Santíssima Trindade (PDF) TEXTO
De acordo com as orientações da Conferência Episcopal Portuguesa, enquanto durar a situação de pandemia fica suspensa a edição da Folha Informativa em papel.

Santíssima Trindade, Masaccio
A Solenidade de hoje não é um convite a decifrar o mistério que se esconde por detrás de “um Deus em três pessoas”; mas um convite a contemplar o Deus que é amor, família, comunidade e que criou os homens para os fazer comungar nesse mistério de amor.
No Evangelho, João convida-nos a contemplar um Deus cujo amor pelos homens é tão grande, a ponto de enviar ao mundo o seu Filho único; e Jesus, o Filho, cumprindo o plano do Pai, fez da sua vida um dom total, até à morte na cruz, a fim de oferecer aos homens a vida definitiva.
Dehonianos, 2020
Trindade: Deus é comunhão, vínculo, abraço
Ermes Ronchi , In “Avvenire”
Os nomes de Deus sobre o monte são um mais belo do que o outro: o misericordioso e piedoso, o lento para a ira, o rico de graça e de fidelidade. Moisés subiu com esforço, duas tábuas na mão, e Deus desconcerta-o e a todos os moralistas, escrevendo naquela rígida pedra palavras de ternura e de bondade.
Que chegam até Nicodemos, naquela noite de renascimento. Deus amou tanto o mundo, que lhe deu o seu Filho. Estamos no versículo central do Evangelho de João, num espanto que renasce sempre perante palavras boas como o mel, tonificantes como uma caminhada junto ao mar, entre salpicos de mar e ar bom respirado a plenos pulmões: Deus amou tanto o mundo… e a noite de Nicodemos, e as nossas, iluminam-se.
Jesus está a dizer ao fariseu medroso: o nome de Deus não é amor, é “muito amor”, Ele é “o muito-amante”. Deus, pela eternidade, considera o mundo, cada carne, mais importante que Ele próprio. Para me adquirir, perdeu-Se a Si mesmo. Loucura da cruz. Insanidade de Sexta-feira Santa. Mas por nós renasce: cada ser nasce e renasce do coração de quem o ama.
Experimentemos saborear a beleza destes verbos no passado: Deus amou, o Filho foi dado. Dizem não uma esperança (Deus amar-te-á se tu…), mas um facto seguro e adquirido: Deus já está aqui, impregnou de Si o mundo, e o mundo d’Ele está embebido.
Deixemos que os pensamentos absorvam esta verdade belíssima: Deus já veio, está no mundo, aqui, agora, com muito amor. E repitamo-nos estas palavras a cada despertar, a cada dificuldade, de cada vez que perdemos a confiança e se faz noite.
O Filho não foi enviado para julgar. «Eu não julgo!» . Que palavra explosiva, a repetir setenta vezes sete à nossa fé amedrontada! Eu não julgo, nem para sentenças de condenação nem para veredictos de absolvição.
Posso pesar os montes com a balança e o mar com a palma das mãos, mas o ser humano não o peso nem o meço. Salvar quer dizer alimentar de plenitude e, depois, conservar.
Deus conserva: este mundo e eu, cada pensamento bom, cada generosa fadiga, cada dolorosa paciência; nem um cabelo da vossa cabeça se perderá (Lucas 21,38), nem sequer um fio de erva, nem sequer um fio de beleza desaparecerá no nada.
O mundo é salvo porque amado. Os cristãos não são aqueles que amam Deus, são aqueles que acreditam que Deus os ama, que pronunciou o seu «sim» ao mundo, antes que o mundo diga «sim» a Ele.
Festa da Santíssima Trindade: anúncio que Deus não é em Si mesmo solidão, mas comunhão, vínculo, abraço. Que nos alcançou, e liberta, e faz erguer em voo uma pulsão de amor.
O relacionamento com Deus é gratuito, é uma relação de amizade
Papa Francisco, Maio 2020

Espírito Santo, Gustavo Doré
Na Igreja, no início, houve tempos de paz, como o diz tantas vezes: a Igreja crescia em paz e o Espírito do Senhor difundia-se; tempos de paz! Houve também tempos de perseguição, começando com a perseguição de Estêvão; depois Paulo, perseguidor, convertido e em seguida também perseguido… Tempos de paz, tempos de perseguição, e houve também tempos de perturbação.
A ressurreição de Cristo não dissolveu a lei antiga, levando-a a uma plenitude ainda maior?”
Dos doutores da Lei, Jesus dizia: «Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, pois percorreis mares e terras para fazer um só prosélito; e, quando o conseguis, fazeis dele um filho do inferno duas vezes pior do que vós mesmos». Jesus diz mais ou menos isto no capítulo 23 de Mateus.
Essas pessoas, que eram “ideológicas” mais do que “dogmáticas”, “ideológicas”, reduziam a Lei, o dogma, a uma ideologia: “Deve-se fazer isto, isso e aquilo”… Uma religião de prescrições, e com isto tiravam a liberdade do Espírito. E as pessoas que os seguiam eram rígidas, pessoas que não se sentiam à-vontade, que não conheciam a alegria do Evangelho.
A perfeição do caminho para seguir Jesus era a rigidez: “Há que fazer isto, isso, aquilo…”. Essas pessoas, esses doutores “manipulavam” as consciências dos fiéis, e ou tornavam-se rígidos… ou iam embora.
Por esta razão, repito muitas vezes, a rigidez não é do Espírito bom, porque questiona a gratuidade da redenção, a gratuidade da ressurreição de Cristo.
E isto é algo antigo: isto repete-se durante a história da Igreja. Pensemos nos pelagianos, nestes… nesses rígidos famosos. E também no nosso tempo vimos algumas organizações apostólicas que pareciam realmente bem constituídas, que funcionavam bem… mas todas rígidas, todas iguais umas às outras, e depois ficamos a saber da corrupção que havia dentro, até nos fundadores.
Onde há rigidez, não há Espírito de Deus, porque o Espírito de Deus é liberdade. E essas pessoas queriam dar passos, tirando a liberdade do Espírito de Deus e a gratuidade da redenção: “Para seres justificado, deves fazer isto, isso e aquilo…”. A justificação é gratuita. A morte e a ressurreição de Cristo são gratuitas. Não se pagam, não se compram: são um dom!
O caminho [o modo de proceder] é bom: os apóstolos reúnem-se em concílio e no final escrevem uma carta que começa assim: «Na verdade, pareceu bem ao Espírito Santo e a nós, não vos impor mais incumbência alguma», e conferem estas obrigações mais morais, de bom senso: não confundir o cristianismo com o paganismo, com a abstenção da carne oferecida aos ídolos, etc. E no final, os cristãos que estavam perturbados, reunidos em assembleia, receberam a carta e «quando a leram, alegraram-se pela exortação que ela infundia». Da perturbação à alegria.
O espírito de rigidez leva-nos sempre à perturbação: “Mas será que fiz bem isto? Não o fiz bem?”. O escrúpulo. O espírito de liberdade evangélica leva-vos à alegria, porque foi precisamente isto que Jesus fez com a sua ressurreição: Ele trouxe alegria! O relacionamento com Deus, a relação com Jesus não é assim, de “fazer coisas”: “Eu faço isto e tu dás-me aquilo”. Uma relação, digo eu – perdoai-me Senhor – comercial: não! É gratuito, tal como é gratuita a relação de Jesus com os discípulos.
Peçamos ao Senhor que nos ajude a discernir entre os frutos da gratuidade evangélica e os frutos da rigidez não evangélica, e que nos liberte de toda a perturbação daqueles que colocam a fé, a vida de fé sob as prescrições da casuística, as prescrições que não têm sentido. Refiro-me às prescrições que não têm sentido, não aos Mandamentos.
Que nos liberte deste espírito de rigidez, o qual nos tira a liberdade.