Domingo IV da Páscoa, Domingo do Bom Pastor (PDF)  TEXTO

Albrecht Dürer, O Bom Pastor

Um dos sinais do Bom Pastor é a mansidão.
O bom pastor é manso.
O pastor é terno, tem essa ternura da proximidade, conhece todas as ovelhas pelo nome e cuida de cada uma como se fosse a única, a ponto que, ao chegar a casa depois de um dia de trabalho, cansado, percebe que lhe falta uma, sai para trabalhar outra vez para a procurar e [encontrá-la] leva-a consigo, carrega-a sobre os ombro.

Este é o bom pastor, este é Jesus, que nos acompanha a todos no caminho da vida.
E esta ideia do pastor, esta ideia do rebanho
e das ovelhas, é uma ideia pascal.

Este é um domingo bonito, é um domingo
de paz, é um domingo de ternura, de mansidão, porque o nosso Pastor cuida de nós.
«O Senhor é meu pastor, nada me faltará».

Papa Francisco, Maio 2020

Laço que não se rasga, nó que não se desata

Ermes Ronchi, In Avvenire

Júlio Resende, Vitral do Bom Pastor

As Minhas ovelhas escutam a Minha voz (cf. João 10,27-30). Não as ordens, a voz. A voz que atravessa as distâncias, inconfundível; que narra uma relação, revela uma intimidade, faz emergir em ti uma presença.

A voz chega ao ouvido do coração antes das coisas que diz. É a experiência com que o bebé, quando ouve a voz da mãe, a reconhece, emociona-se, estende os braços e o coração para ela, e já está feliz bem antes de chegar a compreender o significado das palavras.

A voz é o canto amoroso do ser: «Uma voz! O meu amado! Ei-lo, chega correndo pelos montes, saltando pelas colinas» (Cântico dos Cânticos 2,8). E ainda antes de chegar, o amado pede o canto da amada: «Deixa-me ouvir a tua voz» (2, 14)… Quando Maria, ao entrar na casa de Zacarias, saudou Isabel, a sua voz fez dançar o ventre: «Mal a tua saudação chegou aos meus ouvidos, o menino sobressaltou de alegria no meu ventre» (Lucas 1,44).

Entre a voz do bom pastor e dos seus cordeiros corre esta relação confiante, amorosa, fecunda. Com efeito, porque é que as ovelhas devem escutar a sua voz? Dois géneros de pessoas disputam a nossa escuta: os sedutores, que nos prometem prazeres, e os verdadeiros mestres, que dão asas e fecundidade à vida. Jesus responde oferecendo a maior das motivações: porque Eu dou-vos a vida eterna.
Escutarei a sua voz não por obséquio ou obediência, não por sedução ou medo, mas porque, como uma mãe, Ele faz-me viver. Eu dou-lhe a vida. O Bom Pastor coloca no centro da religião não aquilo que eu faço por Ele, mas aquilo que Ele faz por mim. No coração do cristianismo não é colocado o meu comportamento, ou a minha ética, mas a acção de Deus. A vida cristã não se funda no dever, mas no dom: vida autêntica, vida para sempre, vida de Deus derramada dentro de mim, antes que eu faça o que quer que seja.

Ainda que eu diga sim, Ele semeou gérmenes vitais, sementes de luz que possam guiar-me a mim, desorientado na vida, à terra da vida. A minha fé cristã é incremento, acrescento, intensificação do humano e de coisas que merecem não morrer.

Jesus di-lo com uma imagem de luta, de combativa ternura: ninguém arrancará as minhas ovelhas da minha mão. Uma palavra absoluta: «Ninguém». Dita duas vezes, como se tivéssemos dúvidas: ninguém as pode arrancar da mão do Pai.

Eu sou vida indissolúvel das mãos de Deus, laço que não se rasga, nó que não se desata. A eternidade é um lugar entre as mãos de Deus. Somos passarinhos que temos o ninho nas suas mãos.
E na sua voz, que aquece o gelo da solidão.

 

Maturidade espiritual

P. Nélio Pita, CM

Nos Actos dos Apóstolos são descritos pequenos episódios através dos quais se percebe como a comunidade de seguidores de Jesus foi gradualmente crescendo.
Na manhã do Pentecostes, a multidão escutava o testemunho dos apóstolos e era directamente interpelada a tomar consciência da sua responsabilidade na morte de Jesus.
«Que havemos de fazer?» – interrogavam-se perante a pregação de Pedro. A resposta era clara: «Convertei-vos e peça cada um de vós o Baptismo…».

Cada ouvinte era chamado a aderir, livre e conscientemente, à nova realidade que lhe era oferecida pelo sacramento que dava aceso à comunidade.
Ninguém estava dispensado de fazer o seu caminho de aprendizagem e conversão pessoal iniciado pela escuta e acolhimento da Palavra.
Seguindo este método, a comunidade cresceu e consolidou-se.
Amadureceu enquanto grupo.
Tornou-se sujeito evangelizador. Contagiou.
Propôs-se mudar o mundo. Primeiro Israel.
Depois o império Romano.
Finalmente todos os povos e nações.
Até aos nossos dias.
Assim foi. O pequeno rebanho, bem alimentado pela Palavra bela do Bom Pastor, assumiu uma atitude marcadamente missionária.
Se atendêssemos aos critérios meramente humanos, diríamos que eles eram tresloucados pois desafiavam as normas vigentes e sujeitavam-se aos mais severos castigos.
Às perseguições e a toda a espécie de humilhações, à tortura e à morte por amor ao Bom Pastor.
Esta atitude só é compreensível se atendermos à maturidade espiritual do grupo.
É um rebanho que cresce na adversidade porque permanece íntimo do Pastor. Cresce em quantidade e qualidade: «Naquele dia juntaram-se aos discípulos cerca de três mil pessoas», diz-nos S. Lucas.

A maturidade espiritual sempre foi fértil. A comunidade que não gera novos filhos é imatura e indolente. Deixou-se levar pelo espírito do mundo e refugia-se na auto-satisfação mesmo quando se considera “praticante”.
Porque é imatura permanece indiferente aos apelos dos pobres e dos que sofrem.
Não se compromete com os outros e vive segundo os “mínimos necessários e indispensáveis”.

A imaturidade espiritual está habitualmente associada a uma desculpabilização de si e à culpabilização dos outros: «O padre, a catequista, aqueles que lá andam… não fazem».

É possível diagnosticar a origem desta imaturidade na falha em algum momento do processo de desenvolvimento espiritual: não houve acolhimento e interiorização da Palavra ou, tendo sido acolhida, não houve conversão, isto é, ela não se fez carne.
Ficou apenas no plano das ideias.
Uma teoria interessante.
Mais uma doutrina.
Uma ideologia que não modelou o sujeito a partir do modelo perfeito, Jesus Cristo.
Não configurou uma nova história.
É uma videira sem uvas.
Uma casa sem alicerces.

O maior desafio que nos é feito hoje é o de sermos adultos enquanto discípulos de Jesus.
Somos de novo uma minoria.
A sociedade rege-se por valores que, em grande parte, são contrários à mensagem do Crucificado.
De novo, é necessário interiorizar a Palavra de Deus e interrogar-se «que devo fazer?».
Não ter medo da pergunta que nos desinstala. Porque não nos interrogarmos é permanecermos imaturos.
E não basta sermos meros cumpridores de rituais.
E é pouco, muito pouco, viver segundo o princípio «eu mal não faço».

No dia em que somos chamados a orar pelas vocações, quarto Domingo da Páscoa, peçamos ao Senhor que nos faça discípulos maduros e fecundos de Jesus.

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