Domingo XXXI do Tempo Comum (PDF) TEXTO
A festa da humildade
A humildade torna-te livre, verdadeiro, leve.
A pessoa humilde – ainda que seja rica e poderosa – sabe bem que não é dona de nada, nem sequer do instante que se segue àquele que está a viver.
E, acolhe, portanto, a vida como um dom.
Incrível, imenso, único, irrepetível, do qual jorra, como riacho da rocha, a água pura e fresca da gratidão.
No dia dedicado aos nossos irmãos e irmãs que nos veem do Alto, invocamos o dom indispensável da humildade.
A certeza de que, como nós, Deus ama a criação e cada criatura, impele-nos a amá-las e a servi-las.
Sem esperarmos recompensa alguma.
Tão grande é, com efeito o dom recebido, que a eternidade não chegará para o compreender e saborear plenamente.
Maurizio Patriciello, In Avvenire 2023
Amar a Deus com toda a vida
Papa Francisco, 29 de outubro de 2023, (excertos) Homilia na conclusão do sínodo dos bispos
É um pretexto que leva o doutor da Lei a apresentar-se a Jesus; pretende unicamente pô-Lo à prova.
A pergunta dele é importante, sempre atual, surgindo de vez em quando no nosso coração e na vida da Igreja: «Qual é o maior mandamento?». Qual é a coisa que conta tanto a ponto de ser o princípio inspirador de tudo? E a resposta de Jesus é clara: «Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente. Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo».
Ao concluirmos este pedaço de caminho que percorremos, é importante fixar o «princípio e fundamento», do qual uma vez e outra tudo começa: amar. Amar a Deus com toda a vida e amar o próximo como a si mesmo. Não está nas nossas estratégias, nos cálculos humanos, nem nas modas do mundo, mas no amor a Deus e ao próximo: é aqui que está o coração de tudo. Como traduzir tal impulso de amor? Ama-se a Deus com a adoração e o serviço.
Amar é adorar. A maravilha própria da adoração é essencial na Igreja, sobretudo neste tempo em que perdemos o hábito da adoração. De facto, adorar significa reconhecer na fé que só Deus é Senhor e que, da ternura do seu amor, dependem as nossas vidas, o caminho da Igreja, as sortes da história. Ele é o sentido do nosso viver.
Ao adorá-Lo, redescobrimo-nos livres.
Quem adora a Deus rejeita os ídolos, pois, enquanto Deus liberta, os ídolos tornam-nos escravos. A Escritura é severa contra a idolatria, porque os ídolos são obra do homem e, por este, manipulados, ao passo que Deus é sempre o Vivente, que está aqui e no além, «que não é feito como eu O penso, que não depende de quanto eu espero d’Ele e pode transtornar as minhas expetativas, precisamente porque está vivo. E a prova de que nem sempre temos a ideia certa de Deus é o facto de às vezes ficarmos dececionados: eu esperava isto, imaginava que Deus Se comportasse assim, mas enganei-me. Deste modo trilhamos de novo o caminho da idolatria, querendo que o Senhor atue segundo a imagem que nós fizemos d’Ele». Isto é um risco que sempre podemos correr: pensar em «controlar Deus», encerrar o seu amor nos nossos esquemas, quando, pelo contrário, o seu agir é sempre imprevisível, ultrapassa-nos e por isso este agir de Deus suscita maravilha e exige adoração. Como é importante este maravilhar-se!
Sempre devemos lutar contra as idolatrias: ânsia do sucesso, autoafirmação a todo custo, ganância, o encanto do carreirismo; ou a minha espiritualidade, as minhas ideias religiosas, a minha habilidade pastoral…
Dediquemos diariamente um tempo à intimidade com Jesus, diante do sacrário.
Adore-se o Senhor em cada diocese, em cada paróquia, em cada comunidade!
Porque só assim nos voltaremos para Jesus, e não para nós mesmos; porque só através do silêncio adorador é que a Palavra de Deus habitará as nossas palavras; porque só diante d’Ele seremos purificados, transformados e renovados pelo fogo do seu Espírito.
Amar é servir. No mandamento maior, Cristo liga Deus e o próximo, para que não apareçam jamais separados. Não há amor a Deus sem envolvimento no cuidado do próximo, caso contrário corre-se o risco do farisaísmo. Talvez tenhamos muitas e belas ideias para reformar a Igreja, mas lembremo-nos: adorar a Deus e amar os irmãos com o seu amor, são a grande e perene reforma.
Ser Igreja adoradora e Igreja do serviço, que lava os pés à humanidade ferida, acompanha o caminho dos mais frágeis, dos débeis e dos descartados, sai com ternura ao encontro dos mais pobres, daqueles que são vítimas das atrocidades da guerra; (que pensa) nas tribulações dos migrantes, no sofrimento escondido de quem se encontra sozinho e em condições de pobreza; em quem é esmagado pelos fardos da vida; em quem já não tem mais lágrimas, em quem não tem voz.
E penso nas vezes em que, por trás de lindas palavras e promessas, se favorecem formas de exploração, ou nada se faz para as evitar. É um pecado grave explorar os mais frágeis, corrói a fraternidade e destrói a sociedade.
A Igreja que somos chamados a sonhar é serva de todos, dos últimos. Acolhe, serve, ama, perdoa, sem nunca exigir antes um atestado de «boa conduta». Tem as portas abertas, é porto de misericórdia.
Nesta (conclusão da Assembleia Sinodal) «conversação do Espírito», pudemos experimentar a terna presença do Senhor e descobrir a beleza da fraternidade. Ouvimo-nos reciprocamente e sobretudo, na rica variedade das nossas histórias e sensibilidades, pusemo-nos à escuta do Espírito Santo.
Hoje não vemos o fruto completo deste processo, mas podemos com clarividência olhar o horizonte que se abre diante de nós: o Senhor guiar-nos-á e ajudar-nos-á a ser Igreja mais sinodal e mais missionária, que adora a Deus e serve as mulheres e os homens do nosso tempo, saindo para levar a todos a alegria consoladora do Evangelho.
Bem-aventurados os distantes
Tomás Halík, Paciência com Deus, 2013
Bem-aventurados sois vós os que estais nas franjas, pois ficareis no centro, no coração!
Nisso se poderia perfeitamente resumir o grosso de tudo o que Jesus disse e fez. Jesus ignorou completamente grande parte daquilo que era considerado pelas outras pessoas o centro inamovível – isso revela-se de modo particular na sua atitude frente às provisões rituais da Lei. Além disso, colocou no centro apenas um valor, um valor que era absoluto para Ele: o amor, convidando todos os que se encontravam «nas franjas» a este novo centro.
O Reino que Ele veio proclamar, o futuro escatológico prometido, que se deverá revelar em plenitude no fim dos tempos, também é aqui e agora – em Cristo, por Ele, com Ele e nele. É essa a boa-nova do Evangelho. Os que estavam nas franjas encontram-se agora no centro, porque Jesus se sentou à mesa com eles e os fez entrar no seu coração. Mas o seu coração pode estar mais oculto do que se poderia pensar ao ver algumas pinturas piedosas. «Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração», diz Jesus. E não consiste o seu tesouro, precisamente, em todas aquelas pessoas situadas nas franjas – incluindo as que duvidam e as que procuram?