XXVIII Domingo do Tempo Comum (PDF) TEXTO

Seremos capazes de agradecer?

James Christensen, Os dez leprosos

Como é importante saber agradecer, saber louvar por tudo aquilo que o Senhor faz por nós!

Assim podemos perguntar-nos: somos capazes de dizer obrigado?

Quantas vezes dizemos obrigado em família, na comunidade, na Igreja? Quantas vezes dizemos obrigado a quem nos ajuda, a quem está ao nosso lado, a quem nos acompanha na vida?

Muitas vezes consideramos tudo como se nos fosse devido!

E isto acontece também com Deus. É fácil ir ter com o Senhor para Lhe pedir qualquer coisa, mas voltar para Lhe agradecer…

Maria, depois de ter recebido o anúncio do Anjo, deixou brotar do seu coração um cântico de louvor e agradecimento a Deus. O coração de Maria, mais do que qualquer outro, é um coração humilde e capaz de acolher os dons de Deus.

Interroguemo-nos se estamos dispostos a receber os dons de Deus ou preferimos antes fechar-nos nas seguranças materiais, intelectuais, nas seguranças dos nossos projetos.

Papa Francisco, 09 de Outubro de 2016 (excertos)


Agradecer o que não nos dão

José Tolentino Mendonça, In Expresso, 18.4.2014

Jan Wijnants, O Bom Samaritano

O mais comum é agradecer o que nos foi dado. E não nos faltam motivos de gratidão. Há, é claro, imensas coisas que dependem do nosso esforço e engenho, coisas que fomos capazes de conquistar ao longo do tempo, contrariando mesmo o que seria previsível, ou que nos surgiram ao fim de um laborioso e solitário processo. Mas isso em nada apaga o essencial: as nossas vidas são um receptáculo do dom.

Por pura dádiva recebemos o bem mais precioso, a própria existência, e do mesmo modo gratuito fizemos e fazemos a experiência de que somos protegidos, cuidados, acolhidos e amados. Se tivéssemos de fazer a listagem daquilo que recebemos dos outros (e é pena que esse exercício não nos seja mais habitual), perceberíamos o que a poetisa Adília Lopes repete como sendo a sua verdade: «sou uma obra dos outros». Todos somos.

A nossa história começou antes de nós e persistirá depois. Somos o resultado de uma cadeia inumerável de encontros, de gestos, boas vontades, sementeiras, afagos, afectos. Colhemos inspiração e sentido de vidas que não são nossas, mas que se inclinam pacientemente para nós, iluminando-nos, fundando-nos na confiança. Esse movimento, sabemo-lo bem, não tem preço, nem se compra em parte alguma: só se efectiva através do dom.

Por isso é que quando ele falta a sua ausência indelével faz-se sentir a vida inteira. O seu lugar não consegue ser preenchido, mesmo se abunda uma poderosa indústria de ficções de todo o tipo com a inútil pretensão de ser oblívio e substituição para essa espécie de falha geológica que nos morde.

Hoje, porém, dei comigo a pensar também na importância do que não nos foi dado. E a provocação chegou-me por uma amiga que confidenciou: «Gosto de agradecer a Deus tudo o que Ele me dá, e é sempre tanto que nem tenho palavras para descrever. Sinto, contudo, que Lhe tenho de agradecer igualmente o que Ele não me dá, as coisas que seriam boas e que eu não tive, o que até pedi e desejei muito, mas não encontrei. O facto de não me ter sido dado obrigou-me a descobrir forças que não sabia que tinha e, de certa maneira, permitiu-me ser eu».

Isto é tão verdadeiro. Mas exige uma transformação radical da nossa atitude interior. Tornar-se adulto por dentro não é propriamente um parto imediato ou indolor. No entanto, enquanto não agradecermos a Deus, à vida ou aos outros o que não nos deram, parece que a nossa prece permanece incompleta. Podemos facilmente continuar pela vida dentro a nutrir o ressentimento pelo que não nos foi dado, a compararmo-nos e a considerarmo-nos injustiçados, a prantear a dureza daquilo que em cada estação não corresponde ao que idealizamos.

Ou podemos olhar o que não nos foi dado como a oportunidade, ainda que misteriosa, ainda que ao inverso, para entabular um caminho de aprofundamento… e de ressurreição. Foi assim que numa das horas mais sombrias do século XX; desde o interior de um campo de concentração, a escritora Etty Hillesum conseguiu, por exemplo, protagonizar uma das mais admiráveis aventuras espirituais da contemporaneidade. No seu diário deixou escrito:

«A grandeza do ser humano, a sua verdadeira riqueza, não está naquilo que se vê, mas naquilo que traz no coração. A grandeza do homem não lhe advém do lugar que ocupa na sociedade, nem no papel que nela desempenha, nem do seu êxito social. Tudo isso pode ser-lhe tirado de um dia para o outro. Tudo isso pode desaparecer num nada de tempo. A grandeza do homem está naquilo que lhe resta precisamente quando tudo o que lhe dava algum brilho exterior, se apaga. E que lhe resta? Os seus recursos interiores e nada mais.»

Proclamai o Evangelho

Papa Francisco, 19 Março 2022

Ao recebermos com júbilo a boa nova de que o Papa Francisco nomeou o Cardeal Tolentino Mendonça para Prefeito do Dicastério para a Educação e a Cultura, importa olhar para os princípios desta reforma da Cúria Romana.
Destacamos alguns pontos, indicando que se encontra o texto na íntegra em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_constitutions/documents/20220319-costituzione-ap-praedicate-evangelium.html

PREÂMBULO
1. «Prædicate evangelium – proclamai o Evangelho»: tal é a missão que o Senhor Jesus confiou aos seus discípulos. Este mandato constitui «o primeiro serviço que a Igreja pode prestar ao homem e à humanidade inteira, no mundo de hoje». Para isso foi chamada: para anunciar o Evangelho do Filho de Deus, Cristo Senhor, e, através do mesmo, suscitar a obediência da fé em todos os povos. A Igreja cumpre o seu mandato, sobretudo quando testemunha, por palavras e por obras, a misericórdia que ela própria gratuitamente recebeu. Disso nos deixou o exemplo o nosso Senhor e Mestre, quando lavou os pés aos seus discípulos e disse que seríamos felizes se assim fizéssemos também nós. Deste modo, «com obras e palavras, a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se – se for necessário – até à humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo». Assim fazendo, o povo de Deus cumpre o mandamento do Senhor, que, ao pedir para anunciarmos o Evangelho, instou-nos a cuidar dos irmãos e irmãs mais frágeis, doentes e atribulados.

Todo o cristão é um discípulo-missionário
10. O Papa, os Bispos e os outros ministros ordenados não são os únicos evangelizadores na Igreja. Eles «sabem que não foram instituídos por Cristo para se encarregarem por si sós de toda a missão salvadora da Igreja para com o mundo». Todo o cristão, em virtude do Baptismo, é um discípulo-missionário «na medida em que se encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus». Não se pode deixar de ter isso em conta na actualização da Cúria, pelo que a sua reforma deve prever o envolvimento de leigas e leigos, mesmo em funções de governo e de responsabilidade. Além disso, a sua presença e participação são imprescindíveis, porque cooperam para o bem de toda a Igreja e, pela sua vida familiar, o seu conhecimento das realidades sociais e a sua fé que os leva a descobrir os caminhos de Deus no mundo, podem dar válidas contribuições, sobretudo quando se trata da promoção da família e do respeito pelos valores da vida e da criação, do Evangelho como fermento das realidades temporais e do discernimento dos sinais dos tempos.

Significado da reforma
11. A reforma da Cúria Romana será real e possível, se germinar duma reforma interior em que assumimos «como paradigma a espiritualidade do Concílio», expressa pela «antiga história do bom samaritano», daquele homem que se desvia do seu caminho para fazer-se próximo dum homem meio morto, que não pertence ao seu povo e que ele nem conhece. Trata-se aqui duma espiritualidade que tem a sua fonte no amor de Deus, que nos amou primeiro, quando éramos ainda pobres e pecadores, e que nos lembra que o nosso dever é servir como Cristo os irmãos, sobretudo os mais necessitados, e que o rosto de Cristo se reconhece no rosto de cada ser humano, especialmente do homem e da mulher que sofre.

12. Assim, deve ficar claro que «a reforma não é uma finalidade em si mesma, mas instrumento para dar um vigoroso testemunho cristão; para favorecer uma evangelização mais eficaz; para promover um espírito de ecumenismo mais fecundo; e para encorajar um diálogo mais construtivo com todos.

 

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