrar a minha presença também aí; presença de juízo, mas também de salvação. Por isso é preciso fugir da tentação de uma leitura espiritualista da Bíblia: a “carne” da Palavra e o “Logos” transcendente devem ser entretecidas entre elas.

É significativo que o Papa tenha querido colocar o Domingo da Palavra dentro do Tempo Comum, não no tempo de Páscoa ou Natal. Isto porque a Bíblia deve tornar-se o guia normal, e o dia a ela dedicada não deve permanecer único e isolado, mas encastoar-se no interior do tecido do ano litúrgico. De resto, na celebração litúrgica, a Sagrada Escritura e a Eucaristia são incindíveis.

É emblemática a narrativa de Emaús, de onde o Papa extrai o título da carta apostólica: primeiro Jesus caminha com os discípulos explicando as Escrituras e fazendo arder o coração deles; depois, parte o pão, prefigurando assim a estrutura da celebração litúrgica. Mas a Bíblia é também o instrumento, a pedra angular que mantém unido o diálogo ecuménico com o mundo ortodoxo e protestante, e o diálogo inter-religioso, em particular com os judeus, de que constitui a base comum objectiva.

Além do texto presente na liturgia, é preciso fazer retornar a Bíblia como livro entre as mãos das pessoas simples, livro diário a fazer entrar na praça e em casa porque é livro do povo. No passado, desde a medievalidade, para quem não sabia ler, os frescos nas paredes das catedrais e as imagens sagradas constituíam a “Biblia pauperum”. Nos nossos dias a edição bíblica anotada, as notas de rodapé e os comentários ajudam os leitores menos “equipados”.

 

O povo de Deus segue Jesus e não se cansa

Papa Francisco, 2020

Jorge Cocco, Sermão da Montanha

Há uma ruptura no povo: as pessoas que seguem Jesus escutam-n’O – não se dão conta do muito tempo que passam ouvindo-O, porque a Palavra de Jesus entra no coração – e o grupo de Doutores da Lei que a priori rejeitam Jesus porque não age de acordo com a lei, de acordo com eles.

São dois grupos de pessoas. O povo que ama Jesus, que O segue, e o grupo dos intelectuais da Lei, os chefes de Israel, os líderes do povo. Isto é claro quando os guardas foram ter com os chefes dos sacerdotes, os quais lhes disseram: Por que não O trouxestes aqui?; os guardas responderam: Também vós vos deixastes enganar? Por acaso algum dos chefes ou dos fariseus acreditou n’Ele? Mas esta gente que não conhece a Lei, é maldita!

Este grupo de doutores da Lei, a elite, sente desprezo por Jesus. Mas também desprezam o povo, “aquelas pessoas”, que são ignorantes, que não sabem nada.
O povo santo e fiel de Deus acredita em Jesus, segue-O, e o pequeno grupo de elite, os Doutores da Lei, afasta-se do povo e não recebe Jesus.
Mas como é possível, se eles eram ilustres, inteligentes, tinham estudado? Contudo eles tinham um grande defeito: tinham perdido a memória da própria pertença a um povo.

O povo de Deus segue Jesus… não conseguem explicar porquê, mas seguem-n’O e chegam ao coração, e não se cansam.
Pensemos no dia da multiplicação dos pães: passaram o dia inteiro com Jesus, a ponto que os apóstolos lhe disseram: Manda embora o povo para que possa comprar algo para comer.

Também os Apóstolos se distanciaram, não consideraram, não desprezaram, mas não consideraram o povo de Deus. Deixa-os ir comer. A resposta de Jesus: Dai-lhes vós de comer. Ele insere-os de novo no povo.

Este afastamento entre a elite dos líderes religiosos e o povo é um drama que vem de longe.
O desprezo pelo povo que não é educado como nós que estudamos, que sabemos….
Em vez disso, o povo de Deus tem uma grande graça: o seu instinto. A intuição de saber onde está o Espírito.
É pecador, como nós: é pecador. Mas possui a intuição de conhecer os caminhos da salvação.

O problema das elites, de clérigos de elite como estes, é que tinham perdido a memória da sua pertença ao Povo de Deus. Perderam a memória, perderam o que Jesus sentia no coração: que faziam parte do próprio povo. Perderam a memória da própria pertença ao rebanho.

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