XXVIII Domingo do Tempo Comum (PDF) TEXTO
Cada um de nós escute esta palavra em silêncio. “Ainda te falta uma coisa”.
Que coisa me falta?
A todos os que Jesus muito ama porque muito dão aos outros, pergunto: deixas que os outros te dêem dessa outra riqueza que não tens?
Tu que vives sempre a dar, e crês que não tens necessidade de nada, sabes que tens muita pobreza e necessitas que te dêem?
Deixa-te evangelizar pelos pobres, pelos doentes, por aqueles que ajudas.
Aprende a receber da humildade daqueles que ajudas.
Papa Francisco, Desafios aos jovens, 18.01.2015
Os obstáculos ao seguimento de Jesus
P. Nélio Pita, SNPC, 12.10.2018
Não basta cumprir a lei. Para seguir o Mestre é necessário que o discípulo seja livre.
Porque há bens que escravizam, como há ideias que amarram ou recordações que bloqueiam. Jesus exige que o discípulo esteja disponível. Por isso, «vai vender o que tens, dá o dinheiro aos pobres…».
A reacção é de desalento. O homem não é capaz de ir tão longe. O rico não está habituado a ceder. Deseja a vida eterna, mas é incapaz de remover o obstáculo que o impede de alcançar. E a recorrente tentação de querer conciliar a acumulação obsessiva de bens com o seguimento é denunciada pelo Mestre: «Como será difícil para os que têm riquezas entrar no reino de Deus!».
Tantas vezes nos colocamos diante de Jesus e manifestamos-Lhe o desejo de alcançar um Bem Maior, aqui e agora, mas nem sempre estamos disponíveis para acolher as exigências que Ele nos faz. Por vezes, enganamo-nos a nós próprios, convencendo-nos de que fizemos tudo o que esteve ao nosso alcance quando, na verdade, contornamos subtilmente as palavras duras, amolecemos o divino desafio adaptando-o às nossas ambições, tal como aconteceu com a princesa do conto do Tchékhov.
De visita ao mosteiro, ela desejava fazer a experiência da eternidade. Mas nesse lugar sagrado, onde anseia «instalar-se para sempre, onde a vida parece ser serena e despreocupada», a paz é perturbada pelo diálogo inesperado com um antigo funcionário.
O velho médico, por sugestão da nobre senhora, enumera os erros que estão na origem de uma vida infernal: ela despreza os outros, explora os trabalhadores e até promove obras de caridade por vaidade e para se promover socialmente. Fá-lo com a naturalidade de quem julga que esse modo de vida é um direito garantido pelo seu estatuto. Enfim, deseja estar em paz com Deus, mas tem repugnância das pessoas. Subjacente a esta postura rígida, própria de quem não cede nada, está uma perspectiva distorcida da experiência religiosa, entendida, por um lado, como mero cumprimento de rituais e, por outro, como vivência encapsulada de uma paz sem a exigência de olhar e cuidar do outro, o fragilizado, o pobre, o doente, o marginalizado.
Se este tempo tem uma marca, é a da tentação constante de reduzir a experiência de fé à repetição de rituais e de rotinas cunhadas como “sagradas” por um lado e, por outro, pela multiplicação de propostas de cariz espiritual que pretendem garantir uma experiência de eternidade, rápida e satisfatória, a baixo preço, como se a eternidade fosse um produto comercializável, susceptível de ser consumido sem a obrigação de sair de si mesmo para amar e servir o outro.
Estas propostas são enganosas. São falsas. São contrárias ao espírito do Evangelho na medida em que promovem o alheamento da realidade distanciando o homem dos dramas deste mundo. São piedosas fugas que não nos identificam com o Mestre que Se fez pobre e nos desafia a segui-Lo incondicionalmente.
O salário de Jesus
Papa Francisco, 26 de Maio de 2015
Não há recompensa em dinheiro nem em poder para quem segue deveras o Senhor, porque o caminho é só de serviço e na gratuidade. Ao contrário, procurando um bom negócio mundano, com a riqueza, a vaidade e o orgulho, cria-se uma cauda de pavão e dá-se inclusive um contra-testemunho na Igreja.
O diálogo entre Pedro e Jesus realiza-se depois do encontro com aquele jovem que queria seguir Jesus: era bom, Jesus amou-o, contudo o Senhor disse-lhe que lhe faltava algo: que vendesse tudo o que possuía, que desse o dinheiro aos pobres: “terás um tesouro no céu”. Mas a estas palavras o jovem ficou abatido e foi embora entristecido.
Assim Jesus retomou o discurso e disse aos discípulos: “Como é difícil para quem possui riquezas entrar no reino de Deus”. E os discípulos ficaram desconcertados com as suas palavras.
E eis o trecho evangélico da liturgia com Pedro que garante a Jesus: «Nós deixamos tudo e seguimos-Te». Como quem diz: «E a nós, o quê? Qual será o nosso salário? Deixámos tudo».
Jesus praticamente responde indicando outra direcção e não promete as mesmas riquezas que tinha o jovem. Precisamente este ter muitos irmãos, irmãs, mães, pais, bens é a herança do reino, mas com a perseguição, com a cruz. E isto muda.
Eis porque, quando um cristão é apegado aos bens, faz a má figura de quem quer duas coisas: o céu e a terra. E o termo de comparação é exactamente o que diz Jesus: a cruz, as perseguições, negar-se a si mesmo, sofrer a cruz todos os dias.
Por sua vez os discípulos sentiam esta tentação: seguir Jesus mas depois qual será o fim deste bom negócio?. Pensemos na mãe de Tiago e João quando pediu um lugar para os seus filhos: “Ah, que este seja primeiro-ministro, e este ministro da economia”. Era o interesse mundano no seguir Jesus: mas depois o coração desses discípulos foi-se purificando até ao Pentecostes, quando entenderam tudo.
A gratuitidade no seguir Jesus é a resposta à gratuitidade do amor e da salvação que nos dá Jesus. Quando se quer seguir Jesus e o mundo, quer com a pobreza quer com a riqueza, verifica-se um cristianismo a metade, que deseja um ganho material: é o espírito da mundanidade.
Assim, a chave para entender este discurso de Jesus é a última palavra: “Muitos dos primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros”. E eis o que diz do serviço: “Quem se considera ou é o maior de entre vós, faça-se servo: o menor”.
Seguir Jesus sob o ponto de vista humano não é um bom negócio: é servir. De resto foi exactamente o que Ele fez: e se o Senhor te der a possibilidade de ser o primeiro, tu deves comportar-te como o último, isto é no serviço. Se o Senhor te der a possibilidade de possuir bens, deves comportar-te no serviço, isto é, para os outros.
São três os aspectos, os degraus que nos afastam de Jesus: as riquezas, a vaidade e o orgulho. Por isto, as riquezas são tão perigosas: levam-te a ser vaidoso e a pensar que és importante; mas quando te consideras importante, crias a cauda de pavão e perdes-te.
É um caminho de despojamento, o mesmo que Ele percorreu.
Esta obra de catequizar os discípulos levou tanto tempo porque não entendiam bem o que Jesus dizia. Assim hoje, também nós devemos pedir-Lhe: que nos ensine este caminho, esta ciência do serviço, a ciência da humildade, a ciência de ser os últimos para servir os irmãos e as irmãs da Igreja..