Domingo II da Quaresma (PDF)     TEXTO

Giovanni Bellini, Transfiguração

A Quaresma surpreende-nos: sujeitamo-la como um tempo penitencial, mortificante, e em vez disso finta-nos com este Evangelho vivificante.

Do deserto de pedras (primeiro domingo) ao monte da luz (segundo domingo);
do pó e cinzas aos rostos vestidos de sol.

Isto para nos dizer: coragem, o deserto não vencerá, conseguiremos, encontraremos a ponta à meada.

Ermes Ronchi, in Avvenire

 

 

Oração e Transfiguração

Enzo Bianchi, Prior do Mosteiro de Bose

Giovanni Bellini, Transfiguração

No itinerário quaresmal, a transfiguração de Jesus indica o fim a que tende este caminho: a ressurreição, de que a transfiguração é antecipação e profecia.

Alguns dias depois de ter anunciado aos seus discípulos a necessidade da sua morte e ressurreição e de lhes ter exposto com clareza as condições para O seguir nesse caminho, Jesus “levando consigo Pedro, João e Tiago” – os discípulos que lhe eram mais íntimos – “subiu ao monte para orar”. Lucas é o evangelista que mais insiste na oração de Jesus: ele reza no momento do baptismo recebido de João, reza antes de escolher os Doze, reza na iminência da sua paixão…

Também a transfiguração de Jesus ocorre no contexto da sua oração, no mistério do seu encontro pessoalíssimo com o Pai: “Enquanto orava, o aspecto do seu rosto modificou-se”. A oração é para Jesus espaço de acolhimento em Si da Presença de Deus. Presença que é santidade, isto é, alteridade capaz de transfigurar aquele que aceita acolhê-la radicalmente na sua vida. A alteração no rosto de Jesus manifesta que agora Ele narra o rosto invisível de Deus. A oração, além disso, é comunicação de Deus a Jesus mediante a sua “conversação” com Moisés e Elias, que personificam a Lei e os Profetas, ou seja, a Escritura do Antigo Testamento.

Sim, a oração de Jesus é essencialmente escuta da palavra de Deus contida na Escritura, uma escuta que se torna encontro com quem é vivente em Deus, uma verdadeira experiência da comunhão dos santos. É nesta oração que Jesus encontra a confirmação do seu caminho, orientado agora para a paixão, morte e ressurreição, em continuidade com a história da salvação conduzida por Deus com o seu povo. É por isso que Moisés e Elias “falavam da sua morte, que ia acontecer em Jerusalém”.
Não por acaso, pouco depois especifica-se que Jesus voltará resolutamente o seu rosto e os seus passos para a cidade santa, decidido a viver o que na oração compreendeu ser a sua missão.

“Pedro e os companheiros estavam a cair de sono; mas, despertando, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com Ele.” Mas esta experiência extraordinária, que custa o preço da luta para permanecer vigilante, dura um momento: a transfiguração de Jesus é antecipação da comunhão que espera todos os homens no Reino, é a primícia do mundo completamente sujeito ao sinal da beleza de Deus; mas precisamente é só uma primícia…
É por isso que enquanto Pedro, sem saber verdadeiramente aquilo que diz, pede a Jesus para prolongar essa experiência através da construção de três tendas, a Nuvem da Presença de Deus envolve-os, e dela vem uma voz que proclama: “Este é o meu Filho predilecto. Escutai-O”.
O grande mandamento “Escuta Israel”, agora ressoa como “Escutai-O, o Filho”, a Palavra feita carne em Jesus, o homem no qual a Escritura encontra o seu cumprimento. Eis o essencial da nossa fé!

O evangelho deste Domingo coloca-nos portanto em guarda: Jesus não pode ser a projecção dos nossos desejos mas é o Jesus Cristo segundo as Escrituras, e para o conhecer é preciso escutar, meditar e rezar a Palavra contida em toda a Escritura.
Tudo isto tendo consciência de que a oração não nos dispensa do esforço quotidiano da obediência a Deus através de Jesus Cristo, ou seja, do cumprimento da nossa vocação pessoal; pelo contrário, a oração ajuda-nos a preencher essa vocação de sentido porque transfigura os acontecimentos e as relações de todos os dias.
Foi assim com Jesus, pode ser assim também para nós.

Restaurados pela força do Divino Espírito

Papa Francisco, 2017

Duccio di Buoninsegna, Transfiguração

A subida dos discípulos ao monte Tabor leva-nos a reflectir acerca da importância de nos desapegarmos das coisas mundanas, a fim de fazer um caminho rumo ao alto e contemplar Jesus. Trata-se de nos pormos à escuta atenta e orante de Cristo, o Filho amado do Pai, procurando momentos de oração que permitem o acolhimento dócil e jubiloso da Palavra de Deus.

Redescobrir o silêncio regenerante da meditação do Evangelho
Nesta ascensão espiritual, neste afastamento das coisas mundanas, somos chamados a redescobrir o silêncio pacificador e regenerante da meditação do Evangelho, da leitura da Bíblia, que leva rumo a uma meta rica de beleza, de esplendor e de alegria. E quando nos pomos assim, com a Bíblia na mão, em silêncio, começamos a sentir esta beleza interior, esta alegria que a palavra de Deus gera em nós”.

Restaurados pela força do Espírito divino
No final da admirável experiência da Transfiguração, os discípulos desceram do monte com os olhos e o coração transfigurados pelo encontro com o Senhor. É o percurso que podemos realizar também nós.
A redescoberta cada vez mais viva de Jesus não constitui um fim em si, mas induz-nos a ‘descer do monte’, restaurados pela força do Espírito divino, para decidir novos passos de conversão e para testemunhar constantemente a caridade, como lei de vida diária.

Nesta Quaresma, subamos também nós a montanha com Jesus!
De que modo? Com a oração.
A oração silenciosa, a oração do coração, a oração sempre em busca do Senhor.
Permaneçamos alguns momentos em recolhimento, todos os dias um pouquinho, fixemos o olhar interior no seu rosto e deixemos que a sua luz nos adentre e irradie na nossa vida.

 

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