Domingo XXVII do Tempo Comum (PDF) TEXTO

Na vinha de Deus, a colheita é de justiça e paz

Abel Grimmer, Parábola dos vinhateiros

A história perene de amor e traição entre Deus e o homem não terminará nem com um fracasso nem com uma vingança, mas com a oferta de uma nova possibilidade: dará a vinha a outros.

Entre Deus e o homem as derrotas servem apenas para realçar melhor o amor de Deus.

O sonho de Deus não é nem o tributo finalmente pago nem a condenação a uma pena exemplar para quem errou, mas uma vinha, um mundo que não amadureça mais cachos vermelhos de sangue e amargos de lágrimas, que não seja uma guerra perene pelo poder e pelo dinheiro, mas que amadureça uma vindima de justiça
e de paz, a revolução da ternura, a tríplice cura de si, dos outros e da criação.

P. Ermes Ronchi, 2014

 

Caminhar juntos com o olhar de Jesus

Papa Francisco, homilia de abertura do Sínodo 2023

Robert Zund, O caminho para Emaús

Jesus não Se deixa tomar pela tristeza, depois dum momento difícil da missão de Jesus, que poderíamos definir de «desolação pastoral», mas eleva os olhos ao Céu e louva o Pai por ter revelado aos simples os mistérios do Reino de Deus.

Jesus, no momento da desolação, tem um olhar capaz de ver mais além: louva a sabedoria do Pai e consegue vislumbrar o bem escondido que cresce, a semente da Palavra acolhida pelos simples, a luz do Reino de Deus que abre caminho mesmo na noite.

Na abertura da Assembleia Sinodal não nos ajuda um olhar imanente, feito de estratégias humanas, cálculos políticos ou batalhas ideológicas: se o Sínodo vai dar esta autorização, aquela outra, se vai abrir esta porta ou outra… Isso não é útil.
Não estamos aqui para realizar uma reunião parlamentar nem um plano de reformas.
O protagonista é o Espírito Santo. Estamos aqui para caminhar juntos com o olhar de Jesus, que bendiz o Pai e acolhe a quantos estão cansados e oprimidos.

Apesar de ter experimentado a rejeição e ter visto ao seu redor tanta dureza de coração, Cristo não Se deixa prender pela desilusão, não Se torna amargo, nem extingue o louvor; fundado no primado do Pai, o seu coração permanece sereno, mesmo na tempestade.
Este olhar de bênção do Senhor convida-nos também a nós a sermos uma Igreja que, de ânimo feliz, contempla a acção de Deus e discerne o presente; no meio das ondas por vezes agitadas do nosso tempo, não desanima, não procura escapatórias ideológicas, não se barrica atrás de convicções adquiridas, não cede a soluções fáceis, nem deixa que seja o mundo a ditar a sua agenda.

Convida-nos a ser uma Igreja que não enfrenta os desafios e problemas de hoje com um espírito de divisão e conflituoso, mas, pelo contrário, levanta os olhos para Deus, que é comunhão, e, com espanto e humildade, o bendiz e adora, reconhecendo-o como seu único Senhor.
Somos d’Ele e existimos apenas para O levar ao mundo. Isto nos basta!

Não queremos glórias terrenas, não queremos parecer bem aos olhos do mundo, mas fazer-lhe chegar a consolação do Evangelho, para testemunhar melhor, e a todos, o amor infinito de Deus.

Foto Ricardo Perna, Agência Ecclesia

Afirmou Bento XVI a uma Assembleia Sinodal, «para nós a questão é: Deus falou, deveras rompeu o grande silêncio, mostrou-Se, mas como podemos fazer chegar esta realidade ao homem de hoje, para que se torne salvação?». Esta é a questão fundamental.

E este é o dever primário do Sínodo: centrar de novo o nosso olhar em Deus, para sermos uma Igreja que olha, com misericórdia, a humanidade. Unida e fraterna, que escuta e dialoga; que abençoa e encoraja, que ajuda quem busca o Senhor, que sacode benevolamente os indiferentes, que abre caminhos para iniciar as pessoas na beleza da fé. Uma Igreja que tem Deus no centro e, consequentemente, não se divide internamente e nunca é dura externamente. Uma Igreja que arrisca, com Jesus, é assim que Jesus quer a Igreja, a sua Esposa.

Ao longo da sua vida, Jesus assume um olhar acolhedor para com os mais frágeis, os atribulados, os descartados. É neles que pensa, de modo particular, ao pronunciar estas palavras que ouvimos: «Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, que Eu vos aliviarei».

Este olhar acolhedor convida-nos também a nós a sermos uma Igreja hospitaleira, não com as portas fechadas. Num tempo complexo como o nosso, surgem novos desafios culturais e pastorais que exigem uma atitude interior cordial e gentil para os podermos encarar sem medo. No diálogo sinodal, durante esta estupenda «marcha no Espírito Santo» que realizamos juntos como Povo de Deus, oxalá possamos crescer na unidade e na amizade com o Senhor, para ver com o seu olhar os desafios de hoje; para se tornar uma Igreja que não impõe pesos e, a todos, repete: «Vinde, cansados e oprimidos; vós que vos extraviastes ou sentis distantes; vós que fechastes as portas à esperança: a Igreja está aqui para vós!». A Igreja das portas abertas a todos, todos, todos.

Diante das dificuldades e desafios que nos esperam, o olhar de bênção e acolhedor de Jesus impede-nos de cair nalgumas tentações perigosas: ser uma Igreja rígida, uma alfândega, que se arma contra o mundo e olha para trás; ser uma Igreja tépida, que se rende às modas do mundo; ser uma Igreja cansada, fechada em si mesma.

No Livro do Apocalipse, o Senhor diz «Eu estou à porta e chamo», para que a porta seja aberta. Mas tantas vezes, de dentro da Igreja, bate para que deixemos sair o Senhor, com a Igreja, para proclamar o seu Evangelho.

Foto Ricardo Perna, Agência Ecclesia

Caminhemos juntos: humildes, ardorosos e alegres. Caminhemos pelas pegadas de São Francisco de Assis, o Santo da pobreza e da paz, o «louco de Deus» que trouxe no corpo os estigmas de Jesus e, para se revestir d’Ele, despojou-se de tudo. É difícil, este despojamento interior e também exterior de todos nós, também da instituição.

O Sínodo serve para nos recordar isto: a nossa Mãe Igreja sempre precisa de purificação, de ser reparada, porque todos nós somos um Povo de pecadores perdoados, sempre necessitados de regressar à fonte que é Jesus e de nos colocarmos novamente nos caminhos do Espírito para chegar a todos com o seu Evangelho.

Francisco de Assis, num tempo de grandes lutas e divisões entre o poder temporal e o religioso, entre a Igreja institucional e as correntes heréticas, entre cristãos e outros crentes, não criticou nem atacou ninguém, mas limitou-se a pegar nas armas do Evangelho: a humildade e a unidade, a oração e a caridade. Façamos assim também nós! Humildade e unidade, oração e caridade.

Como sucede muitas vezes, o Espírito Santo rompe as nossas expectativas para criar algo de novo que supera as nossas previsões e as nossas negatividades. Posso dizer que, talvez, os momentos mais frutuosos do Sínodo são os momentos de oração, também o ambiente de oração, com o qual o Senhor actua em nós.
Deixemos que o Espírito Santo seja o protagonismo do Sínodo. E com Ele caminhemos, com confiança e alegria.

 

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