XXXII Domingo do Tempo Comum (PDF)  TEXTO

Pontomo, Visitação

 

O que Deus pede é que sejamos capazes de Lhe oferecer tudo, que aceitemos despojar-nos das nossas certezas, das nossas manifestações de orgulho e de vaidade, dos nossos projectos pessoais e preconceitos, a fim de nos entregarmos confiadamente nas suas mãos, com total confiança, numa completa doação, numa pobreza humilde e fecunda, num amor sem limites e sem condições.

O verdadeiro crente é aquele que não guarda nada para si, mas que, dia a dia, no silêncio e na simplicidade dos gestos mais banais, aceita sair do seu egoísmo e da sua auto-suficiência e colocar a totalidade da sua existência nas mãos de Deus.

Dehonianos

Um convite a ser corajosos

Patrick Woodhouse, in Etty Hillesum – Uma vida transformada

Giotto Bondone, Cristo no Calvário

Etty interpela o estado de espírito do nosso tempo e convida-nos a ser corajosos.
A coragem talvez fosse a sua maior virtude. Graças à sua coragem, Etty confrontou-se com o seu caos pessoal e encontrou a sua identidade; graças à sua coragem, ela foi mais fundo na sua viagem de exploração, descobrindo o terreno divino do seu coração; graças à sua coragem, Etty recusou-se a odiar; finalmente, graças à sua coragem, recusou-se a esconder-se, optando por abraçar o destino do seu povo e por perder a sua vida.

Etty mostra que uma vida verdadeiramente humana vive-se seguindo a vida corajosa e paradoxal da auto-descoberta e do auto-esvaziamento. Assim, no meio da escuridão, Etty encontrou a alegria e manteve-se viva naquele lugar, apesar do poder da morte.

Nas circunstâncias do nosso tempo, de modo particular no meio do nosso medo e do nosso pessimismo acerca do futuro, Etty também nos convida a viver com coragem.

Os que viveram na década de 1960 poderão olhar para trás – sem dúvida com uma grande dose de nostalgia – recordando-a como um tempo de grande optimismo, libertação e novas experiências; como um tempo de rebentar com o horrível colete de forças de tudo o que inibira a vida através da austeridade dos anos do pós-guerra. A década de 1960, com a sua cor e os seus excessos, a sua tentativa de derrubar todas as fronteiras, foi uma década que gerou um sentimento de que vinham lá mudanças e de que tudo era possível.

Cinquenta anos mais tarde, passada a primeira década do século XXI, estamos num lugar muito diferente. Esse espírito de optimismo evaporou-se por completo, dando lugar a um profundo sentido de pessimismo quanto àquilo que o futuro nos reserva. Não é exagerado dizer que muita gente, talvez sobretudo as pessoas mais velhas, sentem – segundo Etty Hillesum – que o mundo «se encontra num estado de colapso». Não do colapso violento e apocalíptico por que ela passou, mas de uma lenta e. contínua desintegração da nossa confiança no futuro.

Este pessimismo tem tido por objecto várias preocupações. A mudança climatérica, com todas as suas enormes e assustadoras ramificações, é a mais óbvia, mas há outras. Por exemplo, a possível proliferação de armas nu­cleares, ou a questão imensa da sustentabilidade, em termos de alimentos e de recursos, de uma população mundial projectada para subir de seis mil milhões e meio, para nove mil milhões em 2050.

Tudo isto podem parecer questões insuperavelmente assustadoras, tanto para nós como para as futuras gerações. O pessimismo tende a focar-se em sintomas de profundo mal-estar social, naquilo que parece ser uma sociedade cada vez mais fragmentada e carente de objectivos.

Ao falar de um mundo que se ia desintegrando com violência à sua volta, Etty interpela o nosso pessimismo, convidando-nos a ser corajosos.
Etty convida-nos a olhar de frente para quaisquer situações difíceis com que possamos confrontar-nos, quer pessoais quer muito mais vastas, e a envolvermo-nos nelas, procurando a vida através desse empenhamento.

 

Uma luz que vem do Senhor

Papa Francisco, 2014

Paulus Lesire, O óbulo da viúva

Jesus, depois de longos debates com os saduceus e com os discípulos relativamente aos fariseus e aos escribas que estão satisfeitos por ocuparem os primeiros lugares, os primeiros assentos nas sinagogas, nos banquetes, por serem saudados, ao levantar o olhar vê a viúva.

O contraste é imediato e forte em relação aos ricos que lançam as suas ofertas no tesouro do templo. E é precisamente a viúva a pessoa mais forte aqui, neste trecho.

Da viúva, diz-se duas vezes que é pobre e está na miséria. É como se o Senhor quisesse sublinhar aos doutores da lei: «Tendes tanta riqueza de vaidade, de aparência ou também de soberba». Ela é pobre. Vós, que comeis nas casas das viúvas….

Mas na Bíblia o órfão e a viúva são as figuras mais marginalizadas assim como também os leprosos, e por isso há muitos mandamentos para ajudar, para cuidar das viúvas, dos órfãos. E Jesus olha para esta mulher sozinha, vestida com simplicidade e que lança tudo o que tinha para viver: duas moedas.

Uma mulher pobre no meio de poderosos, no meio de doutores, de sacerdotes e escribas… também no meio daqueles ricos que lançavam as suas ofertas. A eles Jesus diz: «Este é o caminho, o exemplo. Esta é a estrada pela qual vós deveis caminhar». Sobressai forte o gesto desta mulher que era toda para Deus, como a viúva Ana que recebeu Jesus no templo: toda para Deus. A sua esperança estava só no Senhor.

Gosto de ver aqui, nesta mulher, uma imagem da Igreja. Em primeiro lugar, a Igreja pobre, porque a Igreja não deve ter outras riquezas a não ser o seu Esposo; depois a Igreja humilde, como eram as viúvas daquela época, porque naquele tempo não existia a aposentadoria, as ajudas sociais, nada. Num certo sentido a Igreja é um pouco viúva, porque espera o seu Esposo que há-de vir. Certamente, tem o seu Esposo na Eucaristia, na palavra de Deus, nos pobres: mas espera que volte.

Esta viúva não era importante: o nome não aparecia nos jornais, ninguém a conhecia, não tinha licenciaturas… nada. Não brilhava de luz própria.
E a grande virtude da Igreja deve ser precisamente não brilhar de luz própria, mas reflectir a luz que vem do seu Esposo. Também os primeiros Padres diziam que a Igreja é um mistério como a lua. Chamavam-lhe mysterium lunae: a lua não tem luz própria; recebe-a sempre do sol.

Certamente é verdade que às vezes o Senhor pede à sua Igreja que tenha luz própria, como quando pediu à viúva Judite que se despojasse das vestes de viúva para vestir o traje de festa para cumprir uma missão. Mas, a Igreja recebe a luz do Senhor e todos os serviços que realizamos nela servem para receber aquela luz. Quando um serviço está carente desta luz não está bem, porque torna a Igreja rica ou poderosa, ou em busca do poder, e ainda erra o caminho, como aconteceu muitas vezes, na história, e como acontece nas nossas vidas quando queremos ter outra luz, que não é exactamente a do Senhor: uma luz própria.

O Evangelho apresenta a imagem da viúva precisamente no momento em que Jesus começa a sentir as resistências da classe dirigente do seu povo. E é como se Ele dissesse: «Acontece tudo isto, mas olhem para ali!», para aquela viúva. A comparação é fundamental para reconhecer a verdadeira realidade da Igreja que quando é fiel à esperança e ao seu Esposo, rejubila ao receber a sua luz, ao ser — neste sentido — viúva: esperando aquele Sol que há-de vir.

Quando a Igreja é humilde e pobre, e também quando confessa as suas misérias — pois todos as temos — a Igreja é fiel. É como se ela dissesse: «Eu sou obscura, mas a luz vem-me dali!». E isto, faz-nos tão bem. Então peçamos a esta viúva que está no céu, sem dúvida, a fim de que nos ensine a ser Igreja assim, renunciando a tudo o que temos e não guardando nada para nós mas tudo para o Senhor e para o próximo.

Sempre humildes, sem nos vangloriarmos de ter luz própria, mas procurando sempre a luz que vem do Senhor.

 

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