Domingo II da Páscoa ou da Divina Misericórdia (PDF) TEXTO
Todas as narrativas de aparições nos Evangelhos são mais do que comprovação de factos; são encontros que mudam a vida com um mistério que transcende tempo e espaço.
O apóstolo Tomé ajuda-nos a compreender que a nossa fé é um relacionamento vivo com Jesus, e não um problema a ser resolvido.
A vida cristã não é um programa a ser dominado, mas um mistério sem fim que nos guiará através desta vida para uma eternidade de descoberta e alegria.
Pat Marrin, National Catholic Reporter
Ir para a Galileia
Papa Francisco, Páscoa 2021
As mulheres foram chorar um morto; em vez disso, escutaram um anúncio de vida. Por isso, como diz o Evangelho, aquelas mulheres estavam cheias de medo e maravilha, uma mistura de medo e alegria que se apodera dos seus corações.
É maravilha pelas palavras escutadas: «Ele precede-vos a caminho da Galileia; lá O vereis».
Acolhamos este convite de Páscoa: vamos para a Galileia, onde nos precede o Senhor Ressuscitado.
Que significa «ir para a Galileia»?
Antes de mais, recomeçar. Para os discípulos, é voltar ao lugar onde inicialmente o Senhor os procurou e chamou para O seguirem. É o lugar do primeiro encontro e do primeiro amor. Desde então, deixadas as redes, seguiram Jesus, escutando a sua pregação e assistindo aos prodígios que realizava. E todavia, apesar de estar sempre com Ele, não O compreendiam totalmente, muitas vezes entenderam mal as suas palavras e, à vista da cruz, fugiram, deixando-O sozinho.
Não obstante este falimento, o Senhor Ressuscitado apresenta-Se como Aquele que os precede uma vez mais na Galileia; isto é, está diante deles. Chamara-os para O seguirem, e volta a chamá-los sem nunca Se cansar. O Ressuscitado está a dizer-lhes: Partamos donde iniciamos. Recomecemos. Nesta Galileia, aprendemos a maravilhar-nos com o amor infinito do Senhor, que traça novas sendas nos caminhos das nossas derrotas.
Aqui está o primeiro anúncio de Páscoa que gostava de vos deixar: é possível recomeçar sempre, porque há uma vida nova que Deus é capaz, independentemente de todos os nossos falimentos, de fazer reiniciar em nós. Deus pode construir uma obra de arte até a partir dos escombros do nosso coração; a partir mesmo dos pedaços arruinados da nossa humanidade, Deus prepara uma história nova. Ele sempre nos precede: na cruz do sofrimento, da desolação e da morte, bem como na glória duma vida que ressurge, duma história que muda, duma esperança que renasce. E, nestes meses sombrios de pandemia, ouçamos o Senhor ressuscitado que nos convida a recomeçar, a nunca perder a esperança.
Ir para a Galileia significa, em segundo lugar, percorrer caminhos novos. É mover-se na direcção oposta ao túmulo. As mulheres procuram Jesus no túmulo, isto é, vão recordar o que viveram com Ele e que, agora, se perdeu para sempre. Vão repassar a sua tristeza. É a imagem duma fé que se tornou comemoração duma coisa linda mas que acabou, apenas para se recordar. Muitos vivem a «fé das recordações», como se Jesus fosse um personagem do passado, um amigo da juventude já distante. Uma fé feita de hábitos, coisas do passado, belas recordações da infância, uma fé que já não me toca nem interpela.
Ao contrário, ir para a Galileia significa aprender que a fé, para estar viva, deve continuar a caminhar. Deve reavivar cada dia o princípio do caminho, a maravilha do primeiro encontro. E depois confiar, sem a presunção de já saber tudo, mas com a humildade de quem se deixa surpreender pelos caminhos de Deus.
Aqui está o segundo anúncio de Páscoa: a fé não é um repertório do passado, Jesus não é um personagem ultrapassado. Ele está vivo, aqui e agora. Caminha contigo todos os dias, na situação que estás a viver, na provação que estás a atravessar, nos sonhos que trazes dentro de ti. Abre novos caminhos onde te parece que não existem, impele-te a ir contra-corrente relativamente a nostalgias e ao «já visto».
Ir para a Galileia significa, além disso, ir aos confins. Porque a Galileia é o lugar mais distante: naquela região composta e diversificada, moram aqueles que estão mais longe da pureza ritual de Jerusalém. E todavia Jesus começou de lá a sua missão, dirigindo o anúncio a quem carrega fadigosamente a vida diária, aos excluídos, aos frágeis, aos pobres, para ser rosto e presença de Deus que incansavelmente vai à procura de quem está desanimado ou perdido, que Se move até aos confins da existência porque, a seus olhos, ninguém é último, ninguém está excluído.
E hoje também é lá que o Ressuscitado pede aos seus para irem. É o lugar da vida diária, são os caminhos que percorremos todos os dias, são os recantos das nossas cidades onde o Senhor nos precede e Se torna presente, precisamente na vida de quem se encontra ao nosso lado e partilha connosco o tempo, a casa, o trabalho, as fadigas e as esperanças.
Na Galileia, aprendemos que é possível encontrar o Ressuscitado no rosto dos irmãos, no entusiasmo de quem sonha e na resignação de quem está desanimado, nos sorrisos de quem exulta e nas lágrimas de quem sofre, sobretudo nos pobres e em quem é marginalizado. Ficaremos maravilhados ao ver como a grandeza de Deus se revela na pequenez, como a sua beleza resplandece nos simples e nos pobres.
E assim temos o terceiro anúncio de Páscoa: Jesus, o Ressuscitado, ama-nos sem fronteiras e visita todas as situações da nossa vida. Ele plantou a sua presença no coração do mundo e convida-nos também a nós a superar as barreiras, vencer os preconceitos, aproximar-nos de quem está ao nosso lado dia a dia, para redescobrir a graça da quotidianidade.
Com Ele, a vida mudará. Porque, para além de todas as derrotas, do mal e da violência, para além de todo sofrimento e para além da morte, o Ressuscitado vive e guia a história.