Domingo de Pentecostes (PDF)  TEXTO

Bohemian Master, Pentecostes

Tentámos tantas vezes e durante tantos anos resolver os nossos conflitos com as nossas forças e também com as nossas armas; tantos momentos de hostilidade e escuridão; tanto sangue derramado; tantas vidas despedaçadas; tantas esperanças sepultadas… Mas os nossos esforços foram em vão.

Agora, Senhor, ajudai-nos Vós! Dai-nos Vós a paz, ensinai-nos Vós a paz, guiai-nos Vós para a paz. (…)

Infundi em nós a coragem de realizar gestos concretos para construir a paz. Senhor, Deus de Abraão e dos Profetas, Deus Amor que nos criastes e chamais a viver como irmãos, dai-nos a força para sermos cada dia artesãos da paz; dai-nos a capacidade de olhar com benevolência todos os irmãos que encontramos no nosso caminho.

Tornai-nos disponíveis para ouvir o grito dos nossos cidadãos que nos pedem para transformar as nossas armas em instrumentos de paz, os nossos medos em confiança e as nossas tensões em perdão. Mantende acesa em nós a chama da esperança para efectuar, com paciente perseverança, opções de diálogo e reconciliação, para que vença finalmente a paz.

Senhor, desarmai a língua e as mãos, renovai os corações e as mentes, para que a palavra que nos faz encontrar seja sempre «irmão», e o estilo da nossa vida se torne: shalom, paz, salam!

Papa Francisco, Invocação pela Paz, Jardins do Vaticano,
8 de Junho de 2014

 

 

A condição precária é necessária a quem acredita em Deus

Tolentino Mendonça

Valentin de Boulogne, São Paulo a escrever as suas Epístolas

A experiência espiritual é uma experiência de abertura, uma experiência transfronteiriça, onde aprendemos a não temer a indeterminação e o vazio, que se tornam uma espécie de sacramento do invisível, e por isso a condição precária é necessária àquele que acredita. Há uma afinidade etimológica entre a palavra latina “precarius” e “prece”.

A condição precária, quando relacionada com a espiritualidade cristã, não é um obstáculo, antes uma exigência para a sua expansão: O precário é uma condição necessária para realizar a oração, e, no sentido inverso, a espiritualidade é uma espécie de iniciação à condição precária.

Tendo em consideração que, desde Abraão, a fé é capacidade de viver segundo uma promessa, então a espiritualidade é uma itinerância, uma espécie de nomadismo, e também um lugar de desnudamento, uma coreografia das mãos vazias.
A atitude espiritual mais importante a desenvolver na vivência da condição precária talvez seja a atenção, como abertura, como disponibilidade para se deixar surpreender.

E a atitude espiritual mais oportuna talvez seja a do esvaziamento, porque só um olhar que não tem defesas consegue olhar a verdadeira presença. É necessária uma conversão do olhar, que crie uma disponibilidade para poder praticar uma hospitalidade do real, do real mais puro, aquele que é capaz de dar o sentido do invisível.
Somos chamados a ser sentinelas, vigilantes, viajantes, enamorados. O que é que o mundo pede à sentinela, isto é, aos homens e mulheres crentes? Pede que iluminemos a fronteira, com a nossa vida, a nossa cultura, com o construir da nossa reflexão.

Habitar o precário é o que permite habitar a espantosa realidade das coisas, onde Deus se revela. Não viver de conceitos, de ideias, não construir prisões e armadilhas para reter, não cair na tentação de fixar, mas viver no trânsito, na viagem. E, talvez por isso, a figura do pastor, com a sua transumância, confere desde as páginas bíblicas inspiração para aquilo que é a vida da fé.

Conjugar a espiritualidade do precário implica habitar o novo, o orgânico, o mutante, ver que não se vive de respostas, mas de perguntas: Vivemos no enigma, na fronteira… mas na espiritualidade do precário percebemos que o enigma não é um limite, que o mistério não é um obstáculo, mas sim uma possibilidade.
A literatura, a arte ajudam-nos a perceber a importância do provisório como lugar de verdade, de autenticidade, como caminho para viver a espiritualidade.

Por outro lado, trata-se de estabelecer percursos de reconhecimento: Reconhecer é perscrutar, ouvir, identificar, cartografar, mapear… e este é um processo dinâmico da espiritualidade, porque ela dá-nos acesso a uma experiência, a um acontecimento… é alguma coisa que nos transforma.

Mas reconhecer tem igualmente o significado de gratidão, e por isso a espiritualidade do provisório é também capaz de perceber que está no interior de uma economia do dom, que há uma dinâmica da dádiva, que o não saber não é simplesmente a experiência de uma ausência, mas que a ausência fala, como aconteceu no sepulcro vazio que falou a Maria Madalena.

Inerente à condição precária subsiste também a espiritualidade pascal: A verdadeira espiritualidade é uma dinâmica de ponte, é habitar o fluir, é não interromper, é uma vida que caminha de margem a margem, é habitar o mistério, habitar o “entre”, porque é o “entre” que nos faz viver, o “entre” é o lugar da passagem da vida, de nós próprios, é o lugar da passagem de Deus.

Porque o verdadeiro modo da experiência de Deus é a passagem.

 

Somos páginas abertas à caligrafia do fogo

Papa Francisco, 2021

Sem o Espírito não há relação com Cristo e com o Pai. Porque ele abre o nosso coração à presença de Deus e atrai-o para aquele “vórtice” de amor que é o próprio coração de Deus. Não somos apenas hóspedes e peregrinos no caminho sobre esta terra, somos também hóspedes e peregrinos no mistério da Trindade.

Somos como Abraão, que um dia, ao acolher na sua tenda três viandantes, encontrou Deus. Se podemos na verdade invocar Deus chamando-o “Abbá – Papá” é porque em nós habita o Espírito Santo; é Ele que nos transforma em profundidade e nos faz experimentar a alegria comovente de ser amados por Deus como filhos verdadeiros.

«Todas as vezes que começamos a orar a Jesus, é o Espírito Santo que, pela sua graça preveniente, nos atrai para o caminho da oração. Uma vez que Ele nos ensina a orar lembrando-nos Cristo, como orar-Lhe a Ele próprio? A Igreja convida-nos, pois, a implorar cada dia o Espírito Santo, especialmente no princípio e no fim de qualquer acto importante» (Catecismo, n. 2670).

Esta é a obra do Espírito em nós. Ele “recorda-nos” Jesus e torna-o presente a nós – é a memória de Deus em nós. O Espírito traz Jesus ao presente na nossa consciência. Mas no Espírito Santo tudo é vivificado: aos cristãos de cada tempo e lugar é aberta a possibilidade de encontrar Cristo, não apenas como um personagem histórico. Ele atrai Cristo para os nossos corações. Ele não está distante, está connosco: continua a educar os seus discípulos transformando o seu coração, como fez com Pedro, com Paulo, com Maria de Magdala, com todos os apóstolos.

É a experiência que viveram tantos orantes: homens e mulheres que o Espírito Santo formou segundo a “medida” de Cristo, na misericórdia, no serviço, na oração…

É uma graça poder encontrar pessoas assim: damo-nos conta que nelas pulsa uma vida diferente, o seu olhar vê “mais além”. Não pensemos apenas nos monges, nos eremitas; encontram-se também entre as pessoas comuns, pessoas que entreteceram uma longa história de diálogo com Deus, por vezes de luta interior, que purifica a fé. Estes testemunhos humildes buscaram Deus no Evangelho, na Eucaristia recebida e adorada, no rosto do irmão em dificuldade, e guardam a sua presença como um fogo secreto.

A primeira tarefa dos cristãos é precisamente manter vivo este fogo, que Jesus trouxe à Terra, isto é, o amor de Deus, o Espírito Santo. Sem o fogo do Espírito as profecias extinguem-se, a tristeza suplanta a alegria, o hábito substitui o amor, o serviço transforma-se em escravidão.

«O Espírito Santo, cuja unção impregna todo o nosso ser, é o mestre interior da oração cristã. É o artífice da tradição viva da oração. Há, é certo, tantos caminhos na oração como orantes; mas é o mesmo Espírito que age em todos e com todos. É na comunhão do Espírito Santo que a oração cristã é oração na Igreja» (Catecismo, n. 2672).

Tantas vezes acontece que não oramos, não temos vontade de orar, ou muitas vezes oramos como papagaios, com a boca, mas o coração está distante. Esse é o momento de dizer: «Vem, vem Espírito Santo, aquece o meu coração, ensina-me a orar, a olhar o Pai, o Filho. Ensina-me como é o caminho da fé. Ensina-me como amar e, sobretudo, ensina-me a ter uma atitude de esperança».

É por isso o Espírito a escrever a história da Igreja e do mundo. Nós somos páginas abertas, disponíveis para receber a sua caligrafia. E em cada um de nós o Espírito compõe obras originais, porque nunca há um cristão totalmente idêntico a outro. No campo interminável da santidade, o único Deus, Trindade de amor, faz florescer a variedade dos testemunhos: todos iguais por dignidade, mas também únicos na beleza que o Espírito quis que se libertasse em cada um daqueles que a misericórdia de Deus tornou seus filhos.

Não esqueçamos, o Espírito está presente, está presente em nós. Escutemos o Espírito, chamemos o Espírito – é o presente que Deus nos deu – e digamos-lhe: «Espírito Santo, eu não sei como é o teu rosto – não o conhecemos –, mas sei que Tu és a força, que Tu és a luz, que Tu és capaz de fazer-me andar para a frente e ensinar-me como orar. Vem, Espírito Santo».

 

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