Domingo V do Tempo Comum (PDF) TEXTO

E se o sal perde o sabor?

Joseph Israel, o sal e a luz

Às vezes esquecemos que a fé é um tesouro que nos foi transmitido não só por escritos, mas pelo testemunho existencial de homens e mulheres que nos passaram o testemunho.

Agora cabe-nos enriquecê-lo e voltar a traduzi-lo com a nossa inteligência para o mundo de hoje.

Cada pessoa é sal e luz de maneira diferente, mas para todos vale que não somos cristãos para nós mesmos.

Na vida experimentamos momentos de não-sabor, em que a nossa luz não resplandece (não a luz mundana da visibilidade que todos procuram, mas a do coração, que pode iluminar e dar a paz em quem está à volta).

Mas há os irmãos e as irmãs para nos ajudarem e iluminarem com a sua luz. Uma luz que vem da sua vida interior, do coração habitado pela Palavra.
Não se é cristão sozinho. Somos responsáveis uns pelos outros, mas também e em primeiro lugar por nós próprios.

Ir. Laura, In “Monastero di Bose, 2016

Evitemos uma vida insípida e desligada

Ermes Ronchi, In “Avvenire” 2020

Willem van Herp, Santo António distribui pão

Vós sois sal, vós sois luz (cf. Mateus 5, 13-16). Sal que conserva as coisas, mínima eternidade dissolvida no alimento. Luz que acaricia as coisas de alegria, nelas desperta cores e beleza.

Tu és luz. Jesus anuncia-a à minha alma criança, àquela parte de mim que sabe ainda encantar-se, ainda acender-se. Tu és sal, não para ti mesmo, mas para a terra. A tarefa é séria, porque ser sal e luz do mundo quer dizer que do bom sucesso da minha aventura, humana e espiritual, depende a qualidade do resto do mundo.

Como fazer para viver esta responsabilidade séria, que é de todos? Menos palavras e mais gestos. Que o profeta Isaías elenca (cf. 58,7-10): «Reparte o teu pão», verbo seco, concreto, factível.

«Reparte o teu pão», e depois é todo um seguimento de outros gestos: dá abrigo, veste o nu, não vires a cara. «Então a tua luz surgirá como a aurora, a tua ferida não tardará em sarar». E sente a impaciência de Deus, a impaciência da Adão, e da aurora que se levanta e da fome que grita; a urgência do corpo do homem que tem dores e feridas, tem pressa de pão e de saúde.

A luz vem através do meu pão quando se torna pão nosso, partilhado e não ciosamente possuído. O gesto do pão vem antes de tudo: porque sobre a terra há criaturas que têm tanta fome, que para eles Deus só pode ter a forma de um pão.

Cura os outros e curar-se-á a tua ferida, cuida de alguém e Deus cuidará de ti; produz amor, e Ele envolver-te-á o coração, quando está ferido. Ilumina outros e iluminar-te-ás, porque quem olha só para si próprio nunca se ilumina. Quem não procura, mesmo às apalpadelas, o rosto que da escuridão pede ajuda, nunca se acenderá. É da noite partilhada que se ergue o sol de todos.

«Se me fecho no meu eu, ainda que adornado de todas as virtudes, rico de sal e de luz, e não participo na existência dos outros, se não me abro aos outros, posso estar privado de pecados, e todavia vivo numa situação de pecado» (G. Vannucci).

Mas se o sal perde sabor, com que coisa se pode salgar? Conhecemos bem o risco de nos afundarmos numa vida insípida e gasta. Acontece quando não comunico amor a quem me encontra, não sou generoso de mim, não sei querer bem: «Não somos chamados a fazer o bem, mas a querer bem» (Ir. Maria de Campello).

Eu sou luz apagada quando não evidencio beleza e bondade nos outros, não me inebrio dos seus defeitos: então estou a extinguir a chama das coisas, sou um címbalo que tintila, um trombone de lata. Quando amo três verbos obscuros: agarrar, subir, comandar; em vez de seguir os três do sal e da luz: dar, acender, servir.

Doença pode tornar-se desumana

Papa Francisco, Dia Mundial do Doente 2023

Rembrandt, O Bom Samaritano

As experiências de estarmos perdidos, doentes ou frágeis fazem parte do nosso caminho: não nos excluem do povo de Deus. Pelo contrário, colocam-nos no centro da solicitude do Senhor que é Pai e não quer perder pelo caminho nem sequer um dos seus filhos. Trata-se, pois, de aprender com Ele a ser verdadeiramente uma comunidade que caminha em conjunto, capaz de não se deixar contagiar pela cultura do descarte.

A Igreja Católica celebra o Dia Mundial do Doente a 11 de Fevereiro, memória litúrgica de Nossa Senhora de Lourdes, com o tema da mensagem do Papa “«Trata bem dele!» – A compaixão como exercício sinodal de cura” e o Santo Padre convida a reflectir sobre o que se pode aprender, através da experiência da fragilidade e da doença, caminhando juntos segundo o estilo de Deus, que é proximidade, compaixão e ternura.

Não há espaço para a fragilidade na sociedade e para a solidão que pode começar nestes contextos, as pessoas “nunca” estão preparadas para a doença, e, muitas vezes, nem sequer para admitir a idade avançada: Tememos a vulnerabilidade e a difusa cultura do mercado leva-nos a negá-la.

A doença faz parte da experiência humana, mas pode tornar-se desumana, se for vivida no isolamento e no abandono, se não for acompanhada pelo cuidado e pela compaixão.

É mesmo importante, relativamente também à doença, que toda a Igreja se confronte com o exemplo evangélico do bom samaritano, para se tornar um hospital de campanha válido: a sua missão, com efeito, especialmente nas circunstâncias históricas que atravessamos, exprime-se no exercício do cuidado.

Todos somos frágeis e vulneráveis; todos temos necessidade daquela atenção compassiva que sabe deter-se e aproximar-se, que sabe cuidar e levantar. A condição dos enfermos é, assim, um apelo que quebra a indiferença e abranda o passo de quem avança como se não tivesse irmãs e irmãos.

Nos anos da pandemia Covid-19 aumentou o sentimento de gratidão por quem trabalha diariamente pela saúde e na investigação médica, mas não é suficiente louvar os heróis quando se sai de uma tragédia colectiva tão grande.

Essa gratidão deve ser acompanhada, em cada país, pela procura activa de estratégias e recursos para ser garantido a todas as pessoas o acesso aos cuidados médicos e o direito fundamental à saúde.

Sobre a citação bíblica do tema da mensagem para o Dia Mundial do Doente 2023, “«Trata bem dele!» – A compaixão como exercício sinodal de cura” é a recomendação do samaritano ao estalajadeiro, mas Jesus repete-a a cada um na exortação conclusiva “vai e faz tu também o mesmo”.

O Dia Mundial do Doente não convida apenas à oração e à proximidade com aqueles que sofrem, mas, ao mesmo tempo, visa sensibilizar o povo de Deus, as instituições de saúde e a sociedade civil para uma nova forma de avançarmos juntos.

A Palavra de Deus – não só na denúncia, mas também na proposta – é sempre capaz de iluminar, é sempre actual.

 

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